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Jônatas, verdade ou mito? Considerações sobre a esperança na amizade

Amigo bíblico, sua glória se projeta nas novas gerações incutindo-lhes fortaleza e esperança.

Redação (08/11/2025 07:02, Gaudium Press) Narram as Sagradas Escrituras t

Fotos: Wikipedia

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er Jônatas valorizado a amizade com Davi mais do que tornar-se rei, quando o previsível era que ele fosse um obstáculo à ascensão do filho de Jessé ao trono. Na vida do novo ungido, o imprevisível acontece: o “obstáculo” transformou-se em ponte. Jônatas foi um homem de alianças, promotor de harmonia, não de ódios egoístas, amigo decididamente incondicional. Com efeito, onde há um verdadeiro amigo, há razões para esperar sempre.

Discernimento e admiração

Segundo as Escrituras, derrotado o gigante filisteu, a alma do herdeiro (Jônatas) se atou[1] à do pastor (Davi) (cf. 1Sm 18,1).

Davi surge na história do povo eleito como versão amplificada do que Jônatas poderia ter sido. Aquele trazia o novo começo para a monarquia hebreia e, como tal, portava uma promessa. Ela não passou desapercebida a Jônatas, quem, avistando o filho de Jessé com um olhar de esperança, amou o valor mais alto latente no novo ungido e pactuou com ele (cf. 1Sm 18,1).

A questão de fundo

Saul não compreendeu seu filho. A inusitada aproximação do herdeiro ao pastor provocou suspeitas no rei e em outros. Dado que as máscaras e o disfarce são tão antigos quanto a velha ambição humana, provavelmente na casa do rei não faltou quem tergiversasse a motivação dessa amizade, presumindo haver interesses egoístas por detrás.

Também hoje se deturpa a figura de Jônatas, porque acreditar numa amizade desinteressada custa. Na raiz de tantas interpretações contraditórias a respeito dele jaz a dúvida – nem sempre explícita –, se um amigo como ele pôde ter sido verdadeiro. Ao nosso parecer, esbarra-se aqui na questão de fundo. E o significado atribuído ao seu nome dá-nos uma primeira resposta: “dom de Javé”.[2] Segundo são Jerônimo, Columbæ donum,[3] isto é, dom da pomba. Um amigo como Jônatas, portanto, é dom de Deus. Mesmo num mundo estigmatizado pela ambição, acreditar na amizade santa não é ilusão nem mito, se em Deus se crê.

O herói e a renúncia

Ler um livro sagrado com lentes mundanas é teimosia. Se percorrermos o primeiro livro de Samuel com óculos materialistas, as atitudes de Jônatas poderão causar perplexidade. A sabedoria da caridade, por exemplo, levou-o abraçar o segundo lugar, quando o trono esteve ao alcance de sua própria mão…

Terá obrado dessa maneira por algum tipo de vantagem egoísta ou por razões sentimentais?

A instituição da realeza em si mesma – cabe lembrá-lo – vale mais do que a condição de herdeiro do trono. Para que algum sucessor legítimo, a fim de salvaguardar os interesses de Deus e do povo, devesse renunciar à coroa, seria preciso ser um herói. Deus e o povo merecem a imolação das vantagens de um indivíduo e de seus sentimentos, e inclusive da família. Em síntese: existem valores mais altos, e Jônatas, no contexto do primeiro livro de Samuel, esteve à altura desses valores.

Ele, podendo ser o número um do reino, renunciou ao primeiro lugar. Numa disputa entre dois, escolher o segundo posto significa abraçar o último: “Tu serás o primeiro”, disse a Davi, “eu serei o segundo” (1Sm 23,17). Quem assim age, obra sem interesses egoístas.

