Desconcerto entre Ir. Simona Brambilla e Cardeal Damasceno? Ilustração de um Comissariado
Os últimos fatos ocorridos entre a Prefeita do Dicastério dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, Ir. Simona Brambilla, e o Cardeal Raymundo Damasceno Assis parecem ilustrar o percurso de um Comissariado: confuso, precipitado e marcado por erros.
Redação (25/11/2025 15:43, Gaudium Press) A Rev.da Ir. Simone Brambilla, primeira mulher à frente de um Dicastério do Vaticano, herdou a tarefa de gerir os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, e os milhares de seus membros.
Sua postura vem consolidando, entretanto, um modo de agir restritivo e pouco afeito à escuta, bastante afim com o do anterior prefeito, o Cardeal João Braz de Aviz, e que não deixa de levantar suspeições.
Fatos ligados ao Comissariado dos Arautos do Evangelho – já amplamente divulgados pela impressa católica – têm evidenciado tal modus operandi pautado pela falta de transparência e irregularidades canônicas.
Nessa esteira, o recente pedido de renúncia de D. Raymundo Damasceno como Comissário Pontifício dos Arautos do Evangelho, dirigido à Ir. Simona Brambilla,[1] parece ter trazido à tona a insatisfação do purpurado brasileiro para com o Dicastério Romano, evidenciando um ponto de inflexão sem precedentes em todo este “affaire”.
Efetivamente, depois de um exaustivo trabalho de acompanhamento do Cardeal Damasceno, sintetizado em um relatório de cerca de sessenta páginas e com farta documentação anexa,[2] e que visava enclausurar o Comissariado, a atitude do Dicastério foi intrigante: Ir. Simona Brambilla sequer quis receber o Eminentíssimo Cardeal em Roma e delegou que uma secretária o fizesse.
Mas, para além dessa atitude esquiva, causou maior perplexidade o fato de a Prefeita, dias atrás, haver postergado o pedido de renúncia do próprio D. Damasceno, gerando grande desconcerto.
Ora, o desarranjo entre a Ir. Simona e o Cardeal Damasceno revela não apenas uma desarmonia de pontos de vistas – em que se pretende jogar mais ou menos baseado pelo Direito Canônico ou principalmente segundo uma concepção ideológica –, mas, acima de tudo, aponta uma situação de desarmonia nos estamentos vaticanos.
Com efeito, movidos às vezes por certa ingenuidade, somos levados a crer que as atividades naqueles dicastérios, ainda, correm de modo organizado e bem estruturado como foi outrora; entretanto, os fatos parecem demonstrar bem o contrário.
Cito um minúsculo exemplo.
O referido comunicado de não aceitação da renúncia de D. Damasceno, assinado pela prefeita do Dicastério, a Rev.da Ir. Simone Brambilla, e a secretária, a Rev.da Ir. Tiziana Merletti, esteve pautado por erros primários de datilografia e idioma: a palavra commisario (em italiano) escreve-se com dois “m”; pontificio não leva acento, nesse mesmo idioma (poder-se-ia pensar que se tratasse da língua portuguesa, mas, mesmo assim, faltaria acento em “comissário”), e, ademais, segretario vem grafado como em espanhol, e não como em italiano…
No entanto, erro ainda pior, de caráter material, é o fato de a Associação Privada de Fiéis Arautos do Evangelho haver sido contemplada como Associação Pública. Em outras palavras, uma imperícia canônica incontestável.[3]
De repente, a inesperada atitude do purpurado brasileiro tenha tomado a muitos de surpresa, inclusive ao próprio Dicastério, que estava decidido a prolongar indefinidamente a situação de “ponto morto” em que se encontravam as coisas, ocasionando assim uma resposta prematura e redigida às pressas.
Seja como for, e, presumivelmente, sem o pretender, postergando “por alguns meses” a petição de renúncia de D. Damasceno, Ir. Brambilla oferta ao cardeal a possibilidade de, ao fim de uma longa carreira eclesiástica, ele fazer prevalecer em todo este caso a virtude que deveria caracterizar todos quantos nele estão inseridos, e que é a justiça.
