Confiança diante do absurdo, virgindade intocável
Na aurora do dia 30 de maio de 1431, o Bispo Cauchon foi à prisão onde estava Santa Joana d’Arc e disse-lhe: “Podeis ver que tuas vozes eram falsas pois não vieram salvar-te de nossas mãos!”
Redação (13/11/2024 10:44, Gaudium Press) Estando Jesus no alto da Cruz, os príncipes dos sacerdotes e escribas gritaram: “Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo.” (Mt 27, 42). O Bispo Cauchon foi à prisão onde estava Santa Joana d’Arc e disse-lhe: “Podeis ver que tuas vozes eram falsas pois não vieram salvar-te de nossas mãos!” É mais uma semelhança do que aconteceu com Jesus.
Às oito horas, Santa Joana d’Arc foi conduzida numa carreta à Praça do Velho Mercado de Rouen, onde a lenha estava disposta para a fogueira. Enquanto o veículo se movia, dois padres faziam múltiplas tentativas para que abjurasse “as vozes”, mas ela os ignorou confirmando, assim, que não se retratara na farsa realizada no cemitério, na semana anterior.
Supremo lance de heroísmo
Quando o veículo chegou próximo ao monte de lenha, um membro do tribunal que a condenara colocou sobre a cabeça da virgem um barrete, onde havia figuras de dois demônios e as palavras: “herética, relapsa, apóstata, idólatra”. E um sacerdote dominicano fez uma pregação contra ela.
Ao descer da carreta, pediu aos frades da paróquia situada nas proximidades que trouxessem a cruz processional, e eles a atenderam. Ela a abraçou e assim permaneceu até que a amarrassem. Rogou água benta, mas não lhe deram…
Ateado o fogo, ela começou a sentir os estertores da morte, mas “não deu um gemido de dor, pedindo misericórdia. Ao contrário, […] como Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz, bradou com voce magna, com grande voz, que com certeza se ouviu pela praça inteira: ‘As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!’ Era mais uma manifestação de convicção da santidade de sua causa.”
Com esse brado, ela como que estimulava os franceses: “Continuai a lutar porque as vozes, em cujo nome eu vos conduzi à vitória, vinham do Céu. O Céu vos dará, portanto, a vitória total’.
“Esse testemunho, dado na hora da morte, é um supremo lance de heroísmo que vale mais do que a entrada triunfal em Reims, ao lado do rei que ia ser coroado, a entrada gloriosa e heroica em Orléans, ou tudo o mais quanto ela realizou”.[1]
O papa nada fez para defender Santa Joana d’Arc
No momento em que ela expirava, várias pessoas viram uma pomba branca sair de entre as chamas. Seu coração ficou intacto. “Isso significava ainda um modo de dizer: ‘Eu morro, mas meu coração vigia e proclama: As vozes vieram do Céu’”.
O Cardeal de Winchester, que presidiu os trabalhos para queimar a Santa, ordenou que seus restos mortais e o coração incólume fossem jogados no Rio Sena, a fim de que não ficasse nenhuma relíquia dela.
Logo após a morte da heroica virgem, inúmeras pessoas do povo diziam ter sido praticado um grande crime, e pediam a Deus que punisse os culpados.
O Bispo Pierre Cauchon, onze anos depois, morreu de apoplexia enquanto fazia a barba. O principal juiz que aprovou sua execução foi encontrado morto num açude. O padre dominicano que pregou contra ela na Praça do Velho Mercado ficou leproso.
Sendo terrivelmente perseguida por um cardeal, um arcebispo, alguns bispos e diversos padres, ela apelou ao Papa. Entretanto, Martinho V – que reinou de 11 de novembro de 1417 a 20 de fevereiro de 1431– nada fez para defendê-la.
