Entre temor e temor, qual é o equilíbrio?
Elias presencia catástrofes que antecipam a brisa da presença divina. Forte tempestade agita a barca de temerosos Apóstolos. A salvação está perto dos que temem, mas Jesus ordena aos seus que não temam. Há uma contradição na liturgia deste XIX Domingo do Tempo Comum?
Redação (06/08/2020 10:15, Gaudium Press) Quando os primeiros raios da aurora despontam no horizonte, tal é a claridade do astro-rei que as pequenas cintilações que cobrem o firmamento noturno se ocultam. Ao cair da tarde, porém, lá estão novamente as pequenas estrelas a pontilhar o negro manto celeste, como que a nos transmitir importante lição.
A beleza, o fulgor e o calor do sol não substituem a calma de uma noite estrelada. E uma noite, por mais agradável que seja, clama pela vinda da luz para que dissipe as trevas.
Assim age Deus na Criação. Sendo um ser infinito, faz-se refletir em suas criaturas por meio de contrastes harmônicos e, assim, transmite-nos preciosos ensinamentos.
Ventos, Terremotos, fogo… e por quê não a leve brisa logo de início?
Naqueles dias, ao chegar ao Horeb, o monte de Deus, o profeta Elias entrou numa gruta, onde passou a noite. (…) Antes do Senhor, porém, veio um vento impetuoso e forte (…). Mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento houve um terremoto (…). Passado o terremoto, veio um fogo. Mas o Senhor não estava no fogo. E, depois do Fogo, ouviu-se o murmúrio de uma leve brisa. (1Rs 19, 9. 11-12)
O Senhor Deus poderia muito bem ter se manifestado imediatamente no murmúrio da leve brisa, dispensando a terrível manifestação de seu poder. Mas não o fez.
O Senhor está na calma e não, na agitação. Por meio destas manifestações da natureza, nos mostra como possui absoluto poder sobre a Criação. Esse foi seu “cartão de visitas” a Elias. De fato, quem não temeria pecar depois deste grandioso espetáculo?
Portanto, nesta passagem da Escritura podemos recolher valioso ensinamento: Deus é onipotente e nós somos contingentes; não podemos trajar presunçosa temeridade com falsas vestes de confiança em sua misericórdia. Devemos, isto sim, temê-lo.
Salvação para os que o temem
Canta o salmo deste XIX Domingo do Tempo Comum:
Quero ouvir o que o Senhor irá falar: é a paz que ele vai anunciar. Está perto a salvação dos que o temem. (Sl 84, 1)
Ao mesmo tempo em que, pela pluma do Profeta, o Espírito Santo anuncia a paz, também não deixa de sublinhar a importância do santo Temor de Deus: “está perto a salvação dos que o temem”.
Lemos em outra passagem da Escritura: “Temer a Deus é o princípio do saber”. Trata-se do “Temor de Deus”, dom do Espírito Santo que inclina a vontade ao respeito filial de Deus, nos afasta do pecado que Lhe desagrada e nos faz esperarmos em seu poderoso auxílio.[1]
Coragem! Sou Eu. Não tenhais medo!
Depois da multiplicação dos pães, Jesus mandou que os discípulos entrassem na barca e seguissem, à sua frente, para o outro lado do mar (…). A barca, porém, já longe da terra, era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário. Pelas Três horas da manhã, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar. Quando os discípulos o avistaram andando sobre o mar, ficaram apavorados e disseram: “É um fantasma”. E gritaram de medo. Jesus porém, logo lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14, 22. 24-27)
Nosso Senhor aqui nos fala contra outro tipo de temor.
Os discípulos não reconheceram seu Mestre em meio à tempestade, mas julgaram-no um fantasma e se apavoraram.
Muitas vezes Nosso Redentor deseja vir até nós para acalmar nossas “tempestades” interiores e exteriores, entretanto, não raras vezes atemorizamo-nos diante de sua presença por um temor eivado de má tristeza, perturbação e desespero da salvação.
Para este caso a resposta não é outra senão: “Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!”
Deus é nosso maior aliado no caminho rumo ao Céu, e, por isso, Santa Teresinha afirmava não temer seu juízo particular, pois sabia que seria julgada por seu “melhor amigo”. Não devemos nunca temer a Deus desequilibradamente, de forma a nos afastarmos d’Ele. Estejamos certos de que “ventos contrários” só se acalmarão quando Ele subir na pequena embarcação de nossas almas. (Cf. Mt 14, 32)
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Entre tempestades e brisas, Deus nos conduz ao equilíbrio nas relações com Ele: a temê-lo e a amá-lo santamente como nosso Criador e zeloso Pai.
Por Afonso Costa
[1] ROSCHINI, Gabriel M. Instruções Marianas, p. 177-190.
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