Beato Pio IX
Em 7 de fevereiro de 1878, faleceu o Papa Pio IX, que proclamou os dogmas da Imaculada Conceição e da Infalibilidade Pontifícia, estimulou o florescimento das Congregações religiosas e convocou o Concílio Vaticano I.
Foto: Eduardo Caballero
Redação (06/02/2025 17:34, Gaudium Press) O Papa Pio IX marcou a história da Igreja com o Dogma da Imaculada Conceição; foi o zeloso guardião da ortodoxia, autor do Syllabus e da Encíclica Quanta Cura; convocou o Concílio Vaticano I e declarou a Infalibilidade Pontifícia. Seu pontificado atravessou boa parte do século XIX, obrigando-o a enfrentar com coragem heroica os intrincados problemas de sua época, minada por materialistas e revolucionários das mais diversas gamas.
João Maria nasceu em Senigallia, uma das mais antigas cidades da Península Itálica, no dia 13 de maio de 1792, nos conturbados tempos da Revolução Francesa. Era o segundo filho do Conde Jerônimo Mastai-Ferretti e Catarina Sollazzi, de não menor nobreza.
Era ainda muito menino quando as tropas de Napoleão invadiram a Itália e levaram cativo Pio VI, já ancião de 81 anos. Desde então, a condessa passou a rezar sempre com a família pelo Papa sofredor, e o pequeno João Maria, apesar de sua tenra idade, começou a se interessar pelas notícias do augusto prisioneiro, que chegavam amiúde, e pelas desgraças que pesavam sobre a Igreja nessa época de impiedade e anticlericalismo.
Incapaz de entender a razão pela qual Deus, sendo o Senhor do universo, permitia que seu Vigário na Terra fosse tratado como um malfeitor, indagava à mãe acerca de sua perplexidade e ela lhe respondia com piedade:
— Meu filho, é por isso mesmo que Deus permite que ele seja tratado tal qual foi o próprio Cristo.
Falecido Pio VI no exílio e tomando conhecimento das dificuldades existentes para a realização do Conclave, o menino perguntou à condessa:
— Mamãe, é verdade que não teremos mais Papa?
— Fique tranquilo, meu filho, pois os reis podem morrer e não ser substituídos. Os Papas, porém, jamais acabarão! Tenha confiança. Deus providenciará.
João Maria nunca se esqueceu de tal resposta.
Consagrado a Nossa Senhora desde o berço
Quando completou 12 anos, entrou no Colégio Valterra, na Toscana, dirigido pelos religiosos escolápios. Ali manifestou sua inclinação para o estado eclesiástico, apesar das cruéis provas pelas quais passava a Igreja, ou quiçá por causa delas. No entanto, alguns anos mais tarde, uma terrível enfermidade — a epilepsia — se manifestou no rapaz, e foi declarada pelos médicos como incurável, com um provável fim próximo.
Ora, a Condessa Mastai-Ferretti, além de dar ao filho o nome do Discípulo Amado e de Maria Santíssima, o consagrara à Virgem quando ainda estava no berço: “Adotai-o também, ó minha Mãe, assim como adotaste o discípulo; eu vo-lo consagro, eu vo-lo entrego”. E, Maria Santíssima, como veremos, aceitou com agrado o encargo da fervorosa mãe.
O prognóstico dos galenos não debilitou sua vocação. O jovem partiu para Roma e começou a frequentar o curso de teologia. Algum tempo depois, tendo recebido já as ordens menores, retornou para Senigallia junto com o príncipe Odescalchi, prefeito da corte pontifical, que para lá se dirigia a fim de realizar uma missão. Acompanhavam-nos também Mons. Vicente Strambi, hoje canonizado, e alguns outros sacerdotes.
Aquela missão, durante a qual serviu como catequista, marcou o início dos seus primeiros trabalhos de evangelização. E, longe de prejudicarem sua saúde, as atividades missionárias foram-lhe muito benéficas, pelo que, ao regressar a Roma, o príncipe Odescalchi obteve as autorizações necessárias para que João Maria fosse ordenado diácono em dezembro de1818.
