Fábula ou realidade?
Disse certo autor que “a verdade engendra o ódio”. A perseguição religiosa no Brasil não tem como causa os mesmos motivos que levaram a sinagoga a condenar o Homem-Deus?
Redação (02/10/2020 11:34, Gaudium Press) Valendo-me do princípio de que em jornalismo a linha reta nem sempre é o caminho mais curto entre dois pontos, começo o artigo de hoje com uma fábula, passo em seguida pela teoria e, por fim, espero chegar – com o leitor, e do modo mais rápido possível – às conclusões.
Lições de um vaga-lume
Seguia seu rumo, de galho em galho, na floresta, um vaga-lume. O tempo passou; o dia caiu. Os pássaros recolheram-se em seus ninhos, os morcegos abandonaram suas cavernas e, neste momento em que o mundo dava as costas para o sol, o vaga-lume não duvidou: “É a hora de brilhar!”.
De repente, na calada da noite, enquanto ia de cá para lá sem temer as ameaças das trevas, o simpático lampirídeo vê projetada a sua luz em dois olhos frios e pequenos, mas atentos e nada amigáveis.
De súbito, um bote rápido e violento, mas sem sucesso. Assustado, o vaga-lume percebe que se trata de uma serpente. Ágil, a víbora prepara o segundo golpe e, depois do segundo, o terceiro. Nesse momento, o pirilampo já encurralado e ofegante pergunta sem se conformar: “por que me persegues?! Acaso faço parte de tua cadeia alimentar? Que motivo tens para acabar comigo?”. A serpente, como verdadeiro símbolo das ações sorrateiras e agente das trevas, apenas respondeu com descaro: “Eu odeio a tua luz!”.
Lições de Santo Agostinho
Há quem pergunte: por que a Igreja – apesar de ser a pregoeira da verdade – tem sido tão combatida ao longo de sua história? Sobretudo, por que são tão combatidos em nossos dias, os católicos verdadeiros, que não pactuam com os erros do século, e se mantêm fiéis ao ensinamento imutável do Evangelho?
A estas questões, responde luminosamente um dos maiores Doutores de todos os tempos, o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona, no livro das Confissões[1] quando comenta a famigerada palavra de Terêncio: “a verdade engendra o ódio”.
Assim, reproduzo abaixo, em linguagem ligeiramente adaptada, esta verdade tão antiga e tão nova.
O homem, diz ele, ama naturalmente a felicidade que, por sua vez, é nascida da verdade. Deste modo, é uma aberração que alguém veja um inimigo no homem que prega a verdade em nome de Deus, pois a natureza humana é tão propensa à verdade que, quando o homem ama algo de contrário à verdade, ele quer que este algo seja verdadeiro. Com isto, cai em erro, persuadindo-se de que é verdadeiro o que na realidade é falso.
Assim, cumpre que alguém lhe abra os olhos. Ora, como o homem não admite que se lhe mostre que se enganou, por isso mesmo, não tolera que se lhe demonstre qual o erro em que está.
E o Doutor de Hipona observa: por esta forma, certos homens odeiam a verdade, por amor daquilo que eles tomaram por verdadeiro! Da verdade eles amam a luz, não porém a censura… Eles amam quando ela se lhes mostra, eles a odeiam quando ela lhes faz ver o que eles são.
Por sua deslealdade, tais homens sofrem da verdade a seguinte punição: eles não querem ser desvendados por ela, e sem embargo ela os desvenda. E contudo ela, a verdade, continua velada aos olhos deles. “É assim, é assim, é precisamente assim que é feito o coração humano. Cego e preguiçoso, indigno e desonesto, ele se oculta, mas não admite que nada lhe seja ocultado. Assim lhe sucede que ele não consegue fugir dos olhos da verdade, mas a verdade foge dos olhos dele”. Com estas palavras, conclui Santo Agostinho o seu magistral comentário.
Lições da vida…
Nestes tempos em que cresce a perseguição religiosa no mundo, deveríamos perguntar: quem são os perseguidores? O que fazem eles com a sua consciência para poder atacar a verdade? Apenas duas podem ser as respostas: 1) ou não conhecem a verdade porque não querem abrir os olhos para vê-la, ou – 2) eles a veem mas odeiam sua luz, já que essa luz acusa e censura o erro que abraçaram.
Não pensemos que estas perseguições estão longe de nós. Pelo contrário, mesmo no Brasil esta perseguição vem aumentando e tomando ares ameaçadores. Os católicos que são fiéis ao ensinamento imutável da Igreja, tal como Nosso Senhor Jesus Cristo, são perseguidos simplesmente porque se mostram como Caminho, Verdade e Vida.
Por Cícero Leite
[1] AGOSTINHO DE HIPONA, Confissões, Livro X, Cap. XXIII.
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