Deus fala aos homens também por meio de imagens
Serão as imagens apenas um acréscimo à mensagem transmitida pelo Criador através dos textos sagrados? Ou são elementos indispensáveis para Ele fazer-Se mais conhecido pelos homens?
Redação (21/09/2020 18:34, Gaudium Press) À primeira vista pareceria que o texto escrito — da Sagrada Escritura e da Tradição — seria de si suficiente para nos dar esse conhecimento. Entretanto, analisando o procedimento de Deus ao longo da História, vê-se que, no tocante ao gênero humano, faz-se necessária a linguagem das imagens. E o livro da Sabedoria nos diz: “A grandeza e a beleza das criaturas fazem, por comparação, chegar ao conhecimento do seu Autor” (Sb 13, 5).
No Jardim do Éden
Deus criou Adão e Eva na imortalidade, e na posse do dom de integridade, concedendo a Adão a ciência infusa. E deu-lhes por morada o Paraíso Terrestre. Por quê? A respeito do Éden não se conhecem muitos elementos. Porém, ninguém duvida de que as criaturas lá existentes — minerais, vegetais e animais — continham reflexos mais intensos de Deus do que as contidas no restante do universo criado.
Desse modo, Adão, em sua perfeição de natureza, bem como sua inseparável companheira Eva tinham a possibilidade de serem verdadeiros contemplativos em meio às maravilhas ali postas pelo Criador. Com toda facilidade podiam elevar a mente até Deus a partir de uma visão imediata da pulcritude de todos aqueles seres.
Se Adão e Eva não tivessem pecado, o contato deles, como também de todos os seus descendentes, com a esfera sobrenatural seria comum e corrente no Paraíso. Através de quê? Das imagens. “Ninguém se cansa de contemplar a glória de Deus”, diz o Eclesiástico (42, 25).
Todavia — com tristeza para nós, ou, como considera a liturgia da vigília do Domingo da Ressurreição: “Ó feliz culpa, que nos mereceu tão grande Redentor!” — nossos primeiros pais pecaram, e sua primeira reação foi tentar ocultar-se ao olhar do Criador, como se isso fosse possível, bem como fugir das belezas do Paraíso, porque elas refletiam a perfeição de Deus. Por isso, ao aparecer na brisa da tarde, o Senhor perguntou em alta voz: “Adão, onde estás?”, como se Ele não soubesse… Muito pelo contrário, Adão se encontrava dentro do próprio Deus. Santa Teresa de Jesus afirmou que sentia seus cabelos se arrepiarem ao pensar que quando nós pecamos, pecamos de dentro de Deus.
Adão já tinha perdido a ciência infusa, e não se dava conta de que de Deus jamais se pode fugir. Este, porém, na sua infinita bondade, lhe perguntou onde se encontrava naquele momento, para estimular sua consciência a reconhecer o grave mal que tinha praticado.
Tendo pecado, ambos já não podiam mais permanecer no Paraíso porque não aguentariam contemplar os reflexos de Deus tão extraordinários que lá existem: essas imagens estariam como que os convidando a uma postura de espírito que exigiria deles um esforço fora do comum.
Patriarcas, imagens de Deus para os rudes homens de seu tempo
Nossos primeiros pais foram, então, degredados do Paraíso para esta terra de exílio. Assim, a humanidade segue seu curso, já não mais em meio às grandezas do Jardim do Éden, mas no barro que deu origem a nosso primeiro pai.
Como passou a se comunicar Deus com os homens? Em primeiro lugar, através de aparições, vozes interiores, inspirações, etc. Mas tudo isso era insuficiente, e por isso Ele enviou os Patriarcas, homens de virtude excelsa e personalidade robusta, de Fé inquebrantável como Abraão, de pertinácia infatigável como Isaac.
Juízes e Reis
Após os Patriarcas, Deus foi representado pela linhagem espiritual dos doze Juízes, o derradeiro dos quais, Samuel, teve o desgosto de ouvir do povo eleito esta exigência: “Dá-nos um rei que nos governe, como o têm todas as nações” (1 Sm 8, 5). Cometeram com isso uma infidelidade, mas Deus, compreendendo que necessitavam de uma imagem mais à altura deles, lhes mandou os Reis.
Entre eles eleva-se a figura extraordinária de Davi, que deu origem à Estirpe Real por excelência, a qual culminou no Rei dos Reis, intitulado Filho de Davi.
