Balduíno IV e a Batalha de Montgisard
No século XII, estando as Cruzadas em decadência, Jerusalém teve um rei que, embora conduzido aos combates numa liteira por ser leproso, causou pânico aos maometanos: Balduíno IV.
Redação (05/08/2023 16:14, Gaudium Press) “Os primeiros Cruzados – afirma Dr. Plinio Corrêa de Oliveira – eram varões inspirados por uma grande Fé. Mas começaram a se misturar com eles homens que faziam a guerra santa preocupados em obter o brilho que, na opinião pública do Ocidente, lhes alcançaria uma participação heroica nas Cruzadas. […]
“E facilmente até promovia o indivíduo na escala nobiliárquica, que era a escala de ascensão política, social e econômica naquele tempo. De maneira que havia um interesse humano, conjugado com o interesse sobrenatural em ser Cruzado.
“Com o declínio da influência da Religião, os Cruzados interesseiros foram se tornando mais numerosos do que os autênticos, legítimos, que o eram por verdadeiro espírito de Fé. Com isso, as Cruzadas foram se tornando guerras de conquista, para que os combatentes obtivessem reinos e feudos.”[1]
Sagrado rei aos treze anos de idade
Balduíno IV foi um varão que não se deixou macular por esses erros, mas só teve em vista a glória de Deus.
Tendo seu pai, Amauri I, falecido em julho de 1174, ele foi sagrado rei aos 13 anos de idade. Forte, de bela fisionomia e inteligência atilada, teve como preceptor Guilherme de Tiro, o qual posteriormente foi Arcebispo de Tiro – no atual Líbano –, Chanceler do reino e famoso historiador das Cruzadas.
Duas vezes derrotou Saladino
Certo dia, Balduíno brincava de batalha com alguns filhos de nobres; enquanto estes gritavam quando feridos, ele não dizia uma só palavra. O fato se repetiu várias vezes e, então, ficou constatado que o pequeno rei estava leproso.
Explica Dr. Plinio:
Naquele tempo, “o leproso [era] considerado a abominação dos homens. (…) Uma vez declarada leprosa pela autoridade competente, a pessoa era levada pela família à igreja, ficava deitada num caixão de defunto e o padre recitava sobre ela orações especiais, declarando-a afastada do convívio social.
“Era conduzida, então, dentro do caixão aberto, em cortejo até o leprosário próximo. Depunham o caixão às portas do leprosário, e todos iam embora. Ali moravam apenas leprosos e um ou outro padre, freira, ou leigo de alma heroica, que lá viviam para ajudar aqueles desventurados.”[2]
O regente Raymond III de Tripoli assinara um tratado de paz com Saladino, famigerado guerreiro maometano que dominou o Egito, a Síria e outras regiões do Oriente.
Balduíno, quando completou 15 anos, obteve a maioridade segundo a lei da época e anulou aquele tratado, pois conhecia as intenções malévolas de Saladino. Logo depois, este atacou localidades cristãs. O Rei de Jerusalém partiu contra o agressor e o derrotou; isso ocorreu por duas vezes.
Prosternado diante do Santo Lenho
Em novembro de 1117, Saladino comandou 50.000 homens com o objetivo de tomar Jerusalém. Balduíno, com apenas 380 cavaleiros – dos quais 80 eram templários dirigidos pelo Grão-mestre –, fez um grande contorno a fim de investir contra a retaguarda do chefe muçulmano.
Chegando a Montgisard – colina perto da Cidade Santa, em cujo topo havia um castelo –, os cavaleiros católicos se assustaram, vendo o grande número dos inimigos.
O heroico rei leproso desceu do cavalo, prosternou-se com o rosto na areia diante do madeiro da verdadeira Cruz, conduzido pelo Bispo de Belém, e derramando lágrimas começou a rezar. Então, seus soldados juraram não recuar e bradaram que era traidor quem voltasse atrás.
Circundando o Santo Lenho, os cavaleiros católicos, liderados pelos monges templários e emitindo em alto volume sons parecidos aos latidos de cães, se lançaram com tal ímpeto contra os maometanos que os puseram em fuga; Saladino salvou a própria pele graças à rapidez de seu cavalo.
Um socorro inesperado veio completar a sua vitória: todos os prisioneiros que os muçulmanos traziam amarrados, aproveitando-se da confusão geral, quebraram suas ligaduras e os atacaram. A derrota dos maometanos foi total. E Balduíno perdeu apenas cinco cavaleiros.
A ajuda divina nessa batalha foi patente. A Santa Cruz tomou grandes proporções, elevou-se no firmamento e, durante o combate sob um Sol ardente, protegeu os católicos com sua sombra. E um misterioso cavaleiro trajado de branco – certamente São Jorge –, desferia com sua espada terríveis e elegantes golpes contra os maometanos.
Comentou Dr. Plinio:
“Só com trezentos combatentes, com um corpo chagado e leproso, ele [Balduíno] teve, entretanto, a graça de receber um sopro do Espírito Santo para si e para os seus, e alcançar essa vitória extraordinária. Um dos mais belos feitos da Civilização Cristã!”[3]
Apesar da proliferação da lepra em seu corpo, Balduíno continuava a lutar heroicamente contra os inimigos da Igreja. Não podendo mais caminhar, era conduzido por uma liteira e causava pânico nos pagãos; em seguida, perdeu a visão.
Pedido de socorro ao Ocidente
Não podendo se casar devido à terrível doença, Balduíno IV se preocupava a respeito de quem seria seu sucessor. Sua irmã Sibila, que era viúva, contraiu matrimônio, em 1180, com Guy de Lusignan, um nobre francês carente das qualidades necessárias para exercer o governo.
Tendo concordado que Lusignan se tornaria regente, Balduíno o destituiu desse cargo, em 1183, porque ele se recusou a combater Saladino.
Pouco depois, a fim de impedir que após sua morte Guy ocupasse o trono, Balduíno IV designou seu sobrinho – um menino, filho póstumo de Sibila com seu anterior esposo, Guillaume Longue Epée de Montferrat – como sucessor. Sagrado rei com o título de Balduíno V, ele morreu em 1186, aos nove anos de idade.
Face à gravíssima situação da Cidade Santa, ameaçada de cair sob a férula de Saladino, Balduíno IV enviou uma embaixada ao Ocidente, chefiada pelo Patriarca de Jerusalém e pelos Grão-mestres dos Templários e dos Hospitalários, a fim de pedir socorro militar.
Em 16 de março de 1185, o heroico Balduíno IV entregou sua bela alma a Deus. Tinha 24 anos. Até os infiéis lhe tributaram homenagens.[4]
“Foi rei digno de São Luís, um santo, um homem (…) a quem nenhuma desgraça chegou a destruir o vigor da alma, as convicções, a altivez, as qualidades de coração, o senso da responsabilidade.”[5]
Roguemos-lhe sua ajuda nas lutas contra os inimigos da Igreja, muito piores do que os existentes em sua época.
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Balduíno IV, o protótipo do católico – I. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano 21, n. 245 (agosto 2018), p. 15.
[2] Idem, ibidem, p. 15-16.
[3] Idem, ibidem, p. 19.
[4] Cf. BORDONOVE, Georges. Les Templiers. Paris: Arthème Fayard, 1977, p. 108-111.
[5] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Op. cit., p. 17.
Deixe seu comentário