A fim de pedir a Nossa Senhora sua cura completa e imediata, fez uma peregrinação à Santa Casa de Loreto e a partir daquele momento os ataques cessaram completamente. Pouco depois, o Papa Pio VII concedeu-lhe autorização para completar os estudos de filosofia e teologia no Colégio Romano. Em abril de 1819, recebeu a ordenação sacerdotal, com a condição de celebrar o Santo Sacrifício sempre assistido por outro presbítero.
Entretanto, tendo corrido os meses, ousou pedir ao Papa a dispensa de tal incômodo, confiante na graça recebida em Loreto. E, em reposta, o Santo Padre vaticinou: “Sim, queremos fazer-vos esta graça e tanto mais quanto me parece que de ora em diante não sereis atormentado por essa cruel enfermidade”.
De fato, a doença desapareceu completamente, levando-o a declarar que devia a Maria Santíssima “a graça de sua vocação ao sacerdócio e a saúde necessária para subir a tão sublime dignidade”.
Uma pomba branca na carruagem
Depois de ordenado, o padre Mastai-Ferretti teve como primeiro encargo a direção do Instituto Tata Giovanni, onde não só educava e instruía os cem órfãos ali abrigados, como os sustentava com os próprios recursos. Em 1820, o designaram para acompanhar o Arcebispo João Muzzi, nomeado Núncio Apostólico para o Chile, e dura foi a separação daquelas crianças: elas “agarravam-se às vestes, e as que não podiam aproximar-se suplicavam-lhe que não as abandonasse”.
No exercício da nova função, percorreu não só o Chile, como também Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia e Uruguai, e conheceu a fundo a situação da Igreja nessas terras. De volta a Roma, em 1825, recebeu o encargo de dirigir o Asilo de São Miguel.
Com apenas 35 anos foi nomeado Arcebispo de Spoleto, e alguns anos mais tarde Gregório XVI o transferiu para a Diocese de Ímola, o que indicava, segundo os critérios da época, o desejo de criá-lo Cardeal em breve. Tanto em uma quanto na outra, deixou sua marca de pastor zeloso e inúmeros benefícios para seu rebanho.
Com efeito, em 14 de dezembro 1840, Dom João Maria recebia das mãos do Papa o barrete púrpura, junto com o título de Cardeal Presbítero dos Santos Marcelino e Pedro. E, em 1846, com a morte de Gregório XVI, dirigiu-se à Cidade Eterna para participar do Conclave.
Nessa viagem deu-se um fato que vale a pena ser recordado. Ao atravessar Fossombrone, província de Marca, a carruagem que transportava o Cardeal Mastai parou um instante e acercou uma grande multidão, pois nem todos os dias se podia ver um Príncipe da Igreja. De repente, uma pomba branca apareceu, sem ninguém saber de onde, e pousou sobre o teto do coche. O povo tomou esse fato como um bom presságio e começou a aplaudir e a gritar: “Viva! Viva!”. A pequena ave não se assustava, permanecendo tranquila mesmo quando a acossaram com uma vara. As aclamações daquela gente, então, ecoaram profeticamente: “Viva! Viva! É este o Papa!”.
Tinha razão o povo de Fossombrone. A 16 de junho de 1846, o Sacro Colégio o elevava ao Sólio Pontifício.
Pio IX começou seu governo concedendo uma anistia aos fautores de crimes políticos, ato de generosidade que lhe trouxe muitos aplausos, vindos até dos inimigos do papado. Contudo, o filho da condessa, que tanto rezara por Pio VI, não tinha ilusões. Sabia que depois dos Hosanas não tardaria a ouvir o Crucifige, pronunciado pelos mesmos lábios que o ovacionavam naquele momento. “Ai!”, exclamou certa vez, “eu bem conheço, que ao Domingo de Ramos vai seguir-se a semana da Paixão!”