Equívoco a rejeitar

Davi e JonatasA mitologia clássica admite comportamentos libertinos entre suas divindades; os deuses são regidos pela batuta do orgulho e da sensualidade. Dita mitologia ignora o sentido da renúncia, exclui o valor do domínio de si e a peculiar grandeza da abnegação. Não é na mitologia que se aprende o sentido da amizade bíblica. É preciso, portanto, estudar Jônatas de verdade, e nunca o interpretar com base nos costumes da mitologia pagã.[4]

Logo de início, deve-se afirmar que ele era monoteísta; qual admirável filho de Israel, conhecia o valor do sacrifício e da renúncia. Ser amigo dos amigos de Deus significava para ele mais do que ser o rei de Israel. Sempre fiel, a lealdade foi o projeto de vida que percorreu sem desviar-se. Assim, quando o sucesso e a realização pessoal não lhe eram alheios, Jônatas superou-se, ele cresceu para além do próprio apogeu terreno: a renúncia ao trono o engrandeceu, a amizade com Davi o eternizou. Poderá o mundo compreendê-lo algum dia?

Compreendendo-o ou não, a sociedade exige almas como a dele. Imaginar o gênero humano sem amizades é conceber um gênero inumano, disse o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.[5] De onde, o mundo sem amizades é um mundo sem esperança. Jônatas foi um sinal de esperança ao povo de Israel. Hoje, não deixa de ser um sinal para nós.

O amigo toma partido

A definição é outra forma de renúncia. A amizade pede definição. Na casa de Saul correntes opostas alojavam-se sob o mesmo teto. Pai e filho haviam cunhado no próprio coração uma convicção irreconciliável com a do outro. Um queria morto ao jovem pastor; o outro já o aclamava como rei!

Quem decidisse disfarçar-se de aparência de virtude para ocultar projetos de ambição não chegaria aos extremos que Jônatas atingiu, por exemplo, com Saul. Muito poucas são as fronteiras que o egoísmo humano não cruza, e Jônatas cruzou-as todas sem nunca se destrelar da justiça. Defendeu afanosamente a primazia de Davi, aquela mesma precedência que podia ter sido sua! Aqui a verdade bíblica excede o mais fantasioso dos mitos…

Pouco afeito a conciliações estéreis, dialogou com o pai, ouvi-o e argumentou-lhe com suavidade (cf.1Sm 19,4-6). Porém, os laços sanguíneos não foram obstáculo para a causa de Deus nem para o povo de Israel. Sem outra saída, enfrentou ao rei rebelde; a contenda foi acalorada, e o herdeiro levantou-se enfurecido (cf. 1Sm 20,27-34). A inveja e a amizade duelaram naquela ocasião nas pessoas de Saul e seu primogênito, os quais pareciam equivaler-se na renhida disputa. Mas o rei não foi tão longe no seu egoísmo quanto seu filho na fidelidade, e fracassou ao tentar persuadi-lo de romper com o novo ungido.

Jônatas, que renunciara ao primeiro lugar do reino, combateu na vanguarda da lealdade sem nunca recuar. A amizade havia prevalecido em detrimento do monarca ambicioso.

O amigo fictício não toma partido verdadeiro e, por isso, nunca chega aos confins da fidelidade. Mas, neste cume da amizade, encontramos Jônatas: amigo bíblico, sua glória se projeta nas novas gerações, incutindo nelas fortaleza e esperança.

Por Javier Sánchez Vásquez


 [1] Cf. Shökel, Luis Alonso. Diccionario bíblico hebreo-español. Madrid: Editorial Trotta, 1994, p. 677.

[2] Odelain, Olivier; Séguineau, R. Dictionnaire des noms propres de la Bible. Paris: CERF, 2008, p. 209: “Yah a donné”. Cf. Comentario Bíblico Mundo Hispano. 1 Samuel, 2 Samuel y 1 Crónicas. 2. ed. Texas: Editorial Mundo Hispano, 2003, v. 5, p. 130.

[3] Cf. Patrologia Latina 23,855.

[4] Cf. Harding, James E. David and Jonathan between Athens and Jerusalem. Relegere: Studies in Religion and Reception I, n. 1, 2011, p. 37-92.

[5] Cf. Corrêa de Oliveira, Plinio. A amizade. São Paulo, 17 dez. 1993. Palestra. (Arquivo pessoal).

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