Basílica de Cluny
Os homens formam para si ambientes à sua imagem e semelhança, ambientes em que se espelham seus costumes e sua civilização. E os ambientes formam à sua imagem e semelhança os homens, os costumes, as civilizações.
Redação (25/10/2022 10:18, Gaudium Press) No final do século XI, um abade de um mosteiro da França, tendo ficado paralítico, foi acolhido na Abadia de Cluny. Certa noite, ele teve uma visão do Apóstolo São Pedro o qual lhe ordenou dizer ao superior – Santo Hugo – que providenciasse a construção de uma grande igreja. E acrescentou: “Se obedeceres a essa ordem sereis curado; caso o superior não a cumprir ele ficará paralítico”.
Obra prima da arte românica
Em seguida, São Pedro mostrou ao enfermo a figura do templo, indicando as respectivas medidas, e afirmou que não se preocupassem com as despesas, pois Deus concederia os donativos necessários. Era o ano de 1089.
Tão logo conheceu essa mensagem, Santo Hugo, conforme o projeto indicado pelo Apóstolo, iniciou a construção da Basílica cuja grandeza e pulcritude marcaram a História. O arquiteto foi um monge de Cluny.
Bispos, reis, príncipes, nobres e integrantes do povo acorreram com doações, seus braços e animais de carga.
Em 1131, a Basílica ficou concluída e foi dedicada pelo Papa Inocêncio II. Era a maior igreja de toda a Terra: 125 metros de comprimento e 37 metros de largura; possuía cinco naves, duas torres com 43 metros de altura cada uma. Foi a “obra prima da arte românica”.[1]
Formados pelos monges de Cluny, escultores confeccionaram belas imagens que ornamentavam o templo, ajudando assim a piedade dos fiéis.
Importância dos ambientes
Toda pessoa é influenciada pelo ambiente no qual se encontra, como explica Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.
“Os homens formam para si ambientes à sua imagem e semelhança, ambientes em que se espelham seus costumes e sua civilização. Mas a recíproca também é verdadeira em larga medida: os ambientes formam à sua imagem e semelhança os homens, os costumes, as civilizações.
“Em pedagogia, é isto trivial. Mas valerá só para a pedagogia? Quem ousaria negar a importância dos ambientes na formação dos adultos; formação, dizemos com toda a propriedade, pois nesta vida o homem, em todas as idades, tem de se dedicar ao esforço de formar-se e reformar-se, preparando-se assim para o Céu, que é só onde cessa a nossa marcha para a perfeição”.[2]
A missão da arte consiste em retraçar esse ambiente, de maneira que as pessoas trilhem o caminho do bem e sejam levadas para o Paraíso. Essa é a verdadeira arte inspirada na Igreja, enquanto que a Revolução gnóstica e igualitária faz o contrário, ou seja, cria ambientes que instigam o mal e conduz as almas por uma rampa que desemboca no Inferno.
Diferenças entre o estilo clássico e o românico
Para se compreender bem o estilo românico, devemos compará-lo com o estilo grego, ou clássico, que o precedeu.
As construções gregas possuem solidez, mas não o aspecto de fortaleza. Dir-se-ia que o estilo grego tem a preocupação de fazer esconder a força do prédio sob o aspecto da leveza, da elegância.
A coluna grega é, o quanto possível, esguia, lembrando o tronco de uma palmeira. As colunas e todo o prédio românico têm algo das paredes de uma fortificação, e dá ao espírito uma ideia de luta a qual de nenhum modo está presente no aspecto da perfeição do universo que o edifício grego quer sustentar e manifestar.
Por exemplo, olhando para o Parthenon – o famoso monumento construído em Atenas –, ninguém poderá dizer: “Oh, que luta!”
Ao se considerar uma construção românica tem-se a impressão de um homem que carrega um peso sério, preocupações árduas, mas que pela ajuda da graça divina ele tem força para enfrentar as dificuldades e tocar para frente.
Mas nasce o vitral, o qual introduz em tudo isso uma certa forma de beleza, a qual completa aquela carranca do prédio românico com algo semelhante à louçania.
O edifício românico é muito “pensativo”, “preocupado”. As cores do vitral românico, embora não exprimam a alegria, falam de uma espécie de maravilhosa doçura, a qual se liga intimamente com a meditação em Deus do homem cansado, que encontra o bem-estar da consolação; é propriamente o consolo cristão.
Do românico surgiu o estilo gótico. A fim de compreendermos a superioridade deste sobre aquele, Dr. Plinio esclarece:
“Para o homem desolado que entra em um edifício de estilo românico, este parece dizer afetuosamente: ‘Sente-se, eu vou ajudá-lo no seu sofrimento.’ O gótico como que diz o contrário: ‘Tome rápido contato comigo que seu sofrimento passa logo. Eu o levo para as regiões do Céu.’ São os braços de Deus que se baixaram para elevar o homem. É como uma mãe que se inclina sobre uma criancinha com dificuldade de andar e a suspende[3].
O belo no mundo medieval
Analisando-se as obras medievais: as igrejas, os mosteiros, os castelos, as casinhas dos camponeses, as armaduras dos cavaleiros, as iluminuras elaboradas pelos copistas etc., percebe-se que exprimiam o belo. Como surgiu esse desejo da pulcritude?
“Há um estado de espírito inicial a partir do qual nasce uma série de critérios para ver e analisar as coisas, rejeitar umas e aceitar outras, e depois batalhar contra umas e a favor de outras, construir algumas e demolir outras. […]
“O que chamo aqui estado de espírito?
“É a inocência vista na posição tomada por ela quando contempla as mais altas verdades que é chamada a contemplar. Mas é um estado de alma tranquilo, sereno, uma espécie de matriz fundamental, central, da qual parte todo o resto. […]
“Esse estado de espírito foi o ponto de partida da Idade Média, a qual foi ela mesma na medida em que cavalgou, rezou, lutou, construiu rumo a isso. E tudo o que contemplamos de belo no mundo medieval se reduz a esse estado de espírito […]
“Então, a armadura do cavaleiro, a coroa de um rei, o pulchrum de uma aldeia, a estabilidade de uma corporação, a majestade de um castelo, enfim qualquer coisa medieval é um dos estados de espírito secundários, derivados deste grande estado de espírito central.
“E julgo que este estado de espírito viveu e se expandiu a partir de Cluny. E mais remotamente a partir da pessoa de São Bento”.[4]
A Revolução Francesa, movida pelo ódio ao bem, à verdade e à beleza, destruiu a Basílica de Cluny bem como os edifícios adjacentes.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos tempos bárbaros. São Paulo: Quadrante. 1991, v. II, p. 591.
[2] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. In Catolicismo. Campos dos Goytacazes, janeiro 1954.
[3] Idem. Arquetipização. In revista Dr. Plinio. São Paulo. Ano XXII, n. 259 (outubro 2019), p.35.
[4] Idem. Inocência e estado de espírito. In revista Dr. Plinio. São Paulo. Ano XVI, n. 180 (março 2013), p. 24,26,27.
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