Fátima: expectativas e atualidade
As aparições de Fátima nos abrem os olhos para uma realidade séria e trágica: mostram as ofensas sofridas pelos Corações de Jesus e de Maria e as consequências catastróficas de tal situação para os homens.
Redação (13/05/2024 09:54, Gaudium Press) A conjuntura atual de tensão e de descontentamento reinante no orbe inteiro pode ser vista como efeito da impiedade e da corrupção moral, gerando, em consequência, os grandes “desafios do mundo: materialismo, relativismo, laicismo”. Estamos sofrendo um entrechoque de múltiplas desordens. Uma imensa opressão pesa sobre nós, e é inútil tentar disfarçar a gravidade da hora presente.
As aparições de Fátima nos abrem os olhos para uma realidade séria e trágica: mostram as ofensas sofridas pelos Corações de Jesus e de Maria e as consequências catastróficas de tal situação para os homens. Por causa disso, Fátima convida os fiéis a viverem num estado de espírito de seriedade e compenetração, diríamos até de compunção.
Aos pastorinhos, Nossa Senhora manifestou seu lucidíssimo profetismo, não só por prever acontecimentos futuros, senão, e principalmente, por mostrar ao mundo o único caminho para evitar a debacle. Em Fátima, Maria Santíssima põe o homem moderno diante de uma grande encruzilhada: a conversão ou a ruína da sociedade atual neopaganizada.
Erroneamente, contudo, muitos pensam que nos encontramos em uma espécie de beco sem saída. Isto não é verdade, pois Nossa Senhora nos aponta a solução. A alternativa por Ela apresentada não é escolher a guerra nem escolher a paz, mas o que a Virgem Santíssima quis dizer em Fátima é: “Escolham a virtude! Escolham a Fé! Creiam no que Eu disse, emendem seus costumes!”
Para irmos direto ao ponto, façamos uma análise do que há de mais alto na sociedade humana: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, instituição divina fundada pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo em sua missão terrena, e depositária de todos os tesouros celestes que os homens precisam para se salvar. Qual é a situação da Igreja em nossos dias? Não podemos deixar de sorrir para quem nos diga ingenuamente que é boa! A situação para a Igreja só é boa quando a cultura, as leis, as instituições e a vida doméstica são conformes à Lei de Deus. E isto não está se verificando na atualidade. Nada é mais notório.
Mensagem difundida, mas não posta em prática
Sem colocar aqui em discussão a ampla difusão da mensagem de Nossa Senhora nas aparições de Fátima, considerando a maior parte dos homens, infelizmente, não houve uma verdadeira correspondência aos pedidos d’Ela num ponto fundamental: não se pôs em prática a mudança de conduta, nem a emenda da vida e dos costumes. A humanidade não está disposta a bater no peito e a fazer um ato de humildade, admitindo seus erros e pecados.
Desta sorte, o estado de espírito que Nossa Senhora esperava incutir em todo o orbe católico, de seriedade e combatividade contra os pecados do século para a regeneração do mundo, caiu no esquecimento, por causa de uma superficialidade crônica, que fecha os espíritos a tudo quanto é sublime, elevado e nobre, como as profecias de Fátima.
Embora apregoada em tantas partes do globo, pode-se dizer que a mensagem transmitida aos pastorinhos é a esquecida por excelência. É o olvido de um fato conhecidíssimo, rutilante, admitido por todos e presenciado por milhares de testemunhas. Olvido que não é apenas uma distração sem culpa, senão a sonolência, a indiferença e a recusa de quem não quer abandonar o conforto pecaminoso que o mundo ateu de hoje oferece, para não ter que se entregar à prática das virtudes e dos Mandamentos.
Com isso, uma mudança da sociedade rumo à verdadeira conversão vai se tornando mais improvável. E à medida que caminhamos para o paroxismo da degradação moral, mais provável também é a efetivação dos castigos profetizados por Nossa Senhora.
Necessidade de afervorar-se na devoção ao Imaculado Coração de Maria
Entrados já mais de duas décadas no século XXI, como favorecer a conversão dos pecadores e apressar ao máximo a aurora bendita do Reino de Maria? Nossa Senhora no-lo indica: afervorarmo-nos na devoção ao seu Imaculado Coração, na oração e na penitência.
