Beato Miguel Rua
Em 6 de abril, a Igreja lembra a memória do Beato Miguel Rua, discípulo e sucessor de São João Bosco, foi exímio propagador da Congregação Salesiana.
Redação (06/04/2025 12:13, Gaudium Press) Turim foi o berço de Miguel Rua. Nascido em 9 de junho de 1837, último fruto das segundas núpcias de João Batista Rua com Joana Maria Ferrero, era o benjamim de uma família de fervorosos católicos, como o atesta seu Batismo, ocorrido somente quarenta e oito horas após seu nascimento.
João Batista era um homem trabalhador, honrado e muito inteligente, motivo pelo qual exercia um bom ofício na Real Fábrica de Armas, em Borgo Dora, pequeno distrito da capital piemontesa. Dentro da própria manufatura, ele conseguiu uma vivenda para sua família. Foi nesse cenário que o pequeno Miguel cresceu e estudou, tendo por professor e catequista um capelão e por companheiros os filhos dos demais operários.
Aos oito anos, o menino já estava pronto para a Primeira Comunhão. Entretanto, uma nuvem veio toldar o céu azul daquela família: em 2 de agosto de 1845, faleceu o exímio pai e fiel esposo. Curiosamente – ou providencialmente! – um mês após a morte de seu progenitor, o jovem órfão conheceu um outro João…
Encontro marcante
O Oratório fundado pelo Pe. João Bosco, dedicado à educação e formação religiosa das crianças pobres, já se tornara conhecido na populosa Turim de então.
Certo dia, Ramón Batista, um companheiro de Miguel na escolinha da Real Fábrica de Armas, levava uma bela gravata que comprara numa festa do Oratório. O fato foi pretexto para um entusiasmado relato a respeito de Dom Bosco, daquele abençoado lugar, dos jogos, dos meninos… E Miguel não hesitou em acompanhar seu amigo no próximo domingo.
Ao chegar, o Santo se aproximou para cumprimentá-lo. Miguel recebeu carinhosas palavras e, logo, o convite para frequentar o Oratório.
Numa ocasião no ano de 1847, o pequeno Miguel, contando apenas dez anos, aproximou-se dele para receber as medalhinhas e estampas que costumava distribuir aos meninos. Dom Bosco, sem pressa em entregá-la, dissimulou não entender o pedido e se limitou a sorrir e brincar, colocando sobre a cabeça do jovem o seu barrete.
Miguel, porém, insistiu:
— Uma estampinha! Uma estampinha, por favor!
Nesse momento, Dom Bosco estendeu uma estampa sobre a palma de sua mão esquerda e com a direita marcou a metade da figura, como se a estivesse cortando, e disse sorrindo:
— Pegue, Miguelzinho, pegue! Nós dois iremos “às meias”!
A cena se repetiu várias vezes, e o jovem Rua se retirava cogitando sobre o que queriam dizer tal gesto e tais palavras…
Primeiro alicerce da fundação salesiana
Desde esses primeiros encontros, São João Bosco discerniu misteriosamente que o pequeno Miguel estava destinado a ser seu principal auxiliador na congregação que viria a fundar. Iniciava-se um relacionamento que duraria para sempre.
Tão logo foi possível, Dom Rua tornou-se o secretário de Dom Bosco, fato que lhe permitiu acompanhar de perto a laboriosa vida de seu pai espiritual. Seu encanto e admiração levavam-no a tomar nota, qual amanuense, de todo feito e palavra dele, de modo que nada escapasse.
Graças a essas anotações pode-se tomar conhecimento de como o grande Santo de Turim, à maneira do Divino Redentor, preocupou-se em delinear a regra salesiana primeiro nas almas e, só depois, no simples papel.
Assim escreveu Miguel Rua em janeiro de 1854, quando ainda era um adolescente: “Reunimo-nos no quarto de Dom Bosco, Rocchietti, Artiglia, Cagliero e eu. Ele nos propôs fazer uma prova de exercício prático da caridade com o próximo. À continuação faremos uma promessa nesse sentido e, depois, um voto. Os que façam esta prova e os que a farão mais tarde, receberão o nome de salesianos”.
Desse modo se iniciou a Congregação Salesiana, e Dom Rua parece ter aberto o caminho aos que passariam no “concurso”. Em 25 de março de 1855, por convite de Dom Bosco, ele fez sozinho os votos de obediência, castidade e pobreza. Oficialmente, a sociedade salesiana acolhia seu primeiro rebento! Sobre aquele rapaz de dezoito anos, o fundador lançava os fundamentos de sua obra.
Cumpre-se à risca o “iremos às meias”
Desde jovem frequentador do Oratório, Miguel recebeu a incumbência, por iniciativa de São João Bosco, de cuidar dos outros meninos. Conforme foi crescendo e se formando, tais responsabilidades não fizeram senão aumentar.
Quando se tratava de reavivar o espírito salesiano em alguma parte, Dom Bosco enviava Dom Rua. Quando era necessário empreender viagem para benefício do instituto, fundar uma nova casa, dar empuxe ou reorganizar as já existentes, também cabia a ele a tarefa. Aos poucos o Santo foi outorgando a seu filho predileto encargos que exclusivamente lhe cabiam como fundador, a fim de mostrar a todos com quem desejava deixar seu bastão de comando.
