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Dom Damasceno pede renúncia do comissariado dos Arautos do Evangelho. E agora?

O dicastério seguirá uma eclesiologia baseada no Concílio Vaticano II, segundo a qual os carismas hão de ser “recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja”? (Lumen Gentium, 12) Ou seguirá a lógica dos regimes autocráticos (como retratava Orwell).

Foto: Vatican News

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Redação (20/11/2025 21:28, Gaudium Press) Informações confirmaram que Dom Raymundo Damasceno Assis pediu renúncia ao cargo de comissário dos Arautos do Evangelho e das Sociedades de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e Regina Virginum, cargo que lhe foi confiado em 2019 pelo Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.

Devido à sua elevada idade (88 anos) e a infindável dilação do DIVCSVA (já 8 anos de intervenção), é presumível que Sua Santidade, o Papa Leão XIV, aceite a renúncia. Nesta quinta-feira, 20 de novembro, o Santo Padre comentou aos bispos italianos que é oportuno que os bispos se retirem aos 75 anos e aprendam a se despedir. Dom Damasceno quis agora sumariamente se despedir do morrediço comissariado em que se encontrava. Não havia mais o que fazer. Já a Visita Apostólica havia entrevistado todos os membros e ele, como comissário, havia proposto diversas vezes encerrar toda a intervenção do dicastério vaticano.

O comissariado liderado pelo cardeal teve uma longa história, como se narra no livro O comissariado dos Arautos do Evangelho: crônica dos fatos 2017-2025, punidos sem diálogo, sem provas, sem defesa, lançado há algumas semanas. A obra está dando o que falar. E também o que não falar…, mas há silêncios que falam.

A obra esclarece tão-somente fatos. Apontam-se inúmeros prejuízos institucionais, entre os quais, o mais grave é certamente a asfixia vocacional, impedindo entrada de novos membros e bloqueio das ordenações diaconais e sacerdotais interposto por Dom Braz de Aviz. Há também o prejuízo financeiro, moral e espiritual de toda sorte.

É sabido que a direção da Visita Apostólica, iniciada em 2017, estimulou os desafetos dos Arautos a abrir processos civis contra a instituição. Pois bem, tais litigâncias vieram às torrentes, de modo articulado e arquitetado para difamar a instituição, como demonstram as diversas provas apresentadas no livro. Todos os mais de 30 processos civis contra os Arautos emergiram favoráveis à instituição, de acordo com o próprio relatório preparado pelo comissariado com a finalidade de o encerrar.

Os corredores do DIVCSVA permaneciam pouco transitáveis pelo Comissário nomeado pela própria congregação. Conforme comenta o livro O comissariado dos Arautos do Evangelho, o próprio comissário foi, na prática, comissariado. E os Arautos? Nem suas cartas são respondidas…

Se já o referido livro lançava muitas interrogativas sobre o que sucederá com os Arautos do Evangelho, a renúncia de Dom Damasceno não é uma resposta, mas sim uma nova caixa de Pandora.

Antes de tudo, a grande dúvida que paira é a seguinte: Dom Damasceno renunciou ou “foi renunciado”?

A primeira hipótese é plausível se pensarmos que o Cardeal Arcebispo emérito de Aparecida já tinha efetuado todas as tentativas de colocar fim ao comissariado e, não conseguindo seu intento, partiu para uma medida extrema.

A segunda hipótese também é verossímil, porque talvez não interessasse mais à congregação que o comissariado continuasse em banho-maria. Assim como no período da Visita Apostólica (2017-2018), o presente comissariado não encontrou nada de grave que desabonasse os Arautos. Iniciar-se-ia agora um novo vagalhão de intervenções com reiterados atropelos da lei?

Certo é que o Papa Leão XIV já está ciente do processo kafkiano dos Arautos do Evangelho, para usar a expressão de Andrea Gagliarducci (ver artigo: Il caso degli Araldi del Vangelo). Ora, uma vez aceita a renúncia, como tudo indica, do cargo de comissariado, como se dará o andamento processual? Continuaremos a ler novos capítulos de Kafka? Ou dar-se-á um basta nesta novela interminável? O problema de se continuar a ficção do autor tcheco é que ele termina muito mal: o réu é executado sem descobrir sobre a razão de sua condenação… será este o próprio intento do dicastério?

Outra hipótese que se aventa é a seguinte: Os Arautos já provaram a sua inocência em todos os tribunais, civis e canônicos. Serão levantadas novas acusações para ensejar nova intervenção? Retornarão ao realejo de sempre? Cícero já conhecia este procedimento: Alios vidi ventos alias prospexi animo procellas — “Eu já vi outros ventos, já afrontei com o mesmo ânimo outras procelas” (In L. Calpurnium Pisonem Oratio, n. IX).

Se nada se provou pelos fatos, entrarão agora para o plano das ideias? Já se ouviu em certos corredores eclesiásticos mais ideologizados que o problema dos Arautos é a “mentalidade”. Se é assim, passaremos a outra obra de ficção, a saber, o 1984 de George Orwell, onde se imaginava uma “polícia de pensamento”?

Nesta esteira, permanece ademais a questão de fundo: O dicastério seguirá uma eclesiologia baseada no Concílio Vaticano II, segundo a qual os carismas hão de ser “recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja”? (Lumen Gentium, 12) Ou seguirá a lógica dos regimes autocráticos (como retratava Orwell) e irão para o tudo ou nada?

Em recente entrevista, Ir. Simona Brambilla, atual prefeita do DIVCSVA comentou que o seu dicastério tem “uma grande atividade de escuta”.[1] Sendo assim, escutará também boa parcela da opinião pública que pede justiça para o “caso dos Arautos do Evangelho” ou só ouvirá os cânticos das sereias dos detratores?

Se não encontrou nada até agora, vamos passar para uma nova fase de acusações como na fábula de Esopo do Lobo e do Cordeiro, em que este é acusado de toda sorte de crimes – até aqueles que são impossíveis –, para chegar a ponto de o lobo atacar violentamente o indefeso cordeiro?

Não sabemos qual vai ser enredo que o dicastério pretenderá aplicar:  Kafka, Orwell, Sereias de Homero, a fábula de Esopo ou outras ainda que possam estar na mesa…

De qualquer maneira, o Papa Leão XIV terá uma grande chance de corrigir os rumos desta triste história que prejudica não só aos Arautos, mas a toda Igreja: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele” (1Cor 12, 26).

Até o momento, a narrativa da intervenção nos Arautos tem superado a ficção. Doravante, o Santo Padre terá a inaudita oportunidade de transformá-la em parte da História da Igreja Católica no que ela tem de mais belo, isto é, na heroicidade das grandes decisões que podem mudar o curso dos acontecimentos. E isso não se edifica com ainda maiores narrativas, mas se constrói confirmando seus irmãos (Lc 22, 32), como o fez Pedro, de quem Leão XIV sucede na caridade e na verdade.

Por Luis Fernando Ribeiro


 [1] https://www.fatima.pt/pt/news/mocambique-dilatou-me-o-coracao-e-a-mente

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