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Confiança: a virtude dos vencedores

A confiança é uma das virtudes que só as almas verdadeiramente alicerçadas na fé conseguem praticar.

Nossa Senhora da Confianca

Redação (06/04/2023 16:30, Gaudium Press) A virtude, segundo o Catecismo da Igreja, é “uma disposição habitual e firme para praticar o bem”.[1] Neste sentido, São Tomás define a virtude da confiança do seguinte modo: “A confiança implica uma certa esperança, porque é, na realidade, uma esperança fortificada por uma opinião firme”.[2] Quer dizer, ela forma como que uma virtude única com a esperança, e encontra sua diferença somente no grau de perfeição a que chega sua prática.

O Pe. Thomas de Saint-Laurent, na sua obra “O Livro da Confiança”, exemplifica a diferença destas duas virtudes: “Os albores incertos da aurora, tal como o esplendor do sol no zênite, fazem parte do mesmo dia… Assim, a confiança e a esperança pertencem à mesma virtude: uma é apenas o desabrochar completo da outra”.[3] Ele mesmo afirma que a esperança comum, ou seja, aquela que todo homem pode praticar, se perde pelo desespero, e ainda assim, pode suportar alguma inquietação. Sem embargo, quando a esperança chega à perfeição da confiança, qualquer dúvida, por menor que seja, a rebaixaria ao nível de simples esperança.[4]

A causa e a raiz da confiança devem estar na fonte cristalina da fé, uma vez que só desta podem vir as certezas sobrenaturais, inabaláveis contra quaisquer inimigos.[5] Vemos, então, que estas três virtudes: a fé, a esperança e a confiança têm uma relação muito estreita, visto que uma depende da outra. Sem a fé é inconcebível a esperança, bem como a confiança é impossível sem a esperança. Assim, “a confiança implica uma esperança muito forte, proveniente de alguma consideração que justifica uma espécie de certeza que se vai conseguir o bem desejado”.[6]

A certeza sobrenatural no momento da prova

Uma coisa muito relevante acerca da virtude da confiança, que não podemos esquecer, é o papel da certeza. Há, na vida de todo homem, um instante em que Deus, por seu amor, promove uma aliança com as almas de modo especial. E é, a partir disto, que nasce, no interior da alma, uma clara certeza de que Deus a ama. Esta certeza primeira do amor de Deus para com cada um é como a semente em relação à árvore. É nela que se encontra toda a sua força de crescimento, e de onde brotará a firmeza para as “horas da tempestade”. É desse ponto de partida, fundamentado na fé, que os filhos de Deus devem começar a empreender o combate pela Santa Igreja, tornando-se verdadeiros soldados de Cristo. [7]

Não podemos, todavia, confundir “certeza” com “evidência”. Sobretudo na vida espiritual, estes dois conceitos podem muito bem existir ao mesmo tempo sob formas contrárias e opostas. Um exemplo corriqueiro pode nos ajudar a entender o fenômeno que ocorre muitas vezes em nossa alma: existem certas ilusões de ótica criadas por artistas geniais que “falsificam” a realidade, mostrando algo que não existe com toda a aparência de realidade. Uma pintura perfeita de um buraco aberto no chão pode nos dar uma firme impressão de que o buraco está lá realmente. Assim, a evidência nos mostra algo, mas, se avisados previamente, temos certeza completa que aquilo não passa de uma farsa.

Assim também, na vida espiritual: há momentos pelos quais Deus quer que passemos pela prova da evidência, contrariando as certezas que vêm da fé. Nesses momentos, não devemos nos esquecer de que, por nossas próprias forças, nada conseguimos. Só com o auxílio da graça é que poderemos iniciar e nos manter estavelmente na prática da virtude, dos mandamentos e, particularmente, da virtude da confiança. [8]

Às vezes, o choque das tentações é incontenível, as aridezes frequentemente parecem chegar até o mais profundo da fé em nossa alma, e as dificuldades se apresentam não raramente como terremotos que chegam quase a derrubar nosso edifício espiritual. A alma, diante destes fatos concretos, sensíveis e palpáveis, não tem como não fechar os olhos à iminência da derrota.

Porém, como seria tudo diferente se, ocorrendo algum desses infortúnios, ela se lembrasse, com fé, de que o Salvador está resistindo no seu interior! Mas, “pelo fato de não experimentar uma força sensível, essa alma desanimada julga o seu Salvador bem distante”,[9] o que lhe produz a dúvida no seu coração.

Para evitar isto, a sua certeza não pode estar fundada em meros sentimentos naturais. Ela deve ter razões sobrenaturais, ou seja, motivos baseados na fé, pelos quais acredite firmemente que o auxílio da graça lhe será dado. Se duvidar de Deus, certamente afundar-se-á cada vez mais no desespero e na desconfiança. Portanto, a dúvida não é algo permitido neste combate.