Dom Rua, por sua vez, dotado de portentosa energia de alma e, sobretudo, de ardente amor ao mestre que Deus lhe havia dado, arcava com tudo numa ilimitada disposição. Desde a primeira missão – a fundação de uma casa salesiana em Mirabello Monferrato, também na região do Piemonte – revelou o segredo que sempre coroaria de êxito todos os seus empreendimentos: “Em Mirabello tratarei de ser Dom Bosco”. E assim o foi!
Dom Rua na consideração de Dom Bosco
“Se o Senhor me dissesse que iria morrer logo e que escolhesse um sucessor, pedindo em seu favor todas as qualidades e virtudes que eu quisesse, asseguro-te que não saberia o que pedir a Deus, porque tudo isso vejo que já tem Dom Rua”. Com essas palavras se exprimiu o carismático fundador dos salesianos, quando seu discípulo contava somente trinta anos.
É portentoso que um fundador possa fazer tais afirmações de um membro de sua família espiritual. Deus galardoou o grande Dom Bosco dando-lhe não só um filho, um seguidor, um discípulo, um amigo, mas como que um “outro ele mesmo”.
Personalidade do Beato Miguel Rua
Por mais que Dom Rua fosse aclamado por seus contemporâneos como um outro Dom Bosco, algumas de suas características pessoais eram distintas das de seu mestre. Nesse sentido, sua missão consistiu também em completá-lo. Com efeito, a distinção entre ambos não os separou, mas os uniu, com vistas à realização do desígnio de Deus em relação a eles e à obra salesiana.
Unânime é o reconhecimento acerca das qualidades de Miguel Rua: homem de nobre caráter, de retidão de consciência, de agudíssima inteligência e prodigiosa memória, de talento organizador, mas, sobretudo, de alma humilde e transbordante de fé.
Seu semblante era sorridente, sua presença discreta, seu ânimo perpetuamente sereno. Seu coração, no entanto, era ardente e seus horizontes muito largos! A capacidade que tinha de dominar e levar a bom termo uma série de empreendimentos ao mesmo tempo, dava-lhe saliente nota de determinação.
Também era manifesto seu bom humor, inclusive nas horas mais difíceis. Em 2 de abril de 1910, por exemplo, estando a quatro dias da morte – e, portanto, em grave estado e provavelmente sofrendo atrozes dores –, Dom Rua perguntou aos que o assistiam:
— Quando eu morrer, onde me colocareis?
Confundidos pela incômoda indagação, o diretor espiritual da congregação, Dom Pablo Álbera, respondeu:
— Nós não pensamos nisso. Estamos pedindo por vossa cura e para que continueis fazendo todo o bem que fazeis.
Dom Rua insistiu, mas, compreendendo o embaraço que causava ao seu interlocutor, explicou gracejando:
— Fiz essa pergunta para saber, quando chegue o Juízo Universal, onde devo ir recolher as minhas pobres cinzas. Pode ser que eu me dirija a um lugar onde não as encontre, e comece a dar voltas de um lado para o outro…
Assim era Dom Rua: tão diferente e, ao mesmo tempo, tão outro João Bosco!
Um vínculo que até a morte respeitou
Estamos em 1868. A célebre Congregação Salesiana se expande, os trabalhos só aumentam e a afluência de membros do instituto por ocasião da inauguração da Igreja de Maria Auxiliadora é imensa. Dom Rua não se encontra bem de saúde. Fazendo pouco caso da doença, cumpre normalmente suas obrigações, sempre repetindo a frase que se tornou famosa em seus lábios: “Tudo para o Senhor! Seja feita sua santa vontade!” Um dia, no entanto, a enfermidade dá indícios de ganhar o duelo: ele parece prestes morrer, e seu pai espiritual está ausente.
Ao saber da grave situação daquele filho tão dileto, Dom Bosco afirma quase em tom jocoso: “Dom Rua, não parte sem minha permissão”. E vai tranquilamente jantar. Após isso, dirige-se ao leito do enfermo, que pede com voz fraca:
— Dom Bosco, dai-me sem demora a vossa bênção e os Santos Óleos, porque chegou meu último momento.
— Tranquiliza-te! Pensas ir sem minha autorização? Muitas coisas te restam ainda a fazer.
Como insiste o enfermo, repete:
— Acalma-te, meu filho, pois bem sabes que Dom Rua nada fará sem o consentimento de Dom Bosco.
Contra toda humana esperança, a doença desapareceu. Aos poucos, o vigor físico voltou ao discípulo, que logo pôde retomar sua operosa rotina por mais quarenta e um anos.
Dom Rua faleceu em 6 de abril de 1910, com setenta e dois anos. Após assumir a direção da Congregação Salesiana em 1888, ele viu seus membros aumentarem de pouco mais de setecentos para quatro mil, espalhados em trinta e três países.
Texto extraído, com adaptações, da Revista Arautos do Evangelho n. 256, abril 2023. Por Ir. Mariana de Oliveira, EP.
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