Insistiu a Virgem de Fátima, de maneira muitíssimo especial, na devoção ao seu Imaculado Coração. Referiu-Se a seu Coração, ao longo das aparições, mais de sete vezes. O valor teológico – aliás, já tão comprovado – da devoção ao Imaculado Coração de Maria encontra em Fátima uma preciosa e impressionante corroboração.
Quem deseja levar a sério as revelações de Fátima deve, por conseguinte, incrementar sua devoção ao Coração Puríssimo de Maria, e considerá-la como um progresso dos mais altos e sadios na vida de piedade.
Alguém, entretanto, poderia perguntar: de que vale apenas algumas poucas pessoas praticarem tal devoção? O mundo se converterá por causa disto? Poder-se-á evitar o castigo? A resposta está nas palavras de Nossa Senhora à Ir. Lúcia quando lhe mostrou seu Coração rodeado de espinhos: “Tu, ao menos, vê de Me consolar”. Nós devemos querer ser esses filhos consoladores de Maria Santíssima!
Voz capaz de despertar a mais alentadora confiança
Feitas essas reflexões, nosso espírito se detém na consideração das perspectivas finais da mensagem de Fátima. Para os católicos que esperam com ardor a intervenção de Deus em nossos tão difíceis e confusos dias, esta mensagem é condicional, pois traz consigo uma advertência materna, ao mesmo tempo que promete um prêmio, se for escutada e posta em prática pela humanidade. Assim, “para os que têm fé, do fundo deste horizonte sujamente confuso e torvo, uma voz, capaz de despertar a mais alentadora confiança, faz-se ouvir: ‘Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!’ Que confiança depositar nesta voz? A resposta, que Ela mesma nos dá, cabe numa só frase: ‘Sou do Céu’. Há, portanto, razões para esperar. Esperar o quê? A ajuda da Providência a qualquer trabalho executado com clarividência, rigor e método, para afastar do mundo as ameaças que, como outras tantas espadas de Dâmocles, estão suspensas sobre os homens”.
Por isso, para além da aflição e das punições tão prováveis, para as quais caminhamos, temos diante de nós os primeiros raios sacrais da aurora do Reino de Maria, que será, sem dúvida, a vitória do Coração maternal e régio da Virgem Santíssima. Trata-se de uma majestosa promessa portadora de paz, de entusiasmo e de luz!
São Luís Maria Grignion de Montfort alenta os fiéis na espera da vinda deste Reino de Maria. No Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, o Santo francês clama com o ardor e a profunda fé que o caracterizavam: “Ah! Quando virá este tempo feliz em que Maria será estabelecida Senhora e Soberana nos corações, para submetê-los plenamente ao império de seu grande e único Jesus? Quando chegará o dia em que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar?”
Não resta dúvida de que há nesta previsão futura, ainda longínqua para o próprio São Luís Grignion, uma estreita ligação com o triunfo do Imaculado Coração de Maria anunciado por Nossa Senhora em Fátima. Nestes tempos felizes, a Santíssima Virgem haverá de estabelecer o seu império nas almas, nas instituições, nas nações e em todo o orbe.
Eleitos de Nossa Senhora
Por estar o mundo moderno inundado de crimes e pecados, significando um período de provação para os autênticos católicos, pode ser que alguém se esqueça de que a Divina Providência, em seu desvelo pelos homens, suscitará na Igreja almas ardorosas e firmes na fé, às quais dará a conhecer de algum modo seus desígnios e delas Se utilizará para promover sua vitória.
Quais serão estes eleitos de Nossa Senhora? Segundo nossa análise, entendemos que se agruparão em notável minoria, proveniente de todos os ângulos da terra. Cada qual, segundo a sapiencial vontade de Maria Santíssima, será galardoado com graças admiráveis para superar árduas barreiras, e julgará por vezes ter fracassado por completo. Mas, se confiar até o fim, terá a alegria de contemplar com seus olhos o glorioso início da era marial que não tardará.
São Luís Grignion também os prevê em sua Oração Abrasada: “É uma congregação, uma assembleia, uma escolha, uma triagem de predestinados que deveis fazer no mundo e do mundo: Ego elegi vos de mundo (Jo 15, 19). É um rebanho de pacíficos cordeiros que deveis reunir entre tantos lobos; uma companhia de castas pombas e de águias reais entre tantos corvos; um enxame de laboriosas abelhas entre tantos zangões; uma manada de cervos ágeis entre tantas tartarugas; um batalhão de leões destemidos entre tantas lebres tímidas. Ah! Senhor: congrega nos de nationibus (Sl 105, 47). Congregai-nos, uni-nos, a fim de que se renda toda a glória ao vosso nome santo e poderoso”.
