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Egito: governo confisca mosteiro milenar no Monte Sinai

Após 15 séculos, um dos mosteiros cristãos mais antigos e significativos do mundo, o Mosteiro Ortodoxo de Santa Catarina no Monte Sinai, deixa de ter autonomia administrativa e passa a ser propriedade do governo egípcio, conforme decisão do tribunal regional.

Foto: Wikipedia

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Redação (05/06/2025 08:38, Gaudium Press) O Mosteiro Ortodoxo de Santa Catarina foi estabelecido aproximadamente em 330 d.C, por iniciativa da Imperatriz de Roma, Helena. A edificação consistia apenas em uma modesta capela, que se acredita ter sido o local da sarça ardente onde Deus falou com profeta Moisés.

No século 6, sob a governo do imperador Justiniano, foi erguida uma nova edificação no local, formando uma espécie de fortaleza em torno da capela anteriormente erguida.  O imperador também construiu um mosteiro e uma basílica no local, destinados à comunidade monástica, que gozava de ampla autonomia dentro do Patriarcado Greco-Ortodoxo de Jerusalém.

  O Mosteiro, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial, atrai anualmente milhares de visitantes de diversas regiões do mundo, sejam peregrinos ou meros turistas que desejam conhecer de perto este local tão significativo para a história e a fé cristã.

O mosteiro abriga uma biblioteca repleta de relíquias, manuscritos e livros sagrados de épocas passadas, além de possuir a Igreja da Transfiguração (local onde estão os restos mortais de Santa Catarina), a Capela da Sarça Ardente, a Sacristia Sagrada, o Museu do Mosteiro e o Poço de Moisés.

Confisco do Mosteiro

De acordo com uma decisão controversa proferida pelo Tribunal de Ismailia no dia 28 de maio, os bens do Mosteiro (inclusive as relíquias) foram efetivamente confiscados e transferidos para o Estado egípcio. Os 20 monges que fazem parte da comunidade, que administravam o Mosteiro e gozavam de ampla autonomia dentro do Patriarcado Greco-Ortodoxo de Jerusalém agora enfrentam restrições de acesso a algumas áreas, sendo autorizados a permanecer no Mosteiro apenas para atividades litúrgicas e sob condições impostas pelo Estado.

O site orthodoxia.info descreveu a aplicação da decisão como “uma das mais graves violações das liberdades religiosas e individuais dos últimos séculos”, perpetrada em um período conturbado para o Oriente Médio.

Tradicionalmente considerado um vakuf — um lugar sagrado respeitado pelo Islã —, o mosteiro sempre contou com a proteção de comunidades beduínas e do próprio governo egípcio, mesmo em períodos de instabilidade política.

Entretanto, nos últimos anos, o local tem sido alvo de ações judiciais promovidas por diversas entidades do governo egípcio.

Analistas sugerem que essa ofensiva é impulsionada por setores radicais do chamado “Estado profundo”, especialmente desde a época do governo controlado pela Irmandade Muçulmana, e apontam a dificuldade do presidente Abdel Fattah al-Sisi em lidar com essas pressões.

Embora autoridades como o arqueólogo Abdel Rahim Rihan tenham defendido a decisão judicial como uma medida destinada a “valorizar o patrimônio em benefício do mundo e dos próprios monges”, a comunidade religiosa denuncia uma “expulsão de fato” e uma ameaça direta à sobrevivência do mosteiro como centro espiritual.

O impacto da sentença já se espalhou além das fronteiras do Egito. A Grécia reagiu com firmeza, considerando a decisão um ataque a um símbolo do helenismo e da ortodoxia. O arcebispo greco-ortodoxo de Atenas, Ieronymos, expressou sua indignação: “Não quero e não posso acreditar que hoje o helenismo e a ortodoxia estejam enfrentando outra ‘conquista’ histórica. Este farol espiritual agora se depara com uma questão de sobrevivência.”

Tanto o governo grego quanto o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla manifestaram seu profundo descontentamento com a decisão, que consideram inaceitável e preocupante para o futuro desse importante enclave religioso.

O ministro grego das Relações Exteriores, George Gerapetritis, entrou em contato imediatamente com seu homólogo egípcio para comunicar a posição oficial da Grécia. “Não há espaço para desvio do entendimento mútuo entre as duas partes, conforme expressado pelos líderes dos dois países durante o recente Conselho de Alta Cooperação realizado em Atenas”, destacou o ministro, referindo-se aos compromissos bilaterais relacionados ao respeito pelo patrimônio cultural e religioso.

O patriarca ecumênico Bartolomeu I, a principal autoridade espiritual da Igreja ortodoxa, expressou sua preocupação em relação ao que considera um ataque ao histórico regime de proteção do mosteiro. “O Patriarcado Ecumênico recebeu com dolorosa surpresa a notícia de que o tribunal competente do Egito questionou o regime de propriedade do histórico Santo Mosteiro do Sinai”, lamentou em um comunicado.

A comunidade monástica anunciou o início de uma campanha internacional de conscientização e informação voltada para igrejas, comunidades religiosas e organismos internacionais, com o objetivo de reverter essa decisão. O contexto geopolítico agrava ainda mais a situação: o Egito enfrenta uma crise regional decorrente do conflito na Palestina e da presença de grupos jihadistas na península do Sinai, alguns dos quais já ameaçaram diretamente o mosteiro no passado.

Com esse confisco, não apenas se rompe uma tradição de autonomia monástica de milênios, mas também se reabre uma ferida diplomática e eclesiástica de grande magnitude.

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