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Das sombras do cisma à luz da verdade: São John Henry Newman

Estudos provam que, após a conversão do Cardeal Newman, centenas de eclesiásticos anglicanos se converteram ao Catolicismo por seu edificante exemplo. A Igreja lembra sua memória hoje, dia 9 de outubro.

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Redação (09/10/2023 10:50, Gaudium Press) Poucos homens representaram de modo tão exemplar toda a conjuntura histórica e religiosa de uma nação quanto John Henry Newman, sacerdote anglicano que, como exemplo para numerosos ingleses que, desde o séc. XIX abjuram do Anglicanismo e abraçam a Igreja verdadeira, veio a tornar-se Príncipe da Santa Igreja Católica

John Henry nasceu em Londres, em meados de 1801, de família abastada e aristocrata. Dado o caráter e qualidades do jovem, sua família preferiu que seguisse a carreira das letras na famosa Universidade de Oxford, onde se destacou sempre como o melhor estudante.

Entretanto, quando deveria realizar os exames finais do curso universitário, escolheu as provas de maior dificuldade, opção comumente escolhida por alunos excepcionais. Ao contrário do que se esperava, John não alcançou a pontuação necessária, sendo reprovado nos exames finais. Apesar de que realizasse o concurso quase três anos antes da idade prevista — o que desculpa sua pretensa falta de capacidade — a reprovação ecoou profundamente na jovem alma de Newman: “por que dedicar-se a algo meramente terreno apenas para ser bem visto?”

No coração do Anglicanismo

Deu-se então um forte estalo na consciência de Newman, algo análogo a uma conversão, prenunciativa, sem dúvida, daquela que experimentaria posteriormente: era o chamado a algo mais elevado do que a vida comum dos outros homens; era o sacerdócio — apesar de anglicano — no qual imolam-se os interesses pessoais em prol do rebanho de Cristo. Com a meta sobrenatural em vista, Newman pôde terminar brilhantemente seus estudos — agora na idade prevista… — e receber a ordenação.

Graças às suas grandes qualidades naturais, aliadas a um espírito generoso e dedicado, sua atuação pastoral superou de longe antigos e expertos eclesiásticos da Inglaterra; de fato, há tempos que o Anglicanismo experimentava acentuado declínio. Ainda não conhecendo as verdadeiras sendas da religião, John Newman julgou seu dever opor-se a tal situação. E esta foi, talvez até de maneira menos explícita, a gênese do Movimento de Oxford,[1] que ao menos manteve a igreja da Inglaterra unida às suas bases cristãs comuns ao Catolicismo Romano.

“Venda seus bens e depois Me siga”

729px Photo of John Henry NewmanPorém, enquanto os fiéis ingleses orbitavam em torno da figura espiritual de Newman, algo parecia distar o já experiente sacerdote das práticas e ideias por ele até agora defendidas: era o chamado de Roma!

Ele, que até agora não negara uma só vez o que Deus lhe pedira em seu interior, parecia contrariado e hesitante; sempre aprendera ser o Catolicismo Romano uma deturpação da verdadeira religião, uma aplicação exagerada de regras e preceitos que tolhiam ao homem a liberdade ensinada por Cristo.

Era gritante, porém, a evidente infecundidade da religião inglesa em contraposição à exuberância e fertilidade de Roma; ademais, a simples análise das dissidências entre ambas religiões era suficiente para privar-lhe de argumentos para fundamentar sua ortodoxia.

O auge deste toque da Graça deu-se em um dia em que estudava Santo Agostinho: ao correr os olhos pelas duras reprimendas que o Santo dispensava às heresias da época, saltou-lhe à vista o quanto eles — Newman e os ingleses anglicanos — não distavam tanto dos dissidentes do séc. IV… não teriam eles mesmos nascido das próprias raízes secas e mortas da heresia?

A Luz Divina iluminou a fundo este ponto e, como desfecho de um longo processo de mais de 10 anos, Newman decidiu abjurar o Anglicanismo e abraçar a Igreja Católica Romana; cumpriu, desse modo, realmente o que o moço rico do Evangelho não foi capaz: vendeu seus bens e seguiu o Senhor.

Por grandes tempestades, o voo à Verdade

Aos 45 anos de idade Newman converteu-se ao Catolicismo. Por intermédio do Beato Domingos da Mãe de Deus,[2] pôde aprender os rudimentos do Catolicismo Romano. Já nas primeiras entrevistas com o santo presbítero, ficou decidido o ingresso de John no seminário romano.