Porém, depois de “entornado o caldo”, estará a Ir. Brambilla disposta a, agora, ouvir o que lhe tem a dizer o Comissário Pontifício que acompanhou a Instituição ao longo desses últimos seis anos?
Fato é que o fechamento ao diálogo por parte do Dicastério chefiado pela Ir. Simona tem recrudescido dia a dia para com os Arautos e até mesmo para com o próprio D. Raymundo Damasceno, visto que já não se obtém nenhum gênero de resposta, seja qual for a natureza do assunto, nem mesmo para debater o relatório de conclusão do Comissariado, fornecido há mais de seis meses pelo próprio Comissário. Onde está aquela “escuta ativíssima” como sinal para a vida consagrada?[4]
Tais atitudes, ao fim e ao cabo, acabam por ilustrar o quanto este Comissariado foi (e continua sendo) precipitado no vazio.
Mas importa, nesse imbróglio todo, confiar nas tão acertadas palavras proferidas pelo Santo Padre Leão XIV em sua recente catequese: “A paz que Jesus traz é como um fogo e exige muito de nós! Pede-nos, acima de tudo, que assumamos uma posição. Perante as injustiças, as desigualdades, onde a dignidade humana é espezinhada, onde os frágeis são privados da palavra: assumir uma posição. Esperar é assumir uma posição! Esperar é compreender no coração e mostrar nos acontecimentos que a realidade não deve continuar como antes. Também este é o fogo bom do Evangelho!”[5]
Que posição tomará os que, até o momento, se têm mostrado surdos a escutar? Darão ouvidos, ao menos, aos ensinamentos de Leão XIV?
Tendo padecido longos anos de descomedimentos que já beiram as raias da litigância de má-fé, as verdadeiras vítimas de todo este caso deixam claro que “não se deve continuar como antes”, porque, do contrário, o sistema forjado para fazer abafar e calar os membros sãos da Igreja acabaria, por fim, prejudicando a ela própria.
E prejudicar a Igreja seria, em última análise, faltar com a justiça.
Por Thiago Corrêa
[1] Conforme prevê o Código de Direito Canônico, (cf. cân. 187): “Qualquer um, cônscio de si, pode renunciar a um ofício eclesiástico por justa causa”.
[2] Conforme a nota de imprensa divulgada pelos Arautos do Evangelho: “O documento presta contas a respeito de todos os pontos levantados ao longo da intervenção, seja no tocante ao setor financeiro, com pareceres de Mons. Nereudo Freire Henrique – à época Ecônomo da CNBB –, seja ao jurídico, com pareceres do Dr. Hugo José Sarubbi Cysneiros – assessor jurídico do Comissariado, que exerce o mesmo cargo também junto à CNBB e à Nunciatura Apostólica do Brasil –, seja, finalmente aos outros assuntos concernentes ao Comissariado, como o pedido de ordenação dos diáconos, entre outros”. (cf. https://www.arautos.org/arautos/o-porque-do-livro-sobre-o-comissariado-dos-arautos-silencio-prolongado-duvidas-inevitaveis)
[3] Apesar de se tratar aqui de uma mera correspondência, e não um Decreto, tal erro canônico já havia sido cometido pelo mesmo Dicastério em decretos anteriores do Comissariado, resultando na invalidez de seu teor. Este importante pormenor pode ser verificado no livro “O Comissariado dos Arautos do Evangelho” (págs.133-138).
[4] https://www.agensir.it/chiesa/2025/11/04/meno-numeri-piu-cuore-suor-simona-brambilla-rilancia-la-profezia-della-vita-consacrata/
[5] Leão XIV. Catequese. Praça de São Pedro, 22 de nov. de 2025. https://www.vatican.va/content/leo-xiv/pt/audiences/2025/documents/20251122-udienza-giubilare.html. (Cursivas pessoais).





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