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As diatribes do frade

A “Carta Aberta aos Bispos do CELAM”, um texto de quatro páginas escrito por Frei Clodovis Boff, antigo expoente da Teologia da Libertação, causa grande surpresa e interesse.

Clodovis Boff

Redação (26/06/2025 08:52, Gaudium Press) O conhecido teólogo Frei Clodovis Boff, irmão de Leonardo Boff (outro pensador de renome), acaba de remeter uma “carta aberta aos bispos do Celam”. Na verdade, a referida carta dirige-se a todos os bispos, máxime à cúpula da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ou melhor dizendo, a substanciosa missiva de quatro páginas constitui verdadeiro repto a toda comunidade católica, para profundo exame de consciência.

As críticas do frade, construtivas na minha opinião, tocam pontos bastante fulcrais da atividade pastoral da hierarquia da Igreja Católica em nosso país.  Antes de citar aqui partes do texto, é mister contextualizar o assunto.

Frei Clodovis Boff é um dos próceres da Teologia da Libertação, teólogo respeitadíssimo em âmbito internacional, autor de vastíssima bibliografia especializada. No entanto, sempre se manteve rigorosamente afinado com o Magistério da Igreja, evitando quaisquer ingerências marxistas na análise teológica ou outros lapsos.  Tanto assim que, anos atrás, para desgosto de muitos colegas, denunciou um grave desvio da dita Teologia da Libertação, demonstrando, em artigo científico, que “colocaram o pobre no lugar de Jesus”. De fato, a reflexão teológica naturalmente deve partir sempre do que sabemos a respeito de Deus.

Mas, afinal de contas, o que escreveu Frei Clodovis Boff aos bispos? Aqui alguns excertos que pincei da mencionada carta:

“Os senhores, bispos do CELAM, repetem sempre a mesma cantilena: social, social e social. E isso há mais de cinquenta anos (…) Caros irmãos maiores, não veem que essa música já cansou? Quando é que nos darão boas-novas de Deus, de Cristo e do seu Espírito? Da graça e da salvação? (…) Da piedade para com a Mãe do Senhor e de outros temas semelhantes? Enfim, quando é que vão nos mandar uma mensagem verdadeiramente religiosa, espiritual? (…) Vem-me aqui à mente a palavra de Cristo: ‘Os filhos pedem pão e vós lhes dais uma pedra’ (Mt 7, 9). O próprio mundo secular está farto da secularidade e parte em busca da espiritualidade! (…) Queridos irmãos bispos, permitam que lhes pergunte: para onde é que os senhores querem levar a nossa Igreja? (…) É, portanto, hora, e mais que hora, de tirar Cristo da sombra e remetê-lo em plena luz (…) Queridos bispos, há muito tempo vejo consternado repetidos sinais de que nossa amada Igreja está correndo um perigo realmente grave: o de alienar-se de sua essência espiritual, para dano de si mesma e do mundo”.

Deveras, afirmar que “o próprio mundo secular está cansado da secularidade” não implica tão somente belo recurso retórico, mas parece corresponder à realidade, pelo que se vê hoje em dia: a busca do transcendental, sob vários aspectos.

De qualquer forma, soa estranho que numa situação de queda vertiginosa do número de católicos (de 65,1% a 56,7%, conforme o último censo do IBGE), a próxima Campanha da Fraternidade (CF), em 2026, abordará outro problema social, a moradia, e não uma temática estritamente religiosa. Só faltava colocarem o lema “Minha casa, minha vida”. Com efeito, as questões socias integram a missão evangelizadora, contudo, não prevalecem sobre o componente espiritual. Neste ponto, Frei Clodovis Boff, na aludida carta, outrossim lança relevante admoestação: “Para os clamores sociais, estão aí o governo e as ongs”.

De fato, o ilustre frade tem toda razão: nós temos uma sociedade civil organizada, capaz de resolver esses problemas. E acrescenta: “O próprio Brasil se encaminha para ser o maior país ex-católico do mundo, no dizer de um conhecido escritor patrício”.

As imprecações de Frei Clodovis Boff, lídimo exercício da sinodalidade e também do direito-dever de manifestar as preocupações com os destinos da Igreja (cânon 212, §3º), quiçá resultem em revisão das linhas pastorais, com ênfase maior no espiritual, como procedem as outras crenças, atendendo-se, destarte, ao anseio da maioria dos católicos, igualmente “fartos de secularidade”.

A íntegra da carta aberta pode ser lida aqui: https://drive.google.com/file/d/1nAedQVwB9we8qSfpMr-Q71x6s301iUa2/view

Por Edson Luiz Sampel

Professor do Instituto Superior de Direito Canônico de Londrina.

Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª Subseção da OAB-SP.

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