Ganswein: Ratzinger combateu a ideia de ser Papa
O livro Nient’altro che la verità. La mia vita al fianco di Benedetto XVI (Nada além da verdade. Minha vida com Bento 16) continua circulando, sendo lido.
Redação (21/01/2023 09:30, Gaudium Press) O livro mais esperado no mundo católico é sem dúvida o de Mons. Georg Ganswein, Nada além da verdade – Minha vida ao lado de Bento XVI, que, por enquanto, só está disponível em italiano, sendo o livro mais vendido na Amazon.it na área das instituições cristãs. Por isso, ofereceremos aos leitores alguns excertos que não foram tão focalizados pela mídia, e sem a pretensão de que constituam um spoiler (revelação prejudicial) aos inúmeros potenciais leitores.
Por exemplo:
Mons. Ganswein insiste, e dá inúmeras provas, que a ideia de ser Papa nunca passou pela cabeça de Bento, e que até lutou contra essa possibilidade.
De fato, Bento quis, depois de algum tempo e repetidamente, renunciar ao cargo de destaque de Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, que ocupou por muitos anos.
Quando Mons. Ganswein se tornou secretário do Cardeal Ratzinger e, portanto, começou a trabalhar para ele nessa Congregação, em 2003 – dois anos antes de Bento se tornar Papa – Ratzinger o advertiu de que seu cargo seria provisório, porque ele estava pensando em renunciar. Naquela época, Ratzinger já era prefeito do dicastério há 21 anos e já havia completado 75 anos canônicos, razão pela qual apresentou sua renúncia a São João Paulo II. E o prefeito Ratzinger tinha certeza de que a carta de licença do Papa Wojtyla chegaria em breve, embora Mons. Ganswein assegure que ninguém ao seu redor realmente acreditava que isso aconteceria; mas o cardeal sim.
Ganswein até brincou com o futuro Bento XVI sobre isso, dizendo-lhe que eles deveriam rever a agilidade da correspondência do Vaticano. A verdade é que Bento sonhava com sua teologia, seus estudos, seus livros, e comentava em particular sobre a demora da resposta ao seu pedido de renúncia. Mons. Ganswein contou que, em 1997, Ratzinger elaborou um plano inocente para dar a conhecer a João Paulo II que seu desejo seria ocupar o cargo de Arquivista e Bibliotecário da Santa Igreja Romana. Mas ele, que já era prefeito do Dicastério para Doutrina da Fé desde 1981, carregaria aí sua cruz até 2005.
Mons. Ganswein conta que, em 2004, o vaticanista De Carli fez uma brincadeira inocente, dizendo que ele já havia participado de dois conclaves e que se preparasse para o terceiro, ao que Ratzinger respondeu: “Sim, ainda estou vivo”.
Monsenhor Ganswein diz que Bento não apenas não imaginou que algum dia seria Papa, mas também realizou o que ele chama de “uma campanha eleitoral inversa”.
Quando a saúde de Wojtyla piorou no início de 2005, Ratzinger “foi projetado para o primeiro plano” por seu papel proeminente em eventos públicos significativos: ele presidiu os funerais de Dom Luigi Giussani, fundador de Comunhão e Libertação, e seu amigo; João Paulo II pediu-lhe que escrevesse os textos que seriam lidos na Via-Sacra do Coliseu Romano, em 25 de março de 2005, textos que muitos sentiram como um raio-x perfeito da Igreja, e que também incluíam o que Ratzinger chamou a “sujeira” que não faltava na Barca de Pedro. Além disso, ele não era apenas o prefeito do principal dicastério, mas o Decano do Colégio Cardinalício.
Aproximava-se a morte de João Paulo II, cujo estado de saúde Ratzinger conhecia perfeitamente pela sua condição de Decano. Ele tinha o compromisso de receber o prêmio São Bento “pela promoção da vida e da família na Europa (o prêmio com o auspicioso nome de ‘Benedicto’…) em Subiaco, no dia 1º de abril, porém, não quis comparecer para acompanhar as últimas horas do papa polonês; mas acabou por seguir o conselho do Cardeal Secretário de Estado, Mons. Sodano, para não levantar suspeitas. O discurso que proferiu lá – sobre a situação do cristianismo e da religião em uma Europa laica, e sobre um choque de culturas que não era entre religiões, mas entre religião e o desejo de se emancipar dela – foi magistral.
No dia seguinte, morre João Paulo II, em 2 de abril, e o Cardeal Decano tem que cumprir seus deveres como tal: comunicar oficialmente a morte do Papa aos cardeais, convocando-os às Congregações Gerais do Colégio dos Cardeais antes do conclave, e convidar os Chefes de Estado das nações acreditadas junto à Santa Sé para o funeral do falecido Papa.
Depois, vem a magnífica homilia do Decano no funeral de João Paulo II, no dia 8 de abril, a do “Segue-me”, interrompida a todo o momento pelos aplausos dos presentes, uma proclamação que concluiu com um “sopro lírico”, incomum para Ratzinger, mas que correspondia à sua emoção de gratidão e a de todos os presentes em relação a Wojtyla. Todos comentaram a homilia de Ratzinger.
Nem os seus imaginavam
No entanto, confessa Mons. Ganswein, na Congregação para a Doutrina da Fé “não atribuímos a ele” possibilidades significativas para suceder João Paulo II, entre outras razões, porque, na votação, se presumia a hostilidade daqueles que “nunca apreciaram” a sua coerência e firmeza. Na verdade, Mons. Ganswein refere-se às comunicações da embaixada americana em Roma, divulgadas pelos Vatileaks, que informavam ao seu governo que o cardeal prefeito da fé não tinha chance de alcançar os dois terços dos votos necessários para ser papa, devido à oposição de facções que “o consideravam muito rígido.”
Na Congregação para a Doutrina da Fé nem sequer o viam como um “king maker”, porque ele relutava em participar desses consórcios curiais.
Ratzinger já fazia planos pós-conclave: ao Bispo de Chieti Vasto que lhe dera um livro e o convidara a visitar o Santuário da Sagrada Face em Manoppello, Ratzinger disse-lhe que claro que o faria depois do conclave. Ao completar 78 anos, em 16 de abril de 2005, Ratzinger disse aos colaboradores da Congregação para a Doutrina da Fé que estava ansioso pelo dia de sua aposentadoria.
Entretanto, chegou o dia do conclave, 18 de abril, e o Cardeal Decano, de acordo com a constituição do Universi Dominici Gregis, tinha o poder de escolher um eclesiástico para auxiliá-lo em seu ofício: o escolhido foi Ganswein, que pôde conviver naqueles dias com os cardeais eleitores na casa de Santa Marta, embora os colaboradores, mestres de cerimônias, confessores e médicos participassem das refeições em uma mesa separada da dos purpurados.
Na Missa pro eligendo Pontifice, cuja homilia também foi feita por Ratzinger para iniciar o conclave, ele expressou mais uma vez suas firmes convicções, com uma nota anti-relativismo, o que na opinião de Ganswein, teria o efeito de ratificar o propósito daqueles que não queriam Ratzinger como Papa e fariam com que um número significativo de seus confrades evitasse sua eleição.
Mas no final, o efeito parece ter sido o oposto.
Já na tarde do dia 19, Ganswein conta que o viu pensativo, “muito pensativo”, ao acompanhá-lo a pé até à Capela Sistina a seu pedido.
Pouco depois seria eleito Papa, na quarta sessão. Ganswein só conseguiu dizer, ao saudar o já Papa Bento, que “pode contar comigo na vida e na morte”, ao que Bento respondeu com um obrigado. (SCM)
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