Desaparecimento do blog Messa in Latino levanta debate sobre liberdade de expressão religiosa na internet
O Google ainda não ofereceu uma explicação pública mais detalhada sobre a remoção. O que para a fé católica constitui uma afirmação moral pode soar como discriminação para o algoritmo e mecanismos automáticos de verificação.
Redação (22/07/2025 10:04, Gaudium Press) Até a manhã do sábado (19), os milhares de leitores do blog italiano Messa in Latino, ao acessarem o site, continuavam decepcionados pela mensagem direta e seca: “Desculpe, o blog no endereço lamessainlatino.blogspot.com foi removido”. Criado em 2007, o blog nasceu na esteira do motu proprio Summorum Pontificum de Bento XVI — que permitiu o uso da liturgia tradicional — e, desde então, tornou-se uma das vozes mais consistentes da blogosfera católica, dedicada à defesa da Missa Tridentina e ao debate teológico-pastoral à luz da Tradição da Igreja.
A notícia do seu súbito desaparecimento rapidamente ultrapassou os limites do ambiente tradicionalista, ganhando destaque nas páginas da imprensa italiana e internacional. Segundo o jornalista Nico Spuntoni, do jornal Il Giornale, a remoção do blog da plataforma Blogger (propriedade do Google) ocorreu sem aviso prévio específico, tendo por base a suposta violação das diretrizes da comunidade digital, mais precisamente a política contra “discurso de ódio”.
Em comunicado divulgado após o ocorrido, Luisi Casalini, um dos responsáveis pelo Messa in Latino, revelou os detalhes da notificação recebida: “De acordo com o breve e-mail que recebi esta manhã — que anexo — a equipe editorial do blog Messainlatino, que existe desde 2007, com mais de 1.020.000 visitas somente no mês passado e mais de 22.000 postagens, foi informada de que o blog foi removido da plataforma Blogger (de propriedade do Google) por supostamente violar sua política contra o ‘discurso de ódio’, seja lá o que isso seja possa significar. Nenhum outro motivo foi fornecido.”
Segundo Casalini, o motivo mais provável para a exclusão pode estar ligado à remoção temporária, ocorrida nas últimas semanas, de alguns artigos considerados sensíveis por parte do sistema da plataforma. Esses textos, que posteriormente foram restaurados após recurso, abordavam temas como: uma entrevista com o bispo americano Joseph Strickland em que ele se posicionava contra a admissão de mulheres ao diaconato; um estudo histórico do professor Corrado Gnerre sobre a condenação da maçonaria pela Igreja; uma referência à doutrina católica sobre as paradas do orgulho gay (Pride); e ainda um vídeo publicado há mais de uma década com uma fala do fundador do Caminho Neocatecumenal, Kiko Argüello.
“Nós respondemos com o aviso legal em anexo, apontando também a clara violação do direito constitucional à liberdade de expressão”, afirmou Casalini. “É evidente que, se começarmos assim, ninguém se sentirá seguro para expressar seus pensamentos, mesmo que estejam alinhados com a doutrina oficial da religião mais difundida do mundo.”
O desaparecimento de Messa in Latino gerou ampla reação entre os meios católicos, sobretudo entre leitores e estudiosos ligados à tradição litúrgica. Fundado com o intuito de apoiar a difusão da liturgia segundo o usus antiquior, o blog também se tornou, ao longo dos anos, uma plataforma de comentários sobre a vida da Igreja, publicando análises, traduções de documentos e reflexões críticas — algumas delas incisivas — sobre decisões canônicas e magisteriais, especialmente durante o pontificado do Papa Francisco.
Com o tempo, o blog tornou-se referência também para a imprensa internacional, que frequentemente acompanhava suas publicações para obter pistas sobre decisões futuras da Santa Sé, movimentações na Cúria Romana e reações do mundo tradicionalista às reformas pós-conciliares. Até sua retirada do ar, MiL somava mais de um milhão de visualizações mensais.
Para muitos observadores, o caso levanta questões importantes sobre os limites da liberdade de expressão religiosa nas plataformas digitais, sobretudo quando estas operam com base em algoritmos automatizados e diretrizes pouco transparentes. Como observou Nico Spuntoni em Il Giornale, o episódio “coloca em xeque o espaço que ainda resta para a crítica interna na Igreja — especialmente quando ela é feita por leigos em canais não oficiais, mas profundamente eclesiais”.
A preocupação dos responsáveis pelo blog, entretanto, não é apenas institucional. Há um temor real de que, se a exclusão não for revertida, um amplo patrimônio documental seja perdido para sempre. Embora parte do conteúdo tenha sido salva por colaboradores, a forma organizada e pública como o material era disponibilizado desapareceu da noite para o dia, sem espaço para defesa prévia.
O blog já havia enfrentado restrições pontuais em anos anteriores, especialmente após a publicação do motu proprio Traditionis Custodes (2021), que limitou a celebração da Missa segundo o rito romano tradicional. Desde então, tornou-se um espaço de resistência e também de escuta para fiéis que buscavam compreender como se situar diante das novas orientações litúrgicas. Com a eleição do Papa Leão XIV, o clima no blog tornou-se mais esperançoso, e os editores vinham adotando um tom mais cauteloso, à espera de sinais da nova direção da Igreja.
Nas redes sociais, leitores de diversas partes do mundo expressaram solidariedade e perplexidade. Mensagens de apoio foram enviadas por padres, teólogos, jornalistas e fiéis comuns, muitos dos quais não necessariamente alinhados à linha editorial do blog, mas conscientes da importância do pluralismo católico e da fidelidade à Tradição em tempos de rápidas transformações.
O Google, por sua vez, ainda não ofereceu uma explicação pública mais detalhada sobre a remoção. O fato de que nenhum conteúdo específico foi apontado na notificação original deixa aberta a hipótese de que a exclusão tenha sido motivada por denúncias em massa ou por mecanismos automáticos de verificação, que nem sempre conseguem distinguir discurso doutrinal legítimo de retórica ofensiva. O que para a fé católica constitui uma afirmação moral pode, para o algoritmo, soar como discriminação.
Enquanto isso, os administradores do Messa in Latino aguardam uma resposta oficial à notificação extrajudicial enviada ao Google, e estudam alternativas técnicas e jurídicas para reestabelecer o acesso ao conteúdo perdido. Cogita-se, inclusive, o relançamento do blog em outra plataforma, com servidores próprios, para garantir maior autonomia editorial e segurança contra futuras sanções.
Se é verdade que a internet abriu novos espaços de evangelização e formação, também é certo que os mesmos espaços estão sujeitos a lógicas ideológicas nem sempre compatíveis com a linguagem eclesial que busca a unidade na pluralidade.
Resta saber se o desaparecimento de um blog poderá servir de catalisador para uma reflexão mais ampla sobre os direitos digitais das comunidades de fé. Afinal, como diz um antigo adágio romano, verba volant, scripta manent — as palavras voam, mas os escritos permanecem. A não ser, é claro, que alguma big tech aperte o botão de deletar.
Por Rafael Tavares – Agência Gaudium Press
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