Se confiar e sentir que o perigo se afastou, a alma vencedora “deve compreender que só uma força divina terá podido impedi-la de naufragar. Jesus Cristo agia secretamente no coração dela. Apesar desse socorro não lhe ser sensível, era real. O braço que a acompanhava não se deixava perceber, mas nem por isso era menos forte. Sem saber como, ela resistiu, saiu vitoriosa do combate pela graça de Jesus Cristo, que nunca a abandonou, e que finalmente restabeleceu nela a paz perturbada pela tentação. É nessas ocasiões que uma alma deve esperar contra toda esperança (Rm 4,18); e será sempre sustentada”.[10]

Entretanto, a algumas almas, por serem muito fracas, a dificuldade abate-as mais facilmente, fazendo-as cair no desespero. A estas é necessário dizer: “Se, depois da queda, te sentes confusa, inquieta e desconfiada, a primeira coisa que deves fazer é recuperar a paz, a tranquilidade do coração e a confiança, e com estas armas recorrer à ajuda de Deus”.[11]

Modelos de virtude

Por isso, os nossos modelos de confiança devem ser os santos. Eles jamais duvidaram da aliança estabelecida por Deus, e tampouco deixaram de confiar no auxílio sobrenatural, pois, se o tivessem feito, como teriam sido suas vidas?

O que seria dos Apóstolos se, depois de terem recebido Pentecostes, com o futuro da Igreja em suas mãos, duvidassem de que essa obra chegaria ao seu máximo esplendor e duraria até o fim dos tempos? Eles, porém, confiaram na promessa de Nosso Senhor: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). Evidentemente, tiveram que passar por incompreensões, sofrimentos, chegando até ao martírio. Mas, nas horas mais terríveis, nada os abalou, pois firmemente mantiveram a confiança no Divino Mestre, n’Aquele que venceu o mundo (cf. Jo 16,33).

Poderíamos, por outro lado, imaginar um São Francisco Xavier, conquistador de muitas terras do Oriente para a religião Católica, duvidando de que era essa a missão que deveria realizar? Se ele colocasse as seguintes perguntas: Devo realizar mesmo estas missões? Não será que cometi um erro na minha decisão? Santo Inácio, meu fundador, não terá errado em interpretar os desígnios de Deus a meu respeito? Sem dúvida, se ele pensasse assim, não teria a coragem de enfrentar nem sequer os sofrimentos iniciais de sua longa missão, nem teria chegado a cumpri-la.

Finalmente, mencionemos o máximo exemplo: Nossa Senhora, modelo por excelência de confiança. Podemos imaginá-La aflita e angustiada junto a Nosso Senhor no alto da cruz. As evidências eram cruéis: o Verbo Encarnado estava morrendo, seus Apóstolos o tinham abandonado, a promessa do triunfo parecia desmentida. O que aconteceu no interior d’Ela? Não se apagavam aquelas palavras proféticas: “Mas ao terceiro dia ressuscitará” (Mt 17,23). Não houve mais ninguém, na face da terra, que acreditasse veementemente na Ressurreição do Senhor. Ela foi a única que permaneceu de pé, confiante na vitória de seu Divino Filho.

Peçamos a Nosso Senhor, por intermédio de sua Mãe Santíssima e de todos os santos, uma confiança ardorosa n’Ele, e apliquemo-nos a não duvidar nos momentos em que tudo pareça perdido, pois só do Céu obteremos a vitória.

Por Juan Esteban Lozano


[1] CATECISMO da Igreja Católica. 11. ed. São Paulo: Loyola, 2001, p. 484.

[2] TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma teológica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005, v. 7, p. 113. (S.Th. II-II, q. 129, a. 6, ad. 3).

[3] SAINT-LAURENT, Thomas de. O Livro da Confiança. Trad. M. P. São Paulo: Artpress, [s.d.],  p. 19.

[4] Ibid.

[5] Ibid., p. 20: “Que força soberana fortifica a esperança a ponto de torná-la inabalável aos assaltos da adversidade?… A fé! A alma confiante guarda na memória as promessas do Pai celeste; medita-as profundamente. Sabe que Deus não pode faltar à palavra, e daí a sua imperturbável certeza. Se o perigo a ameaça, a envolve e a domina, ela conserva sempre a serenidade”.

[6] TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., p. 111-112. (S.Th. II-II, q. 129, a. 6, co.).

[7] SCUPOLI, Lorenzo. O Combate espiritual. 2. ed. Saõ Paulo: Cultor de Livros, 2019, p. 56: “É, então, com as armas da desconfiança de si, da confiança em Deus, da oração e dos exercícios que deves começar a combater o Inimigo”.

[8] SAINT-LAURENT. Op. cit., p. 25: “Sem a graça o homem não pode observar por muito tempo, e na sua totalidade, os mandamentos de Deus. Sem a graça ele não pode resistir a todas as tentações, por vezes tão violentas, que o assaltam. Sem a graça ele não pode ter um bom pensamento, fazer mesmo a mais curta oração; sem ela nem sequer se pode invocar com piedade o nome de Jesus”.

[9] MICHEL, J. Tratado do desânimo nas vias da piedade. São Paulo: Cultor de Livros, 2016, p. 29.

[10] Ibid., p. 30.

[11] SCUPOLI. Op. cit., p. 86.

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