Aparições de La Salette: Senhora, por que chorais?
Na tarde de 19 de setembro de 1846, dois pastores viram uma Senhora de resplandecente beleza. Ela não ocultava as lágrimas. O que as provocava?
Redação (18/09/2024 19:43, Gaudium Press) Nos alpes franceses, Maria Santíssima dignou-Se aparecer sob o dolente aspecto de Mater Lacrimosa a dois cândidos pastores, provenientes de uma aldeia próxima a Grenoble. Seu majestoso semblante não ocultava as abundantes lágrimas que Lhe escorriam até a altura dos joelhos, desfazendo-se em faíscas de luz. Parecia até que a espada de dor cravada na alma da Rainha dos Mártires durante a Paixão apunhalava novamente seu peito ao contemplar Ela o desamor de incontáveis filhos, manifesto na aberta violação da Lei de Deus, e o terrível castigo que sobreviria sobre o mundo pecador.
Seria uma aberração na ordem da natureza que um filho permanecesse indiferente ao angustiante apelo de uma boa mãe. O Espírito Santo, inclusive, admoesta a não ficarmos impassíveis ante o gemido materno (cf. Eclo 7, 29). Mas tratando-se da Mãe das mães, qual deve ser a nossa postura? “Seria compreensível ver chorar uma mãe, e uma tal Mãe, sem empregar todos os meios imagináveis para consolá-La, para mudar suas dores em alegria?”, concluiu Mélanie, a pequena vidente.
Consolar a Embaixatriz Celeste! Terá sido esta a atitude da humanidade desgarrada diante dos apelos contidos na mensagem e segredos por Ela transmitidos?
Sobre o “paraíso”, aparece a Santíssima Virgem
Na ensolarada manhã de 19 de setembro de 1846, Mélanie Calvat, de quatorze anos, e Maximin Giraud, de onze, conduziam o gado para as pastagens montanhosas de La Salette. Não imaginavam que Deus lhes escolhera, apesar de simples pastorzinhos, para serem porta-vozes da Rainha dos Profetas diante dos homens!
Curiosamente, ambos se haviam conhecido na véspera da aparição, quando certo homem da redondeza obteve do pai de Maximin autorização para que ele substituísse um de seus empregados enfermo. Foi-lhe indicado, dada a sua completa ignorância neste ofício, que seguisse uma experiente pastora da região.
O menino logo estabeleceu amizade com a inocente Mélanie e, após cuidarem dos animais, pediu para brincar. A distração escolhida foi construir um dito “paraíso”, que consistia numa casinha de pedras recoberta de flores. Soava o Angelus enquanto ambos amontoavam pedregulhos e colhiam plantas campestres multicolores para, depois de uma refeição frugal, darem início à obra. Esta era formada por um andar térreo reservado aos dois e um andar superior inundado de florzinhas, arranjos e ramos, que era propriamente o “paraíso”. Esta pueril edificação consumiu-lhes longo tempo de trabalho, após o qual adormeceram sobre a relva.
Quando Mélanie despertou, quis logo verificar a boa ordem do rebanho e, tranquilizada ao comprovar que estava seguro, voltou-se para a pequena construção. Neste momento, viu-a resplandecente de luz e apenas conseguiu exclamar: “Maximin, estás vendo? Oh, meu Deus!”
Aquele fora o pedestal escolhido pela Soberana dos Céus para transmitir suas comunicações celestiais. A tarde já ia avançada e na mesma hora a Igreja celebrava, seguindo o calendário litúrgico da época, as primeiras vésperas da festa de Nossa Senhora das Dores.
Bondade e beleza supremas
A bela Senhora dos Alpes apareceu sentada com a cabeça entre as mãos, num aspecto embebido de sobrenatural. Mélanie assim A descreve: “Possuía um olhar doce e penetrante; seus olhos pareciam conversar com os meus, mas esse diálogo vinha de um profundo e vivo sentimento de amor por aquela arrebatadora beleza que me fascinava. A doçura de seu olhar, seu ar de inexplicável bondade, faziam compreender e sentir que atraía a Si e queria dar-Se; era uma expressão de amor que não se pode exprimir com a língua humana nem com as letras do alfabeto”.
