Florescimento do eremitismo
Apavorados diante das perseguições, muitos cristãos fugiam para o deserto: principiavam então uma vida isolada, eremítica, contemplativa. Ao mesmo tempo em que floresciam os mártires.
Redação (01/12/2020, 14:02, Gaudium Press) No século III, enquanto a decadência do Império Romano se tornava assombrosa, a Santa Igreja ia progredindo de modo paulatino, mas eficaz.
Hierarquia, Liturgia, Direito
Os imperadores perseguiam terrivelmente os cristãos que, para se protegerem, refugiavam-se nas catacumbas.
Comenta Dr. Plinio Corrêa de Oliveira:
“Durante o período catacumbal a Igreja se viu perseguida, pisada, calcada aos pés, deitando sangue por todas as vertentes e por todos os poros. Quando Constantino a liberta [em 313], ela sai das catacumbas e passa a viver à luz do dia, apresentando desde logo uma organização perfeita e acabada. Possui uma hierarquia estruturada, um Direito próprio, uma Liturgia definida, um depósito estabelecido de doutrina, etc. […]
“Vê-se por esse fato a maravilha de serenidade e sapiência que foi a Igreja em relação ao perigo. Dir-se-ia que uma obra tão delicada quanto a de fazer germinar a estrutura eclesiástica de dentro de suas próprias sementes pediria, normalmente, uma situação de calma e tranquilidade invulgares, pois os homens atormentados com a perseguição não poderiam cogitar em outra coisa.
“Porém, o contrário é a verdade. Durante todo aquele período em que se achavam acuados, acossados, no risco de caírem de um momento para outro nas mãos do carrasco, tais homens continuavam a pensar, a rezar, e nas catacumbas, entre as invasões dos soldados romanos, aperfeiçoavam uma parte da Liturgia, estruturavam um ponto da doutrina, criavam um costume novo.
Construindo o edifício admirável da Igreja
“Havia, pois, essa calma e essa serenidade extraordinárias na perseguição, conjugando-se harmonicamente com a paz de alma da qual os cristãos davam provas na arena. Aquela sobranceria e tranquilidade diante da morte não se manifestavam apenas na hora patética em que eram postos na presença das feras e dos verdugos, mas constituía todo um estado de espírito sapiencial.
“Esta sabedoria os levava a se conservarem confiantes e plácidos ante os perigos que sentiam, cuja profundidade às vezes lhes fazia vibrar o instinto de conservação. Mas, apesar de tudo, fazia-os também construir, pedra por pedra, o edifício admirável da Igreja.”
Quanto à organização hierárquica da Igreja, nessa época já existiam os seguintes graus: Papa, bispos, sacerdotes, diáconos, subdiáconos, acólitos, leitores, exorcistas e ostiários. O ostiário era o encarregado de abrir e fechar as portas da catacumba ou da igreja.
Nessa época surgiu em Cartago, Norte da África, São Cipriano, pertencente a uma família da aristocracia romana bastante rica. Era pagão e, aos 36 anos de idade, possuindo grande fortuna pessoal, recebeu insigne graça, rompeu com o paganismo, foi batizado e logo depois se tornou sacerdote.
Tendo morrido o Bispo de Cartago, foi escolhido, em meio às aclamações do povo, para tomar posse desse importante cargo.
Por toda parte do Império os cristãos se multiplicavam. Dirigindo-se aos pagãos, Tertuliano (160-220) afirmou:
“Estamos hoje em tudo o que é vosso: nas cidades, nas ilhas, nas fortalezas, nos municípios, nos pequenos burgos e mesmo nos campos, nas tribos, nas decúrias, no Senado e no Foro. Só vos deixamos os vossos templos.”
O estado contemplativo se expandia
Continua Dr. Plinio:
Nesse tempo “teve início uma das realizações mais belas da Igreja, como aspecto positivo de sua organização: o eremitismo.
“Apavorados diante das crueldades e perseguições nos circos romanos, muitos cristãos fugiam para o deserto a fim de não serem presos pela polícia do imperador. Principiavam então uma vida isolada, a existência eremítica de contemplação. Desta sorte, o estado contemplativo começou a nascer dentro da Igreja ao mesmo tempo em que floresciam os mártires.”
Exemplo admirável de varão contemplativo foi São Paulo Eremita, que viveu no Egito. Sendo ainda muito jovem, fugiu da terrível perseguição desencadeada pelo Imperador Décio, refugiou-se numa gruta no deserto e aí viveu durante 90 anos. Foi o primeiro eremita cristão.
“Vê-se por aí quantas riquezas desabrochavam na Igreja e que panorama admirável de sua gesta naquele período nos é dado observar. Os mártires se multiplicavam, o apostolado crescia e a Esposa Mística de Cristo penetrava por toda parte. De outro lado, ela se enclausurava e o estado contemplativo se expandia. Tudo isso a uma vez como produto, expressão, fruto de uma germinação admirável!
Ação do Espírito Santo na Igreja ao longo dos séculos
“Poder-se-ia perguntar o que há por trás de todo esse espetacular desenvolvimento. E a resposta recairia sobre algo para o qual é preciso sempre chamar a atenção: a presença do Espírito Santo na Igreja Católica Apostólica Romana.
“O que constitui propriamente a Igreja não é apenas o fato de ela ser uma sociedade de pessoas definidas, isto é, o Papa, os bispos, os clérigos e os fiéis. Além desse elemento humano, há algo que se chama o espírito da Igreja.
“E este espírito é a continuidade, dentro dela, de uma determinada mentalidade, de uma sabedoria, da Fé e da virtude que existem na Igreja, não por obra do homem, mas devido a um fator sobre-humano. Trata-se dessa ação do Espírito Santo pela qual, através dos séculos, em todos os lugares os bons católicos se entendem, se conhecem, se apoiam. Eles são um só e, quando morrem, outros lhes sucedem com a mesma mentalidade, o mesmo espírito e até mais característicos que seus antecessores.”
Considerando a grave situação na qual se encontra a Igreja em nossos dias, roguemos ao Espírito Santo, através de Nossa Senhora, que Ele destrua os inimigos internos e externos da Esposa Mística de Cristo e santifique os verdadeiros católicos.
Por Paulo Francisco Martos
(in “Noções de História da Igreja” – 33)
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1- CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Maravilhas do espírito da Igreja – reflexões na festa de São Pio I. In Dr. Plinio, São Paulo. Ano VII, n. 76 (julho 2004), p. 20.
2- Cf. DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires. São Paulo: Quadrante. 1988, p. 320.
3- Cf. DICTIONNAIRE DE THÉOLOGIE CATHOLIQUE. Paris: Letouzey et ané. 1908, v. 3-II, col. 2459.
4- Apud DANIEL-ROPS, op. cit., p. 319.
5- CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Loc. cit., p. 21.
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