Estamos diante de um Pontificado extraordinário por ser ordinário? Parece que sim
Um pontificado verdadeiramente ordinário, no sentido técnico e teológico do termo, pode ser o remédio que a Igreja precisa após anos de turbulência institucional.
Foto: Vatican news/ Vatican Media
Redação (29/06/2025 08:09, Gaudium Press) Desde a eleição do Papa Leão XIV, muitos observadores da cena eclesial têm se perguntado: afinal, o que esperar deste novo pontificado? O jornalista americano Phil Lawler abordou essa questão de forma direta em um recente artigo publicado no portal Catholic Culture: “Will this be an ordinary pontificate?” — “Será este um pontificado ordinário?”. Essa indagação, longe de expressar desdém, aponta justamente para o que pode se tornar a mais notável virtude desta nova etapa da Igreja: a normalidade.
Para Lawler, após anos repletos de surpresas, gestos disruptivos e pronunciamentos de forte teor político, a escolha de um pontífice discreto, sóbrio e enraizado na tradição parece, paradoxalmente, quase revolucionária. O novo Papa — oriundo da cúria, mas sem espírito curialista; tradicional, mas sem nostalgia; cordial, mas sem ambiguidade — vem delineando um perfil que devolve à Sé de Pedro uma aura de estabilidade, ponderação e confiança doutrinária.
Os pontificados anteriores a Leão XIV já haviam rompido com qualquer ideia de “normalidade”. João Paulo II irrompeu na cena do Vaticano como um fenômeno cultural e espiritual, irradiando seu magnetismo pessoal, talento teatral, vigor físico, linguístico e intelectual — um verdadeiro “homem renascentista” de batina branca. Já Bento XVI, seu amigo e sucessor, era o oposto em temperamento, mas igualmente extraordinário. Reservado, desejoso de uma aposentadoria acadêmica, o Papa alemão destacou-se por ser, talvez, o maior teólogo a sentar-se no trono de Pedro nos últimos séculos. A multidão que antes aclamava um carismático passou a escutar, com silêncio reverente, as catequeses límpidas de um mestre da fé. Como bem assinala Lawler, seria ingênuo esperar que outro papa reunisse dons tão singulares novamente. E talvez seja nesse contexto, justamente, que começa a grandeza discreta de Leão XIV.
Lawler observa que a escolha de não se destacar pode, ironicamente, realçar ainda mais este pontificado. O novo Papa não quer reinventar a roda, seu objetivo é fazê-la girar com suavidade. E, de fato, esse estilo começa a impactar: os setores progressistas demonstram impaciência, enquanto muitos católicos comuns — inclusive os que estavam desorientados — encontram alívio na previsibilidade.
Ainda não há sinais de reformas estruturais ou grandes reviravoltas no governo, mas há algo mais profundo em curso: o retorno a uma liturgia reverente, a escuta da tradição como guia e o resgate da linguagem clara na doutrina. Em vez de gestos simbólicos em aeroportos, vemos agora homilias ricas, porém breves, e decisões cuidadosamente ponderadas. Observa-se o ressurgimento do “ministério do pastor”, em contraste com a figura midiática do “personagem global”.
Na cúria romana, as primeiras movimentações indicam uma mudança de clima. Não há caça às bruxas, tampouco rupturas teatrais, mas o tom já é outro: exige-se precisão doutrinal, seriedade litúrgica e fidelidade ao múnus petrino. O Papa governa com discrição, mas com firmeza. Se anteriormente o critério era o “diálogo com o mundo”, agora há uma reorientação para o “diálogo com Deus”, sem abandonar a missão evangelizadora.
Não há personalismo, mas há personalidade. Não há espetáculo, mas há presença. E esse paradoxo tem causado inquietação entre aqueles que se acostumaram à lógica dos holofotes. Lawler vê nisso uma virtude: um pontificado verdadeiramente ordinário, no sentido técnico e teológico do termo, pode ser o remédio que a Igreja precisa após anos de turbulência institucional.
As visitas ad limina têm ocorrido com regularidade, os consistórios voltam a ser reservados e liturgicamente densos, e os pronunciamentos — ainda que escassos — primam por clareza e fidelidade ao Magistério perene. O Papa não fala de improviso: estuda, reza e então se pronuncia. Uma mudança de ritmo que começa a redefinir expectativas e a restaurar a confiança na figura do Sumo Pontífice.
Há, é verdade, quem reclame da ausência de “novidades”. Mas é preciso lembrar que o extraordinário, na História da Salvação, não está no ruído, e sim no fato de que o Verbo se fez carne no silêncio modesto de uma residência em Nazaré. O próprio Lawler conclui seu artigo com um prudente otimismo: se este pontificado continuar nesse ritmo sereno, poderá ser um dos mais fecundos das últimas décadas — justamente por não buscar esse título.
Enfim, parece que estamos diante de um pontificado cuja extraordinária característica reside precisamente na manutenção de um tom sereno, juridicamente ordenado e sóbrio — após um longo período de papas que, cada qual à sua maneira, foram pontos fora da curva.
Por Rafael Tavares | Gaudium Press
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