Estes podem ser comparados à água que, a um desejo de Nossa Senhora manifestado a seu Divino Filho, é mudada em vinho nas Bodas de Caná. São almas que, de si mesmas, não têm senão o valor da água. Contudo, havendo pousado sobre elas o olhar de Maria Santíssima, Nosso Senhor as transmutará num vinho precioso, com as melhores graças e favores que Ele deixou para esta era marial.
Um novo milagre de Caná
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira toma este episódio bíblico e faz uma interessante analogia a partir de alguns conhecidos pormenores do fato:
“Em primeiro lugar, uma crise: o vinho veio a faltar. Estabeleceu-se, assim, uma situação de apuro e angústia para o dono da casa. Eis que Nossa Senhora repara o sucedido, intervém e pede o auxílio de Nosso Senhor.
“O Divino Mestre, após uma aparente recusa, pois ainda não era chegada a sua hora, atende à súplica de Maria Santíssima e opera o estupendo milagre da conversão da água em vinho. Nossa Senhora, que tudo obtém, alcança de Nosso Senhor um milagre como que prematuro.
“A cena evangélica representa bem o momento atual por que passa a humanidade. Com efeito, não vivemos também nós uma situação de angústia? Não se pode dizer que o homem de hoje está como os convidados daquela festa? Falta-lhe o vinho generoso da virtude e da fé, por ele loucamente esbanjado, depredado e, por fim, recusado.
“E nesta situação de crise, Nossa Senhora diz ao seu Divino Filho: ‘Eles não têm vinho; eles não têm vosso Preciosíssimo Sangue; eles não têm as graças na superabundância desejada para se converterem e mudar de situação’. E Nosso Senhor a Ela responde, irado com os homens: ‘Que há de comum entre nós, de um lado, e eles de outro? Minha hora não chegou’.
“Entretanto, assim como, nas Bodas de Caná, Nossa Senhora disse com sua imaculada serenidade aos servos que fizessem tudo o que Nosso Senhor lhes ordenasse e Ele acabou mudando a água em vinho, transformou um líquido comum e trivial num vinho maravilhoso, a melhor bebida da festa, o mesmo se dará com o mundo contemporâneo, um mundo velho, gasto, roto, onde a podridão das nações pagãs se soma à corrupção das nações neopagãs. Porém, pelas onipotentes súplicas da Virgem Santíssima haverá uma transmutação, um grand retour, uma imensa volta das almas arrependidas para os valores eternos da Fé Católica. Então, a água se transformará em vinho excelente, o melhor da História, transformar-se-á no Reino de Maria”.
Certeza da vitória de Maria!
Todo o progresso humano, os acontecimentos históricos o comprovam, tem como base e fundamento a fidelidade das almas a Deus, Nosso Senhor, a estreita união com Ele, e desta decorre, por sua vez, a inteira e esplendorosa harmonia de relações dos homens entre si. Por esta razão, o reino que virá dará como fruto a paz que as grandes instituições jamais lograram alcançar, posto terem tirado a Deus do centro de suas cogitações. A paz! A paz verdadeira é a paz de Cristo no Reino de Cristo.
E não é sem motivo que pede São Luís Grignion de Montfort ao Senhor: “Ut adveniat regnum tuum, adveniat regnum Mariæ”. Pois Ela, enquanto Mãe do Rei, não pode ser senão Rainha, como se contempla na pena do Doutor Melífluo, ao cantar as honras de soberana que Ela recebeu ao subir aos Céus: “Haverá alguém capaz de imaginar a glória que envolve hoje a Rainha do mundo, o entusiasmo com que todas as legiões celestes saem a seu encontro, os cânticos com os quais A acompanham até seu trono glorioso? Com que semblante tão afável, com que olhar tão terno e com que abraços tão divinos seu Filho A recebe! É exaltada acima de toda criatura, com a honra digna de tal Mãe e a glória própria a tal Filho”.
É com jubilosa expectativa que se conclui este artigo, na certeza e na confiança da vitória d’Aquela que é incapaz de iludir, pois Ela prometeu: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”
Por Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Extraído, com pequenas adaptações, de: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará!” São Paulo: Lumen Sapientiæ, 2017, p.105-132.
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