Austeridade taciturna, biliosa e estreita de Savonarola
Em plena Renascença, um padre dominicano, Jerônimo Savonarola, instaurou em Florença uma ditadura religiosa. Quem lhe opusesse resistência era considerado herege.
Foto Wikipedia
Redação (15/02/2025 10:25, Gaudium Press) Jerônimo Savonarola, filho de burgueses, nasceu em 1452 na cidade de Ferrara – Norte da Itália. Tendo estudado Filosofia e Teologia, ficou maravilhado pelos escritos de São Tomás de Aquino.
Aos 22 anos, sem avisar seu pai, mudou-se para Bolonha e integrou-se no convento dos dominicanos. Escreveu-lhe, então, uma carta, dizendo que não suportava a degradação na qual o mundo estava mergulhado; não queria viver no meio de porcos. E concluiu: “Alegrai-vos com esta honra incomparável, que vosso filho seja o cavaleiro de Jesus Cristo”.
Ordenado sacerdote, em seus sermões combatia rijamente os maus costumes. Dessa forma, atuava contra a Revolução tendenciosa a qual, através dos trajes, das maneiras, da linguagem, da literatura, da arte e do anelo crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos, ia produzindo progressivas manifestações de sensualidade e moleza.[1]
Ele certamente foi chamado a ser um homem providencial. Entretanto, como se verá, renegou sua vocação. Deixou-se arrastar pelo orgulho que, juntamente com a sensualidade, é uma das principais causas da Revolução.
Rei da França invadiu Florença
Posteriormente, transferiu-se para o Convento de São Marcos de Florença, em cujas paredes internas havia maravilhosas pinturas do Beato Angélico, que ali vivera pouco tempo antes.
Seus sermões na Catedral Santa Maria del Fiore atraiam multidões, destacando-se célebres artistas. Pico della Mirandola, indivíduo riquíssimo e um dos criadores da Cabala cristã, foi seu fervoroso discípulo; morreu envenenado, aos 31 anos de idade.
Era baixo, magro, de traços cavados e lábios espessos. Enquanto falava, um estranho rubor invadia seu rosto pálido, os olhos lançavam chamas e, à sua volta, semelhantes às asas de uma ave noturna, esvoaçavam as mangas de seu hábito de dominicano.
Em 1494, o monarca da França Carlos VIII, intitulando-se rei de Nápoles e de Jerusalém, invadiu a Itália e estava nas cercanias de Florença. Savonarola afirmou que ele era um novo Ciro que deveria ser bem acolhido. Fazia alusão a Ciro, o Grande, que reinou de 559 a 530 a. C. e libertou os judeus do cativeiro da Babilônia.
O governador de Florença, Pierre II de Médicis, fez com o Rei da França um acordo pelo qual os habitantes deveriam pagar imensa fortuna para obterem a liberdade.
Isso produziu violento tumulto. Pierre e seu irmão – que era cardeal e depois se tornou papa, sob o título de Leão X – fugiram da cidade.
Carlos VIII entrou em Florença, com seu numeroso exército. Alguns habitantes se dirigiram ao convento São Marcos e pediram o socorro de Savonarola. O frade conversou com Carlos VIII que perdoou a dívida e foi para outras regiões.
Propugnador da igreja miserabilista
Aclamado por multidões, ele impôs em Florença uma ditadura governada, dizia, por Jesus através de seu profeta… Quem lhe resistisse seria considerado herege. Foi precursora do regime instaurado em Genebra, cinco décadas depois, por Calvino, padre francês herege.
Criou grupos de jovens que andavam pelas ruas e censuravam os pecadores públicos, as mulheres de má vida e as que se apresentavam com lábios pintados.
Mandou que se fizesse enorme fogueira na principal praça de Florença, onde foram queimados livros, pinturas e esculturas lascivos, objetos de enfeites femininos etc.