Três horas diárias em adoração
Como todas as almas bem-aventuradas, não deixou Pio IX de ser um homem de profunda vida interior. “Três horas durante o dia leva o Santo Padre de joelhos em adoração ao Santíssimo Sacramento. É aí que bebe as luzes e a força de que carece para administrar a Igreja”, afirma um dos seus biógrafos.
Logo ao romper do dia o Papa celebrava a Santa Missa em sua capela particular, onde ele próprio cuidava da lamparina que ardia perpetuamente ante o tabernáculo. Sua Missa era demorada, e não raro seu rosto se inundava de lágrimas ao ter em suas mãos consagradas o Corpo, Alma e Divindade d’Aquele de quem era o Vigário.
E quando teve de fugir para Gaeta, no reino de Nápoles, depois de ter sido feito prisioneiro no Palácio do Quirinal, levou ao pescoço uma pequena teca com o Santíssimo Sacramento, a mesma fora usada por Pio VI ao ser levado cativo para Valença do Ródano.
Não só a Jesus e a Maria, como também a seu castíssimo esposo, São José, devotava Pio IX uma particular devoção. Seu afeto filial ao pai adotivo de Jesus o levou a instituir sua festa como Patrono da Igreja universal.
Pai que inspira confiança
Mas talvez um dos aspectos da riquíssima personalidade deste Papa que mais convenha salientar, nestas breves linhas, é o da plena confiança que nele tinham os fiéis, como se tem num verdadeiro pai.
Certo dia, um habitante de Monti, bairro vizinho à residência Pontifícia, perdeu o cavalo com o qual ia vender provisões no mercado para manter a família. Sabendo da generosidade do Santo Padre, encaminhou-se ao palácio a fim de perguntar ao Pontífice se lhe poderia doar alguma cavalgadura posta de lado em sua cavalariça.
Pio IX tomou o pedido com naturalidade e até com satisfação, concedendo-lhe não apenas o que pedia, como também duas peças em ouro. “Este homem não deve ser rico”, pensou o Pontífice, “se o fosse, viria procurar um cavalo no Quirinal?”.
Mais uma demonstração de paternal afeto deu-se com um soldado suíço de Lucerna, voluntário do exército pontifício, que ficou ferido de morte trás lutar como um herói em Castelfidardo. Por não ser católico, os inimigos do Papa deram-lhe liberdade de viajar até Roma, aonde chegou em estado lastimável. Ao saber do desejo que o pobre soldado tinha de falar-lhe, Pio IX foi pessoalmente visitá-lo e, estando à sua cabeceira, ouviu dos lábios do bravo militar estas comoventes palavras: “Vou morrer, bem o sinto, Santo Padre, mas morro contente porque estais ao meu lado, e morrendo pela Igreja Católica poderia morrer noutra religião?” O Papa o abraçou, abençoou-o e acolheu-o no seio da Igreja. Ministrou-lhe os últimos Sacramentos e poucas horas depois ele expirou.
Foi como pastor e pai que o Vigário de Cristo terminou seus dias, em 7 de fevereiro de 1878. Seu último ato pontifical, já no leito de morte e prestes a entregar sua alma ao Criador, consistiu numa derradeira bênção para o Colégio Cardinalício e para todo o mundo católico, dada com uma Cruz de madeira que carregava sempre consigo, na qual estava incrustado um fragmento do Santo Lenho.
Quiçá se lembrasse, naquele momento, das palavras de sua saudosa progenitora que tanto o marcaram na infância: “Os reis podem morrer sem ter substitutos. Os Papas, porém, não acabarão senão com o mundo!”. Morria com a fé inabalável na promessa de Nosso Senhor — “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18) —, imbuído da certeza de que as revoluções passam, e embora seus ventos impetuosos sacudam a Barca de Pedro, ela jamais deixará de chegar a bom porto.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 134, fevereiro 2013. Por Ir. Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP.
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