Deus sempre quer nos dar mais do que pedimos
Nossos pedidos costumam estar aquém daquilo que Deus deseja nos conceder.
Redação (20/10/2024 11:09, Gaudium Press) Num primeiro golpe de olhar, podemos ser levados a imaginar que a demanda feita pelos “filhos do trovão” era fruto de uma ousada ambição. Mas ao analisar com vagar o desenrolar da cena, fica claro que o desejo de Nosso Senhor não é de reprimir o pedido, mas direcioná-lo a ambições muito mais ousadas das que almejavam os dois apóstolos.
Um cheque em branco
Naquele tempo, Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e Lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir” (Mc 10,35).
O texto grego apresenta uma peculiaridade a respeito do verbo usado pelos dois irmãos. Com efeito, quando dizem “queremos que…” em grego se lê “θέλομεν ἵνα…” (thélomen ina) que pode ser traduzido pela forma condicional “quereríamos que…”, ou “gostaríamos que…”, o que nos leva a pensar que os dois irmãos não tinham o objetivo de apresentar diretamente o seu desejo sem antes tentar comprometer a Nosso Senhor com uma espécie de assinatura em branco.[1]
Jesus, então, lhes pergunta o que eles querem. “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiverdes na tua glória”, respondem.
Realmente eles eram chamados a ladear o Filho do Homem em sua glória. O pedido não é descabido como se poderia objetar. Era o que a vocação deles lhes indicava no fundo de suas almas, era o desígnio de Deus a seu respeito.
Ademais, Nosso Senhor lhes havia prometido que, no dia da renovação do mundo, quando Ele próprio estiver sentado em seu trono de glória, cada um dos doze apóstolos sentar-se-iam em um trono de onde julgariam as doze tribos de Israel.[2]
Não é errado desejar um posto elevado
Em sua obra magistral O inédito sobre os Evangelhos, O Revmo. Mons. João Clá Dias explica que desejar um cargo superior não constitui uma falta.
“Julgam alguns estar Nosso Senhor, neste versículo, condenando todo e qualquer desejo de proeminência; no entanto, não há em sua resposta base para tal interpretação. Ele dá a entender que os dois irmãos estão pedindo pouca coisa.
A natureza humana deles está ávida de glórias mundanas, passageiras, enquanto o Mestre os quer convidar para as celestes, eternas. Por isso, não nega o pedido, cuja verdadeira dimensão eles ignoram.
Não sabiam o que pediam, porque se equivocavam quanto ao gênero de honra desejado. Isto mostra que é legítimo aspirar a uma proporcionada grandeza terrena — desde que seja ela útil para a santificação de quem pede e dos outros —, pois, ensina São Tomás que, no tocante aos bens temporais, ‘o Senhor não proibiu a solicitude necessária, mas a solicitude desordenada’”.[3]
A cruz é o caminho da glória
Sem embargo, a solicitude desordenada pelos bens temporais amiúde abala as mentes e os corações.
Há um perigo a ser evitado custe o que custar, o de buscar-se a si mesmo e não a Deus. Esse perigo atinge a todos, ricos e pobres, grandes e pequenos. Alguém pode ser grande e usar de seus privilégios para glorificar a Deus e fazer o bem ao próximo, como o inverso também é possível, de modo que o equilíbrio está na finalidade almejada.
Por outro lado, as grandes honras da nobreza só se conferem aos que deram autênticas provas de devotamento a seu soberano.
Nosso Senhor está em plena luta rumo ao calvário. Se alguém deseja mais a recompensa, do que fazer a vontade do Mestre, revela-se um vil mercenário e não verdadeiro discípulo.
Por isso, o profeta Isaías, na primeira leitura, apresenta a imagem do Servo sofredor: desprezível, chagado, cujo aspecto repugnava o olhar, prenúncio dos terríveis tormentos da paixão.
Nosso Senhor pergunta, então, aos irmãos: “Podeis beber o cálice que vou beber?”. Significava assim o caminho doloroso que estava reservado a Ele a aos que desejavam e desejam estar unidos a Ele na glória.
Respondem os irmãos: “Podemos”. De fato, os filhos de Zebedeu degustarão a amargura do cálice do sofrimento, seja no derramamento do sangue ou atravessando incólume sofrimentos mortais, de modo a tornarem-se dignos, pelos méritos do Salvador, de estarem juntos com Ele em sua segunda vinda.
Doação de um dom superior
Mas, afinal, o que Nosso Senhor deseja dar a seus discípulos que lhes excede tanto a ambição? Um dom espiritual, superior a qualquer distinção política ou social. A graça da perfeição cristã que consiste em ser reflexo d’Ele, que será tanto mais límpido e luzidio quanto maior for a renúncia de si mesmo, a generosidade em tomar a cruz destinada a cada dia e o seguimento de cada um de seus passos.
Que a Virgem das virgens obtenha de seu Divino Filho a graça de estarmos inteiramente unidos a Ela para que a os nossos desejos sejam os mesmos que os d’Ela, e, portanto, os mesmos de Nosso Senhor.
Por Rodrigo Siqueira
[1] Cf. Cf. FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible: Évangle selon S. Marc. Paris: P. Lethielleux, 1893, p.154.
[2] Mt 19,28.
[3] CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 4, p. 442-443.
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