Em seus sermões, criticava os belos adornos das igrejas, as cerimônias solenes, os cálices de ouro, o órgão e os cânticos grandiosos.[2] Ou seja, odiava o esplendor do culto divino que conduz a Deus e propugnava pela igreja miserabilista.
Excomungado, revoltou-se contra o papa
Nossa Senhora apareceu-me, afirmou ele certo dia, e declarou que Deus castigaria a Roma infiel. E acrescentou: “Alexandre VI é a abominação da abominação”.
O papa não se importunou e até mesmo desejou nomeá-lo cardeal… Entretanto, os ataques ao papado continuaram e, em 1495, Alexandre VI ordenou-lhe ir a Roma para dar explicações, mas ele não obedeceu.
Num sermão na Catedral, disse que Alexandre VI não era mais papa devido a sua vida devassa, e pediu um concílio para depô-lo. Logo depois houve um motim na igreja.
O pontífice o excomungou e declarou que lançaria o interdito sobre Florência, caso Savonarola não fosse entregue à Justiça. Pelo interdito, não mais se celebraria Missas públicas nem se ministraria os sacramentos na cidade.
Ele pediu a prova do fogo para atestar, segundo dizia, a origem divina de sua missão. Tal ato estava proibido pela Igreja. Enorme monte de lenha foi erguido na praça principal, mas, logo após atearem fogo, caiu uma chuva torrencial dispersando a multidão.
Em abril 1497, os cinco principais de Florença, submissos a Savonarola, foram presos e executados na cadeia; no dia seguinte, colocaram seus corpos na praça pública.
Dois meses depois, o decreto de sua excomunhão foi lido em todas as igrejas. E nas pregações ele renovou seus ataques ao papa e redigiu textos incendiários.
Representante da demagogia e da revolta
Um grupo de pessoas importantes invadiu o Convento de São Marcos. Devido a alguma resistência, o sangue correu; por fim, levaram para a prisão Savonarola e dois frades seus sequazes. Todos os outros o renegaram.
Alexandre VI enviou dois comissários a Florença a fim de instaurar um tribunal; um deles era o Superior geral dos dominicanos. Tendo sido condenados à morte, houve uma cerimônia de degradação eclesiástica realizada por um bispo: a cada veste sacra retirada, o prelado dizia: “Seja expulso da Igreja de Deus, militante e triunfante!”
Por fim, em 23 de maio de 1498, foram entregues ao braço secular que os enforcou, queimou e lançou suas cinzas no Rio Arno.
Lutero, fundador do protestantismo, teceu diversos elogios a Savonarola.[3]
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira comentou que os revolucionários derramam lágrimas pelas vítimas da Inquisição espanhola que, em sua maioria, foram militantes da Revolução. Entretanto, elogiam ruidosamente Savonarola que representava a demagogia e a revolta.
São Luís Maria Grignion de Montfort, como ardoroso pregador da austeridade cristã genuína, nada tinha da austeridade taciturna, biliosa e estreita de um Savonarola ou um Calvino. Ela era suavizada por uma terníssima devoção a Nossa Senhora.[4]
Por Paulo Francisco Martos
Noções de História da Igreja
[1] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 10. ed. em português. São Paulo: Associação Brasileira Arautos do Evangelho. 2024, p.36.
[2] Cf. WEISS, Johann Baptist. Historia Universal. Barcelona: La Educación. 1919, v. VIII, p. 569.
[3] Cf. DARRAS, Joseph Epiphane. Histoire Génerale de l’Église. Paris: Louis Vivès. 1883, v. 31, p. 559-560; 1884, v. 32, p. 197-227. DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja da Renascença e da Reforma (I). São Paulo: Quadrante. 1996, v. IV, p. 219-225.
[4] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. In Catolicismo. Campos dos Goitacazes. Setembro 1960; Apóstolo da mediação universal de Maria. In Dr. Plinio. São Paulo. Ano XII, n. 134 (maio 2009), p. 15.
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