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Leão XIV, a missa tradicional e a arte do governo eclesial: uma sutileza texana no centro da tempestade

O gesto de Leão XIV indica uma possível mudança de postura: menos ideológica, mais pastoral; menos coercitiva, mais prudente.

Foto: Vatican News

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Redação (28/07/2025 11:38, Gaudium Press) Julho de 2025 entrou discretamente para os anais do pontificado de Leão XIV. Sem alarde nem comunicados solenes, o Vaticano concedeu uma dispensa à paróquia de Santa Margarida da Escócia, na Diocese de San Angelo, Texas, permitindo que continue celebrando a missa segundo o Missal Romano de 1962. A decisão, com validade de 2 anos, ainda que aparentemente pontual e periférica, ressoa com significado para aqueles que acompanham os primeiros passos do pontificado, que sucede os anos turbulentos de Francisco para os adeptos da celebração.

A notícia foi confirmada pela própria diocese e pelo bispo local, Dom Michael Sis, que destacou ter feito o pedido em “espírito de total abertura à vontade de Deus” e reafirmou sua confiança no discernimento do Santo Padre. O decreto de Roma chegou em 28 de maio, assinado pela mão do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, prolongando por dois anos a autorização para o uso do antigo rito. Não se trata de uma revogação das disposições do Traditionis Custodes, mas de uma suspensão controlada de seus efeitos em um caso específico. A exceção, que permanece solitária até o momento no pontificado de Leão XIV, adquire valor simbólico quando lida à luz do contexto eclesial atual e dos sinais silenciosos do novo Papa.

Andrea Gagliarducci, ao refletir sobre a relação entre Leão XIV e o mundo tradicionalista, observou que “a missa com o rito antigo é um tema ultrapassado, no sentido de que concerne a um grupo pequeno de fiéis e, no final das contas, não faz mal a ninguém.” Essa constatação, longe de minimizar a importância do rito tradicional, denuncia a desproporção das respostas administrativas que ele suscitou nos últimos anos. O gesto de Leão XIV indica uma possível mudança de postura: menos ideológica, mais pastoral; menos coercitiva, mais prudente.

Em tempos de guerras litúrgicas, a concessão silenciosa no Texas fala alto; revela um Papa atento a estas zonas periféricas e talvez disposto a dialogar sem necessariamente alterar as normas vigentes, mas orientando os bispos a não as reforçar com rigidez excessiva. Não se trata, portanto, de um retorno ao Summorum Pontificum, mas tampouco é a continuação intransigente da política restritiva herdada do pontificado anterior. É um passo lateral, prudente e carregado de significado.

Não é a primeira vez que Leão XIV lança mão de gestos simbólicos voltados ao mundo tradicionalista. Em junho, saudou os peregrinos da tradicional romaria Paris-Chartres, um ato que passou despercebido em muitos círculos, mas foi registrado com emoção por aqueles que, desde 2021, se sentem órfãos de compreensão. Como pontífice, Leão XIV ainda não delineou com clareza o modelo de governo que pretende adotar — e é precisamente por isso que decisões como a da Diocese de San Angelo servem como pequenas janelas para vislumbrar o espírito com que o novo Papa governa.

Gagliarducci aponta que “não se pode esperar um Papa ideologicamente alinhado com os grupos que vêm pautando o debate na Igreja há décadas.” De fato, Leão XIV tem se revelado um pastor de gestos sutis e escuta ampla, que se recusa a decidir apressadamente. Sua personalidade, segundo os observadores mais atentos, é menos a de um reformador entusiasta e mais a de um restaurador silencioso da harmonia eclesial; um tipo de virtude que escapa ao olhar impaciente da mídia, mas que pode fazer história a longo prazo.

O caso da paróquia Santa Margarida da Escócia, que abriga cerca de 200 famílias católicas, torna-se, assim, um microcosmo do estado atual da Igreja, com grande parte de seus fiéis formada por jovens casais e entusiastas litúrgicos, frequentando a missa em latim nas tardes de domingo e manhãs de quinta-feira. Nada que se assemelhe ao “fantasma cismático” evocado por certos setores nos debates acalorados que sucederam ao Traditionis Custodes.

Dom Sis, em sua nota, fez questão de reafirmar a fidelidade aos livros litúrgicos reformados pelo Concílio Vaticano II, porém sua decisão pastoral evidencia algo mais profundo: a consciência de que o caminho para a plena recepção da reforma litúrgica não passa pela exclusão, mas por um testemunho paciente, onde o velho e o novo possam dialogar sem medo.

É nessa linha que se poderá entender, a seu tempo, o modelo de governo que Leão XIV escolherá para seu pontificado. Para Gagliarducci, o Papa está “pesando suas decisões, buscando uma forma pessoal de governar e ouvindo o maior número possível de pessoas.” Em outras palavras, não há pressa, mas há escuta. E se é verdade que a missa tradicional não está no topo da agenda pontifícia, também é verdade que as decisões silenciosas dizem muito sobre as prioridades e os estilos de governo.

A dispensa concedida no Texas, portanto, não é apenas uma exceção pastoral. É um indicativo de que o novo Papa compreende a complexidade da situação e se recusa a aplicar soluções simplistas a problemas profundamente enraizados. Não se trata de agradar a um grupo, mas de evitar ferir o corpo eclesial com rupturas desnecessárias. Como escreve Gagliarducci, “o debate interno na Igreja chegou a uma espécie de encruzilhada.” É o caminho escolhido por Leão XIV — não apenas em relação à liturgia, mas ao conjunto da vida eclesial — que definirá seu legado.

Por Rafael Tavares – Gaudium Press

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