Estatísticas, evangelização e liturgia
Existe uma certa correlação entre a prática religiosa, por um lado, e as dificuldades que os fiéis enfrentam no contexto social, por outro.
Redação (20/04/2023 16:29, Gaudium Press) As estatísticas nos aproximam de uma determinada realidade, embora nem sempre com uma precisão inquestionável. Quanto mais pontual e simples for o que você deseja perguntar – por exemplo, um censo populacional – mais confiável será o resultado da pesquisa. Mas se a consulta abordar questões muito gerais ou sutis, respostas imprecisas serão obtidas. As chamadas fake news, tão corriqueiras, quando não são mentiras descaradas, podem ser fruto de dados estatísticos falsificados.
Este breve exórdio nos introduz ao tema de hoje. Há um par de meses, a publicação online “InfoCatólica” noticiou porcentagens da prática da religião católica em alguns países, recolhidas pelo “World Values Survey” (WVS). Especificamente, as informações dadas eram sobre “a frequência semanal ou mais frequente à Missa entre adultos que se identificam como católicos”.
Qual é a nação onde os católicos frequentam semanalmente a Eucaristia em maior número (contando com uma possível margem de erro)? Trata-se da Nigéria, república africana na qual os católicos representam apenas 27% da população. Pois bem, dessa porcentagem, 94% participam da Missa todas as semanas. É um magnífico testemunho de um povo valente que foi duramente atingido por graves crises de vários tipos. Como se sabe, a Nigéria é um país em franco desenvolvimento e cheio de potencial.
Nos países ditos “desenvolvidos”, com raízes cristãs e com relativa estabilidade social como os da Europa Ocidental, os católicos gostam muito pouco da Missa semanal: na Áustria, 17% vão à Missa; na Suíça 11%, na Holanda 7%. Se o cumprimento do preceito dominical é tão baixo, quão inferior ainda será o número de adoradores eucarísticos! Tristes tempos são estes, nos quais as sociedades enfermas negligenciam o remédio sanador.
A Nigéria e outros lugares onde a assistência à Missa é considerável – como o Quênia, onde 73% dos católicos frequentam a Eucaristia, o Líbano com 69% , as Filipinas com 56% ou a Colômbia com 54%, etc., – são lugares privilegiados para promover o apostolado eucarístico através Catecismo, Adoração Perpétua e Noturna, Horas Santas, Quintas-Feiras Eucarísticas, Irmandades e Confrarias do Santíssimo Sacramento, etc., instituições que prosperaram até pouco tempo atrás. Hoje em dia algumas se foram, outros definham, enquanto existem as que florescem admiravelmente. É o caso, por exemplo, do culto em capelas ‘ad hoc’ instaladas em templos paroquiais.
Dificuldades na vida e prática religiosa
Existe uma certa correlação entre a prática religiosa, por um lado, e as dificuldades que os fiéis enfrentam no contexto social, por outro. Numa sociedade de consumo caprichosa, as pessoas tendem a negligenciar os compromissos batismais, deixando-se conquistar por uma mentalidade relativista. Já em lugares onde os católicos experimentam privações e obstáculos, a observância do dever religioso torna-se mais premente. Porque muitas vezes acontece que, atacados por um ambiente hostil, eles começam a desejar o sobrenatural e ocorre neles um florescimento da Fé.
A importância de uma liturgia bem conduzida
Aqui cabe outra consideração dolorosa. O descontentamento com a Missa dominical e com o culto eucarístico em geral deve-se muitas vezes ao descuido que prevalece em certas cerimônias litúrgicas devido à forma expedita e vulgar como são realizadas. Sim, infelizmente há lugares onde a transgressão das regras que deveriam reger as celebrações se torna chocante e o resultado é que os fiéis se afastam e alguns até passam a frequentar cultos de outras religiões.
Muito se fala em adaptar a evangelização às culturas originárias dos povos, questão sempre delicada pelas derivações que podem se prestar. Nesse sentido, conheci por dentro uma experiência malsucedida no oriente equatoriano que apostava em “amazonizar” o cristianismo, entre outras coisas, idealizando os costumes dos indígenas. Estes deveriam nos instruir mais sobre seus valores atávicos do que acolher a Boa Nova do Evangelho; um verdadeiro absurdo. A assistência semanal à Missa ali era insignificante e o sacerdote era como “mais um”, negligenciando os seus deveres ministeriais.
Por outro lado, apóstolos bem-sucedidos do Evangelho foram os jesuítas nos séculos XVII e XVIII junto com os índios guaranis os quais souberam transmitir a Fé e a Cultura Cristã. Mas não se pode dizer propriamente que esses missionários “garantiram” o Evangelho; apresentaram-no com as adaptações pastorais necessárias, sem desvirtuá-lo. As crônicas descrevem como cativantes as Missas, procissões de Corpus Christi e outras cerimônias religiosas, acompanhadas por instrumentos musicais e coreografias, eram cativantes, muito concorridas e impregnadas de solenidade, piedade e alegria.
Desconheço como sejam as celebrações eucarísticas na Nigéria. O que é certo é que os católicos desse país têm sede de Deus… como tantos outros no mundo. Trata-se de saciar essa sede servindo-se de uma sã e respeitosa criatividade que em nada destoe com a Revelação, a Tradição e o Magistério, três tesouros inalienáveis e fecundos!
E na Europa, berço de um cristianismo esplêndido, não se deveria ter em conta também o respeito pelas raízes originais? Não é esse o sentido da “Nova Evangelização” popularizada por São João Paulo II? Bento XVI, diante da multidão de batizados que não vivem a Fé, criou o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização. Hoje, esse Conselho não existe mais, foi absorvido, junto com a Congregação para a Evangelização dos Povos, pelo Departamento para a Evangelização criado por Francisco.
Seja como for, a solicitude da Igreja pelos seus filhos distantes será sempre primordial, como ilustra a figura do bom pastor que vai em busca da ovelha perdida, deixando temporariamente as outras noventa e nove.
“A liturgia é o exercício do sacerdócio de Cristo”, ensina o Concílio Vaticano II. E os fiéis têm o direito de experimentar, através dela, a beleza do mistério cristão que tem seu ápice no Santíssimo Sacramento do Altar.
Por Padre Rafael Ibarguren EP – Conselheiro de Honra da Federação Mundial das Obras Eucarísticas da Igreja.
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho.
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