Como iniciou a decadência da Idade Média
Os trovadores instilaram na sociedade medieval o sentimentalismo, uma das causas da Revolução gnóstica e igualitária que hoje avassala todos os povos.
Redação (29/04/2024 19:12, Gaudium Press) No século XIII, a influência dos árabes, que ainda dominavam a Espanha e o Norte da África, estava em franca decadência. Os normandos, germanos e húngaros tinham se convertido à Fé católica; os prussianos e lituanos estavam em vias de conversão.
Surgiu, então, a chamada atmosfera triunfal da Idade Média. Nosso Senhor Jesus Cristo passou a ser apresentado nas catedrais não mais apenas como Mártir crucificado e sofredor, mas como Rei cheio de glória.
As guerras privadas diminuíram, as festas se tornaram mais numerosas e brilhantes, as canções populares deixaram de ser apenas guerreiras e ficaram mais joviais. Os católicos começaram, então, a afrouxar seu modo de viver.
Iniciou-se dessa forma a decadência da Cristandade medieval, cujo ponto de partida foi a falta de prevenção, que se caracterizava pela excessiva confiança em si mesmo, julgando haver na própria sociedade lastros de virtudes suficientes para se eliminar qualquer preocupação. Tratava-se de um relaxamento e não de uma deliberação em praticar o mal.[1]
Essa decadência se desenrolou em várias etapas. A primeira delas se caracterizou pela acentuação do agradável.
O traje feminino habitual, que era lindíssimo, com os chapéus cônicos e véus pendentes, ou em forma de gomos encimados por uma coroa, aos poucos foi sendo modificado. E os homens passaram a usar túnicas curtas, com culotes muito apertados.
E tudo piorou sensivelmente a partir do momento em que o agradável se tornou ilícito e, portanto, imoral.[2]
A cavalaria se tornou amorosa e sentimental
Exemplo marcante dessa decadência foi o sucedido com a Cavalaria, que era uma das mais altas expressões da austeridade cristã e se tornou amorosa e sentimental.[3]
“O guerreiro, nos intervalos das batalhas, participava de torneios para satisfazer sua nostalgia da guerra, uma vez que não sabia viver sem lutar. Eram competições que antes valiam como exercício para futuros combates, mas se tornaram também espetáculo, presenciado pelas mulheres numa arquibancada. O cavaleiro vencedor recebia o prêmio das mãos da dama, que era o alvo de suas afeições.
“Quando não se preparava para a batalha, nem realizava torneios para brilhar como combatente aos olhos das donzelas, o guerreiro procurava espreitar a sua dama em lugar e ocasião propícios. Por exemplo, sob o terraço para o qual abria a janela do quarto dela.
“Ali, durante a noite, à luz do luar, reunia ele dois ou três menestréis para cantarem melodias em que se louvavam as extraordinárias qualidades de sua amada…
“Em certo momento, quando ela o percebia cansado de cantar, abria a janela do quarto e aparecia no terraço, afetando indiferença. Mas ela surgia belamente vestida, com ricos adornos. (…) Então, a dama olhava para baixo, as cintilações do luar se refletiam em sua face e em seus longos cabelos…
“Depois de alguns minutos, ela apontava para a lua numa espécie de sinal que era dirigido ao guerreiro. Entrava, fechava a janela, e ele se afastava lentamente, a cavalo, seguido dos trovadores”.[4]
As mulheres chegaram até a armarem seus pretendentes como cavaleiros. Um autor do século XIII diz que a dama colocava a espada na cintura do jovem e lhe dava uma palmada na nuca, o que anteriormente era feito pelo pai ou senhor feudal do futuro cavaleiro.[5]
Dedilhando o alaúde, entoando melodias…
Um dos primeiros sintomas da decadência medieval foi precisamente a deturpação desse equilíbrio de sentimentos entre os dois sexos, com o surgimento do chamado “amor de corte”.
Tal “amor” idealizava a mulher como um tipo sublime, a personificação do que há de mais delicado, elegante e distinto no gênero humano, daquilo para o que o homem tende quando foge da barbárie.
Naquela época em que não existia rádio nem televisão, os trovadores atraíam muitas pessoas dedilhando seu alaúde, entoando encantadoras melodias…
A Europa inundou-se de trovadores. Vindos em geral da Itália, país da música, e da Provença – Sudeste da França –, contagiaram os alemães. Depois entraram pelos reinos da Espanha, foram a Portugal e chegaram até à Escócia.
Grave equívoco seria pensar que a entrada em cena da mulher foi o começo de todo o mal. Não. O que subverteu as boas tendências do medieval foi o surgimento do trovador que açulou o sentimentalismo.
Sentimentalismo psíquico e sentimentalismo físico
Infelizmente, o medieval se deixou intoxicar pelo sentimentalismo. E a partir do momento em que esta peste vingou, transformada a mulher no principal bibelô do homem (o que ela não é de maneira alguma), este tipo de influência foi impregnando cada vez mais a sociedade, atingindo o auge na França de Luís XV e de Luís XVI, ou seja, no Ancien Régime – Sistema social e político aristocrático em vigor nesse país entre os séculos XVI e XVIII – que antecedeu de perto a sangrenta Revolução Francesa.
Nos séculos XIII e XIV, houve uma explosão de sentimentalismo psíquico, e o sentimentalismo físico – a sensualidade – já estava em gestação.
As canções trovadorescas do tempo, sob o pretexto de detalhar a beleza, fazem o elogio dos olhos, da tez, dos cabelos, e, finalmente, do aspecto físico. Compreende-se facilmente a que abismos isto conduz. É a sensualidade que principia a nascer dentro dos invólucros do sentimentalismo.
Devido ao sentimentalismo, tanto o homem como a mulher se tornaram cada vez menos heróis e mais debilitados para vencer o apelo da impureza.
O vigor primevo cedeu ao desequilíbrio dos sentimentos e das paixões, nascido desse regato originário que foram os trovadores e as novas tendências que eles trouxeram consigo. O regato se transformou numa caudal que levou tudo atrás de si, resultando na terrível crise moral e social que abala o mundo
moderno.[6]
Roguemos a Nossa Senhora a graça de execrarmos o sentimentalismo e praticarmos a virtude da castidade, pois assim nos preparamos para o Reino de Maria que se aproxima.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O perigo começa com a vitória- I. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 14, n. 156 (março 2011), p. 21.
[2] Cf. Idem. O perigo começa com a vitória – II. Ano 14, n. 157 (abril 2011), p. 20.
[3] Cf. Idem. Revolução e Contra-Revolução. 5. ed. São Paulo: Retornarei. 2002, p. 27.
[4] Idem. O início da decadência medieval. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 2, n. 14 (maio 1999), p. 6-8.
[5] Cf. CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. Como ruiu a Cristandade medieval? São Paulo: Edições Brasil de Amanhã, s/d. p. 20.
[6] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. O início da decadência medieval. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano II, n. 14 (maio 1999), p. 6-10.
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