Condenado por guardar um duplo segredo
No final do século XIX, um sacerdote virtuoso foi deportado injustamente à Sibéria por guardar os segredos da caridade e da confissão. Essa história verídica foi relatada na revista “L’Ami du Clergé”.
Redação (28/02/2024 09:06, Gaudium Press) Em 1853, um sacerdote católico polonês, Pe. Kobélovitch, que servia como pároco na pequena cidade de Orativ, na Ucrânia, foi condenado à deportação para a Sibéria.
Até então, ele gozava de excelente reputação. Inicialmente, atuando como vigário em Biala Tserkva, ele se destacou como um pregador excepcional e um confessor diligente, sendo considerado um dos sacerdotes mais notáveis e zelosos de sua diocese. Após sua nomeação como pároco de Orativ, rapidamente conquistou o respeito e a estima de todos, dedicando-se a diversas atividades frutíferas, incluindo a reconstrução e embelezamento da igreja paroquial.
Condenado a trabalhos forçados
De repente, para surpresa geral, o Pe. Kobélovitch foi acusado de homicídio, com evidências esmagadoras contra ele.
O administrador de uma propriedade de Orativ tinha sido alvejado por um tiro de fuzil, disparado por um desconhecido. Imediatamente, várias pessoas acorreram ao presbitério para chamar o pároco, que era tio da esposa do administrador.
Era uma noite de inverno. O pároco lá não se encontrava; entretanto, sua cama estava ainda quente. Em vão, procuraram-no por toda parte. Após uma ou duas horas, voltaram ao seu quarto e, desta vez, acharam-no deitado na cama, dormindo ou parecendo dormir. Ao ser acordado e questionado sobre sua ausência horas antes, o padre Kobélovitch, claramente perturbado, afirmou que não havia saído e já estava dormindo há muito tempo… Isso suscitou suspeitas que nem mesmo a sua aparente angústia ao ser informado sobre o crime pôde dissipar.
Abriu-se um inquérito judicial. Por indicação do organista, os policiais descobriram, escondido atrás do altar, o fuzil de cano duplo do pároco. Era patente que ele tinha sido usado havia pouco. Esse conjunto de fatos sugeriam claramente a culpa do acusado em flagrante delito.
Consequentemente, o padre foi detido e encarcerado. Ante o tribunal, protestou inocência, mas negou-se a fornecer esclarecimentos sobre sua ausência do presbitério naquela hora da noite. Essa recusa constituía prova esmagadora contra ele. Assim, foi condenado a trabalhos forçados para o resto da vida.
Antes, porém, de ser deportado para a Sibéria, sofreu uma pena ainda mais infamante. O Bispo procedeu à sua degradação solene em uma igreja de Jitomir. Entretanto, em meio à multidão que se acotovelava no templo, só se viam rostos com lágrimas. O próprio Bispo, Dom Borowski, não conseguiu reter as lágrimas de simpatia para com o sacerdote. Quanto a este, reafirmou sua inocência e, sem nada acrescentar, foi deportado para o distrito de Krasnoyarsk.
Enquanto isto, a esposa do pristaf (comissário de polícia de Orativ) ficou louca e, em meio a seus delírios, falava continuamente de padre, de batismo…
– Ele é inocente!… Salvem-no!… Salvem-no! – repetia ela.
Nenhuma atenção lhe foi dada. Com efeito, que relação poderia ter essas palavras com o caso do padre Kobélovitch? E, pouco a pouco, fez-se silêncio na região a respeito da memória do condenado.
Vinte anos mais tarde
Em 1873, morria em Orativ o organista da igreja paroquial. Antes de exalar o último suspiro, solicitou a presença da autoridade judicial. E então, diante do juiz e de um grande número de pessoas, confessou ter sido ele o responsável pelo assassinato do administrador vinte anos antes, pois desejava casar-se com a esposa do falecido. Ele havia escondido o rifle atrás do altar e orientado as buscas policiais de maneira a levantar suspeitas contra o pároco.
Ao mesmo tempo, ele revelou o legítimo motivo da ausência do padre Kobélovitch. Explicou como este, no momento do crime, encontrava-se numa aldeia vizinha, distante alguns quilômetros de Orativ. O pristaf – em virtude do decreto imperial de 1836, tinha sido “convertido” à força para o cisma moscovita, mas permanecia secretamente católico – havia solicitado ao padre Kobélovitch que fosse, durante a noite, batizar seu último filho.
Durante o processo criminal, esse funcionário, temendo ser ele mesmo deportado para a Sibéria, nada dissera em defesa do pároco injustamente acusado. Mais corajosa, ou dotada de uma consciência mais delicada, sua esposa queria revelar tudo ao tribunal, mas o marido a fechou em casa, impedindo-a de sair. Ela, então, enlouqueceu e foi internada no hospício Joulté-Dom, em Vilna. Até sua morte, dois anos depois, a pobre mulher não cessava de falar de batismo, de sacerdote, do papa ortodoxo, etc., implorando que se libertasse o inocente. Tudo isso, porém, era tomado como sintomas ordinários de loucura.
Por fim, o organista declarou que, após a prisão do pároco, fizera-lhe uma visita e confessara o seu crime. Era um meio seguro de se prevenir contra toda investigação, porque ele bem conhecia o caráter heroico daquele santo sacerdote.
Portanto, o padre Kobélovitch estava submetido, havia vinte anos, a uma punição imerecida.
Se quisesse, bastaria ter dito uma única palavra para ser salvo. Teria podido facilmente justificar sua ausência momentânea do presbitério, revelando que tinha ido batizar uma criança na casa do pristaf. Mas, com isso, teria comprometido aquele homem, violador de uma lei injusta e odiosa. A caridade pedia-lhe que guardasse silêncio, e ele o guardou.
Ele conhecia, pela confissão, o verdadeiro culpado. Com uma simples palavra, seria posto em liberdade. Esta palavra um sacerdote de Nosso Senhor Jesus Cristo não pode dizê-la, pois as leis de Deus e as da Igreja o proíbem.
Diante do tribunal e de seu Bispo, limitou-se a declarar que era inocente.
Tão logo o organista acabou sua revelação, tomaram-se providências para conceder a liberdade ao prisioneiro. Era muito tarde: o heroico confessor tinha falecido alguns dias antes. Até o fim da vida, guardara o duplo segredo da caridade e da confissão! A memória desse sacerdote permanecerá imortal. A exemplo de São João Nepomuceno, ele imolou-se por obediência à Santa Igreja.
Traduzido de “L’Ami du Clergé”, nº 52, de 23/12/1880, que citou como fonte o jornal “Czas de Cracóvia” das edições de 10 e 13 de fevereiro de 1880. O texto foi extraído e adaptado da Revista Arautos do Evangelho n. 87, mar. 2009.
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