Dar a César, ou dar a Deus?
Vivendo em harmonia e cooperação, a sociedade temporal e a espiritual proporcionam as condições para o verdadeiro progresso humano.
Redação (22/10/2023 11:37, Gaudium Press) O homem foi criado por Deus para viver em sociedade sob duas autoridades: a temporal e a espiritual. Qual deve ser sua atitude ante uma e outra? Eis o tema do Evangelho do 29º Domingo do Tempo Comum.
Não há situação estática na vida moral
Nossa vida moral se encontra sempre em movimento. Em outras palavras, na escala de valores entre o extremo do bem e o extremo do mal, ninguém fica parado num grau determinado. Todos estamos de alguma maneira caminhando, ainda que muito devagar e imperceptivelmente, em direção a um dos polos, ou embaraçados num vaivém contínuo. Há, também, acelerações para uma direção ou outra, resultantes de um grande ato de virtude ou de um gravíssimo pecado. Nessa escala, portanto, o movimento é constante, como acentuam inúmeros teólogos.
Ora, diante do Filho do Homem, esse fenômeno passou-se intensamente no coração de todos os que tiveram a graça de O conhecer e, mais ainda, de com Ele conviver. Maria Santíssima não fez senão ascender a cada instante na sua já tão alta união com Deus. Em contrapartida, os adversários de Jesus cresceram de modo contínuo no ódio a Ele, o qual os levaram a armar ciladas contra o Divino Mestre, tentando assim, desacreditá-Lo diante da opinião pública. Abandonado por seus seguidores, Ele Se tornaria uma presa fácil. Melhor ainda se conseguissem arrancar d’Ele uma afirmação de rebeldia contra o poder romano…
O modo de ação do mal
“Naquele tempo, os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra” (Mt 22,15).
Nesse episódio, merece igual atenção de nossa parte a maneira de agirem os maus. Quando deseja armar ciladas aos bons, o mal, antes de apresentar-se declaradamente, costuma preparar sua ação por um longo processo. Foi como agiram os fariseus com Nosso Senhor. De início, usaram a astúcia da serpente para, depois, se insurgir contra Ele de modo público e agressivo. Aqui vemo-los no decurso da primeira operação, desejando surpreender Jesus em flagrante, a fim de lançarem contra Ele a opinião pública.
Se isto não bastasse, embora encarniçados adversários, fariseus e herodianos encontram-se irmanados neste episódio, em busca de um fim comum: o deicídio. Da astúcia da serpente faz parte a adulação insidiosa:
“‘Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não Te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências’” (Mt 22,16).
Com tais palavras, os fariseus condenam-se a eles mesmos. Com efeito, não eram sinceros e viviam preocupados com a opinião alheia a respeito de si próprios, só cuidando das aparências.
“‘Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito ou não pagar imposto a César?’” (Mt 22,17)
Se Jesus optasse pela obrigação moral de pagar o imposto exigido pelos romanos, prontas já estavam as tubas dos adversários para sublevar os israelitas contra Ele, pois não era admissível um Messias que Se manifestasse a favor da submissão ao estrangeiro gentio. De outro lado, se Jesus negasse a liceidade do tributo, seria denunciado às autoridades romanas, que por certo o condenariam à morte.
Jesus inverte os papéis
Na sequência do episódio evangélico, Nosso Senhor quiçá haja surpreendido seus adversários pela veemência da resposta:
“Jesus percebeu a maldade deles e disse: ‘Hipócritas! Por que Me preparais uma armadilha? Mostrai-Me a moeda do imposto!’ Levaram-Lhe então a moeda” (Mt 22,18).
Ao fazer os fariseus Lhe mostrarem uma dessas moedas, Jesus acabava de inverter os papéis. Deixava evidente que, embora em teoria rejeitassem o imperador como senhor do país, na prática o aceitavam, utilizando-se de seu dinheiro. Eles, de seu lado, perceberam para onde caminharia a resposta. Contudo, em sua maldade e cegueira, iludiam-se, esperando ainda uma possível falha de Nosso Senhor. Podemos imaginar a atmosfera de suspense formada nesse instante.
“E Jesus disse: ‘De quem é a figura e a inscrição desta moeda?’ Eles responderam: ‘De César’. Jesus então lhes disse: ‘Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’”. (Mt 22, 20-21)
Eis a resposta que se gravou para sempre nos céus da História. Quem utilizava o dinheiro de César, que lhe pagasse o imposto devido, ainda mais tendo em vista os benefícios proporcionados à Palestina pela administração romana.
Em se tratando de uma nação essencialmente teocrática, como era a judaica, compreende-se a perplexidade na qual muitos podiam se encontrar. Porém, havia uma situação, de fato, da qual não se podia prescindir.
O ensinamento de Jesus sobre a harmonia entre a ordem espiritual e a temporal
As coisas de Deus e as coisas da Terra não devem ser antagônicas. Pelo contrário, entre elas deve haver colaboração. Na harmonia entre ambas as esferas, a temporal e a espiritual, está o segredo do progresso. E a História nos mostra que nada pode haver de mais excelente do que seguir o conselho de Nosso Senhor: “Buscai antes o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Lc 12, 31).
Concluamos, seguindo o conselho de Santo Agostinho:[1] se nos preocupamos com as moedas nas quais está gravada a efígie de César, muito mais devemos nos preocupar com nossas almas, nas quais Deus gravou sua própria imagem. Se a perda de um bem terreno nos entristece, muito mais nos deve contristar o causar dano à nossa alma pelo pecado.
Extraído, com adaptações, de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano–São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 2, p. 401-409.
[1] Cf. SANTO AGOSTINHO. Sermo CXIII/A, n. 8. In: Obras. Madrid: BAC, 1983, v. 10, p. 839.
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