Os profetas, esses homens de fogo
Contudo, mais ainda do que pelos Patriarcas, Juízes e Reis, Deus manifestou-se aos homens através dos Profetas, homens de fogo que incentivavam o povo no tempo da fidelidade, invectivavam e ameaçavam nas épocas de apostasia, e orientavam nos períodos de intranquilidade.
Figura quiçá mais fulgurante foi Elias, o qual se consumia de zelo pelo Senhor Deus dos Exércitos (1 Rs 19, 10), que se levantou como um fogo e cujas palavras queimavam como uma tocha ardente (Eclo 48, 1). Tendo sido arrebatado ao Céu porque ardia de zelo pela Lei (1 Mac 2, 58), será mandado de volta à terra “antes que venha o grande e temível dia do Senhor” (Ml 3, 23).
O Verbo Encarnado, imagem perfeita do Pai
No entanto, Patriarcas, Juízes, Reis e Profetas não passavam de imagens imperfeitas que preparavam a grande manifestação de Deus aos homens: a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Por intermédio d’Ele reatou-se aquele paradisíaco convívio de Deus com os homens. De fato, Ele veio trazendo revelações extraordinárias, jamais imaginadas até então em toda a História humana. Os próprios Anjos talvez se debruçassem nos “parapeitos” do Céu para ouvir as revelações feitas por Jesus aos homens.
Compreende-se que, após três anos de intenso convívio com Deus feito homem, os corações dos Apóstolos estivessem tomados por um ardente e místico desejo de conhecer a Primeira Pessoa da Santíssima Trindade. Filipe foi o porta-voz desse anseio: “Senhor, mostra-nos o Pai”. A resposta de Jesus não poderia ser mais simples e mais real: “Filipe! Aquele que Me viu, viu também o Pai” (Jo 14, 8-9).
Ou seja, se o Verbo não se tivesse encarnado, nem Filipe nem qualquer outro homem, por mais santo que fosse, poderia ter nesta terra uma imagem perfeita de Deus. Pois para tal não nos bastariam as Escrituras Sagradas nem as figuras imperfeitas dos Patriarcas, Juízes, Reis e Profetas.
Jesus fez infinitamente mais do que escrever
Jesus percorreu as cidades e aldeias pregando a Boa Nova, andou sobre as águas, transformou água em vinho, multiplicou pães e peixes, curou leprosos, restituiu a voz aos mudos, fez os surdos ouvirem, ressuscitou mortos… Entretanto, não escreveu sequer um bilhete, menos ainda um rolo de revelações.
Não Lhe custaria multiplicar as cópias das Escrituras já existentes. Poderia também mandar os Discípulos escreverem de imediato suas doutrinas em rolos de papiro e multiplicá-los — superando mesmo, se assim desejasse, a produção de todas as impressoras fabricadas desde Gutenberg até nossos dias — para serem distribuídos às multidões.
Entretanto, Ele nada escreveu, nem multiplicou qualquer pergaminho, mesmo dos que leu tantas vezes nas sinagogas. Também não deixou instrução alguma quanto à redação ou utilização de textos relativos à sua vida.
Que fez Ele? Infinitamente mais do que tudo isso: na Última Ceia, instituiu a Sagrada Eucaristia, pala qual permanece conosco com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Ademais, deixou-nos uma imagem viva de Si mesmo: a Igreja Católica, na qual sua fisionomia divina se reflete como num espelho.
Ao longo da História, afirma São Roberto Belarmino, sempre existiram e continuarão a existir almas confirmadas em graça, imagens de Deus, para manter visível a santidade da Igreja.
Por fim, como o homem precisa valer-se dos sentidos para ter uma ideia mais próxima de quem é Deus, colocou Ele à nossa disposição esse meio poderoso de melhor o conhecermos e servirmos, que se chama Arte, nas suas ricas e variadas manifestações: Escultura, Pintura, Música, Teatro, Arquitetura, etc.
Podemos sintetizar esse reflexões com as palavras de Bento XVI pronunciadas no ato de apresentação do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica: “Com a sua beleza, as imagens sacras são também anúncio evangélico e exprimem o esplendor da verdade católica, mostrando a suprema harmonia entre o bom e o belo, entre a via veritatis e a via pulchritudinis. […] Hoje, mais do que nunca, na civilização da imagem, a imagem sacra pode expressar muito mais que as palavras”.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias,EP
Texto extraído, com adaptações, da revista Arautos do Evangelho n.44 agosto 2005.
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