Consequências da bomba na catedral de Odessa
Demonstra-se, assim, o isolamento do Patriarcado Ortodoxo de Moscou do resto do mundo ortodoxo, evidenciando a identificação de Kirill com um cesaropapismo ortodoxo liderado por Putin.
Redação (26/07/2023 08:42, Gaudium Press) O impacto dos mísseis russos na catedral ortodoxa de Odessa, a Catedral da Transfiguração – que além de ser um centro de espiritualidade é uma joia artística, consagrada como tal pela Unesco– tem causado indignação nos líderes religiosos.
Como sempre, a culpa, segundo os russos, foi de todos: da defesa aérea ucraniana, da agressão ucraniana; menos deles. O golpe foi tão forte que o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia disse que nunca o esqueceria.
Talvez o ministro Kuleba não seja capaz de medir todas as repercussões que esse ataque tem no plano religioso, o que pode ser percebido pelas reações dos líderes religiosos. Repercussões religiosas que necessariamente acabarão no campo civil.
Victor Artsuzki, vigário da diocese de Odessa da Igreja Ortodoxa Ucraniana Pró-Rússia, dirigiu um comunicado ao patriarca ortodoxo de Moscou, Kiril, afirmando que ele “está destruindo completamente com suas bênçãos e suas ações” qualquer sonho de unidade da chamada “Santa Rússia”.
“Peço também que preste atenção ao que, precisamente com sua bênção pessoal, o exército da Federação Russa está fazendo hoje: travando uma guerra contra o território soberano do Estado ucraniano”, continua Artsuzki. De fato, diversos meios de comunicação social comentaram com ironia as “abençoadas” bombas que caíram sobre a Catedral da Transfiguração.
Mas o que está por trás dessas palavras é o já quase total isolamento do Patriarcado Ortodoxo de Moscou do resto do mundo ortodoxo e a crescente identificação de Kirill com um cesaropapismo ortodoxo liderado por Putin:
“O míssil da Federação Russa que você ‘abençoou’ caiu no altar da catedral na festa dos santos. Percebo que a Igreja Ortodoxa Ucraniana há muito não tem nada em comum com sua posição. Devido às suas ambições pessoais, você perdeu a Igreja Ortodoxa Ucraniana além de outras igrejas nos países da “Santa Rússia”; por causa da morte e do assassinato”, continua Artsuzki.
Isolamento de Kiril, que é também isolamento de Putin, que assim se separa daqueles que ainda teriam alguma simpatia por ele, mas que se torna cada vez mais difícil de se mostrar: eles se lembram de que Stalin, em 1936, quis derrubar essa catedral em sua campanha pró-ateísmo. Ou seja, Putin se reafirma como a projeção do totalitarismo ao estilo soviético.
Um dia ele a abençoou…
Por sua vez, o arcebispo maior dos ucranianos, o católico Sviatoslav Shevchuk, também lembra a Kirill que ele uma vez abençoou aquela catedral, não muito tempo atrás, em 2010, quando sua restauração foi concluída. Em suma, ele a abençoa e depois a queima, não ele, mas as bombas que ele abençoa.
E assim, Putin, que talvez um dia sonhou ou quis ser aclamado como uma espécie de reencarnação de Carlos Magno, defensor dos valores ameaçados do cristianismo, pode hoje ser chamado de agente de Satanás pelo bispo Shevchuk:
“O que o Senhor Deus quis transmitir com essa tragédia? Não sei o que isso significa para os líderes da Igreja Ortodoxa Russa, para os criminosos russos e para os fiéis ucranianos do Patriarcado de Moscou, porque as ações desses criminosos não seguem a lógica de Deus, mas a do diabo.”
Depois das explosões e semidestruição da Catedral de Odessa, é impossível não afirmar que qualquer mediação ou ação diplomática, inclusive católica, na guerra que devasta a Ucrânia é ainda mais difícil. E se isso é verdade, as soluções para a crise estão sendo reduzidas, limitando-se: a um triunfo ucraniano retumbante apoiado pelo Ocidente (algo inaceitável para Putin), a queda de Putin, ou… ao desencadeamento do temido conflito de enormes proporções. Que Deus nos encontre em dia com a confissão e comunhão, diria um piedoso paroquiano. Mas é melhor aproveitar e confessarmo-nos agora, se é que não temos esse costume. (Saul Castiblanco)
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