Arcebispo de Reims: traidor nomeado Cardeal
Em 1456, realizou-se um processo de reabilitação de Santa Joana d’Arc, dirigido por professores da Sorbonne. Em verdade, eles deveriam estar sentados no banco dos réus…
Tal processo teve, sobretudo, o objetivo de inocentar o corpo docente dessa universidade, cujos membros, em sua quase totalidade, trabalharam pela morte da Santa; e também o Bispo Cauchon que foi nomeado Bispo de Lisieux um ano após ter condenado à morte a virgem inocente.
Mas esse prelado dependia do Arcebispo de Reims, Regnault de Chartres, responsável pelo desaparecimento dos autos do processo realizado na cidade de Poitiers, em março de 1429, no qual ela foi julgada inocente.
Como chanceler do reino, Regnault boicotou suas operações militares e a entregou aos ingleses em Compiègne, um ano depois, através de Cauchon que recebeu 10.000 libras como pagamento… Eugênio IV, em 1439, nomeou-o cardeal.[2]
Quem de fato a reabilitou foi São Pio X, beatificando-a em 13 de dezembro de 1908.
Ela voltará nimbada de esplendor e potência
Pleno de veneração por essa virgem heroica, Monsenhor João Clá escreveu:
“A figura de La Pucelle – A Donzela – desponta como uma centelha divina capaz de atear incêndios de graça e mover epopeias sacrossantas. Sob esse aspecto ela representa a Virgem Fiel, terrível como um exército em ordem de batalha, que esmaga perpetuamente a cabeça da serpente.
“Sua pugnacidade audaz e incansável, aliada à mais ilibada virgindade, faz dela um símbolo, uma luz, uma glória para a História. Com ela se inaugura uma nova via de santificação feminina, na qual a doçura própria à mulher se harmoniza com o espírito guerreiro e a integridade da pureza sem mácula.
“Santa Joana d’Arc é um dos tesouros de beligerância contra o mal escondido no Coração Imaculado de Maria, que devia se manifestar quando os sinais de decomposição da Civilização Cristã se tornassem evidentes. Ela é o canto de cisne da Cavalaria, da castidade aliada à combatividade, da fidelidade a Deus e ao rei; em síntese, do elixir mais precioso da Idade Média.
“Mas não só. Ela é uma profecia para o futuro pois, por meio de sua amada filha, Nossa Senhora derramará graças de força, de esplendor e de triunfo sobre os soldados de Cristo.” […]
Ela “entregou a alma a Deus em meio às chamas, proclamando sua fidelidade à inspiração divina: ‘As vozes não mentiram!’ Desse modo, venceu as tentativas dos juízes iníquos que procuraram fazê-la negar as aparições. Tais palavras constituem um brado de confiança mais heroico que os mil riscos por ela enfrentados nas batalhas.
“Seu martírio pelas mãos dos ingleses simboliza a exalação ao Céu de um ideal imorredouro, do qual os homens haviam se tornado indignos. Entretanto, a quem tem fé basta ouvir seu nome para perceber que ela ainda voltará de modo misterioso, nimbada de esplendor e potência, para animar as hostes do bem contra as insídias da raça da serpente e levá-las à mais estrondosa vitória.
“Em Santa Joana d’Arc refulgem: a excepcionalidade da vocação, a confiança diante do absurdo, a virgindade intocável, a combatividade implacável e a magnificência das vitórias coligada ao fragor dos fracassos”.[3]
Canonizada por Bento XV, em 16 de maio de 1920, sua memória é celebrada em 30 de maio.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A epopeia de Santa Joana d’Arc. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano XV, n. 170 (maio 2012), p. 20-21.
[2] SEQUEIROS, Marie de la Sagesse, Santa Joana de Arco. Buenos Aire: Katejon. 2018. BOULANGER, Charles. 7 juillet 1456, enterrement de l’afffaire Jeanne d’Arc, triomphe de l’Université de Paris. Rouen : Ed. Maugard. 1956.
[3] CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens. São Paulo: Arautos do Evangelho. 2020, v. III. p. 91-92.
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