De fato, Newman teve de sentar-se nas bancas do seminário ao lado de novatos de 20 anos… mas isso não lhe dava preocupação alguma: seu objetivo era maior. Ao cabo de dois anos recebeu as ordens católicas e pôde ingressar na Igreja docente da Inglaterra. Este, bem como outros tantos fatos nos quais aflora o espírito humilde de Newman, arrancaram ao Cardeal Wiseman — seu superior, e um de seus maiores opositores… — o belo testemunho: “asseguro-vos que, em tempo algum, a Igreja recebeu um convertido que a ela haja vindo com maior docilidade e simplicidade de fé.”[3]

Esta profunda humildade de John Newman seria ainda muito provada durante sua árdua vida. O estado no qual se encontrava a Igreja Católica nas ilhas britânicas era lastimoso: exiguidade de vocações sacerdotais, desânimo no apostolado, falta de instrução religiosa e intelectual, desuniões etc. Abraçar uma religião em tal condição não era apenas heroico, mas sobretudo um desafio, ao qual Newman se propôs de corpo inteiro.

Porém, a calúnia e a traição perseguiram-no acirradamente neste intento, pelo que John Newman viu todas suas esperanças fracassadas, muitas vezes pela mão de seus irmãos, os católicos. Os próprios prelados ingleses cortavam-lhe o passo em inúmeras iniciativas, como foi, por exemplo, a fundação de universidades católicas de qualidade, o que não pôde lograr de todo.

Ora, perseverar em tais circunstâncias não é senão fruto de grande virtude, uma adequação e resignação constante e diária à vontade Divina. Com muita razão comentou Bento XVI, ainda Cardeal: “Newman foi ao longo de sua vida uma pessoa que se converteu, que se transformou.[4]

A púrpura

Newman oldDevido às numerosas calúnias que comprometiam sua imagem diante da opinião pública católica, forjadas por Charles Kingsley, publicou em 1864 o Apologia pro Vita Sua, um caloroso testemunho autobiográfico sobre sua conversão e atuação como católico romano. Porém, o reconhecimento por parte da Igreja ainda demorou certo tempo: em 1879 o Papa Leão XIII elevou-o à dignidade de Príncipe da Igreja, outorgando-lhe o cardinalato.

Convertido, após uma vida inteira de perseverança e resignação, era confirmada a integridade de sua imagem. De fato, até Leão XIII alegava que se sentia enormemente orgulhoso por ter podido distinguir um homem como Newman.[5] Posteriormente, João Paulo II impulsou a causa de sua beatificação, realizada por Bento XVI em 19 de setembro de 2010, e canonizado pelo Papa Francisco no dia 13 de outubro de 2019.

O tempo, felizmente, foi pródigo o suficiente para atestar os méritos da vida do Cardeal Newman antes de sua morte. Vítima de uma forte congestão pulmonar, faleceu em 11 de agosto de 1890, contando 89 anos de idade. “Acabamos de perder a nossa maior testemunha de fé…” suspirava o pregador diante do corpo inerte do célebre purpurado.

Em seu epitáfio, por ele mesmo escolhido, lê-se o lema que compendiou seu duplo trânsito: Ex umbris et imaginibus ad veritatem; das sombras do cisma à luz da verdade católica, da penumbra da vida terrena à Verdade Eterna.[6]

Por André Luiz Kleina

Referências:

NEWMAN, John Henry. Apologia pro Vita Sua. Trad: Daniel Bueno. Madrid: Buey mudo, 2010.

CARDEAL JOSEPH RATZINGER. Discurso no centenário da morte do Cardeal John Henry Newman, 28 de abril de 1990.

BELLENGER, Dominic; FLETCHER, Stella. Princes of the Church: a history of the English Cardinals. Gloucestershire: Sutton, 2001.

PENIDO, Teixeira-Leite. O Cardeal Newman. Petrópolis: Vozes, 1955.


[1] O Movimento de Oxford foi uma grande reforma na espiritualidade religiosa do Anglicanismo, não obstante não o ter atingido em sua totalidade; centrava-se em restituir à religião inglesa seu caráter de parte integrante do Cristianismo, mas não propunha uma aproximação com Roma. Newman e outros intelectuais de Oxford encontram-se como propulsores deste movimento.

[2] Domingos Barberi — em religião, Domingos da Mãe de Deus — nasceu em 1792 em Viterbo, Itália; foi sacerdote dos Passionistas e missionário na Inglaterra durantes muitos anos, nos quais logrou grandes e impressionantes conversões, como a de Newman. Faleceu em 1849. Seus restos se encontram em Sutton, Inglaterra.

[3] PENIDO, Teixeira-Leite. O Cardeal Newman. Petrópolis: Vozes, 1955, p. 98.

[4] CARDEAL JOSEPH RATZINGER. Discurso no centenário da morte do Cardeal John Henry Newman, 28 de abril de 1990.

[5] Cf. PENIDO, Teixeira-Leite. O Cardeal Newman. Petrópolis: Vozes, 1955, p. 180.

[6] Cf. PENIDO, Teixeira-Leite. O Cardeal Newman. Petrópolis: Vozes, 1955, p. 185.

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