Seu vestido branco-prateado era ornado por um avental cor amarelo-ouro; contudo, descreve a vidente, “não havia nada de material: ele era composto de luz e de glória”. A régia coroa, feita de rosas celestes, espargia raios dourados. No pescoço, preso a uma corrente, pendia o símbolo da Redenção: uma cruz dourada com Nosso Senhor resplandecente que às vezes parecia morto; outras, manifestava-Se com a cabeça erguida e os olhos abertos, e até mesmo querendo falar. Ladeando o crucifixo, estavam dois instrumentos da Paixão: um martelo e uma tenaz. Possuía ainda uma corrente mais larga formada por cintilantes raios de glória e muitas outras rosas perfiladas que ornavam-Lhe o vestido.
“Vinde, meus filhos, não tenhais medo. Estou aqui para vos anunciar uma grande notícia”, foram as palavras iniciais com que a Santíssima Virgem introduziu seu discurso profético, enquanto começava a verter copiosas lágrimas.
Dor pelos pecados da humanidade
“Se meu povo não quer se submeter, vejo-Me obrigada a soltar a mão de meu Filho. É tão grave e tão pesada que não consigo mais retê-la”. Com esta lamentação Nossa Senhora revelava a necessidade de suas constantes súplicas para aplacar a cólera divina, mas condoía-Se porque os homens as tomavam com total indiferença: “Há quanto tempo sofro por vós! Se quero que meu Filho não vos abandone, vejo-Me na contingência de rezar a Ele constantemente. E vós não vos importais. Por muito que rezeis, por muito que façais, nunca podereis compensar-Me as agruras que assumi por vós”. E denunciava como causa da indignação divina a violação do preceito dominical e os pecados de blasfêmia em que o povo reincidia com leviandade.
“Se a colheita se perde, é unicamente por vossa culpa”. De fato, naqueles anos as batatas estragaram e o trigo esfarelou-se depois de ceifado, causando imenso dano para os camponeses. Mas, mesmo depois desse severo sinal de repreensão da Providência, não houve emenda de vida. Por isso, novos e maiores castigos assolariam a população nos anos seguintes, indicando o caminho da contrição: “Haverá uma grande carestia. Antes que ela chegue, as crianças menores de sete anos sofrerão um tremor e morrerão nos braços daqueles que as carregam; os outros farão penitência pela fome. As nozes se tornarão ruins, as uvas apodrecerão”.
Estes vaticínios, dirigidos sobretudo aos campônios da época, verificaram-se com precisão dali por diante, desde a perda do trigo, das nozes e dos vinhedos, até a mortandade de milhares de crianças. Em seu conjunto, estas calamidades foram um sinal do poder de Maria sobre os acontecimentos, convidando seus filhos a crerem nas predições de alcance universal que Ela passaria a fazer.
Crise na Igreja, no clero e na vida religiosa
Como Mãe do Corpo Místico de Cristo, Nossa Senhora derrama sobre ele os tesouros de seu amor e de seu zelo, para que cumpra a missão de guiar os povos rumo à salvação conquistada pelo Sangue redentor. Ora, o seu maternal Coração, comparável a um sacrário onde a luz jamais se obscureceu ou a um templo onde a desordem nunca entrou, ao ver a Santa Igreja precipitar-se numa crise sem precedentes na História, sofre o indizível. Selada pela promessa de imortalidade, resplandecente na alma dos justos e gloriosa na Jerusalém Celeste, a dura realidade de seu eclipse em meio à sociedade humana arranca da Virginal Senhora gemidos de aflição.
Voltando-se para Maximin, Maria Santíssima quis transmitir-lhe um segredo. Previu para o século XIX o avanço do mal em todos os países, em proporções nunca antes vistas, e o início de uma grande perseguição à Igreja, na qual os bons expiariam com seus sofrimentos o mal que fizeram ou não combateram com a devida firmeza. Ao fim de muitas lutas se estabeleceria na terra a única Religião: a do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
A menina, que não ouvira as palavras pronunciadas ao seu companheiro, começou também a receber uma revelação: “Mélanie, o que quero dizer-te agora não será sempre segredo; poderás publicá-lo em 1858”. E Nossa Senhora passou então a delinear o quadro de decadência da Igreja visível na pessoa de seus presbíteros e religiosos. Esta grei escolhida, chamada a empunhar a tocha do fervor entre os fiéis, trairia em grande medida a sua missão e seria responsável pela decadência de toda a sociedade.
Eis algumas palavras de Nossa Senhora: “Infelizes os sacerdotes e as pessoas consagradas a Deus, que por sua infidelidade e por sua má vida, crucificam novamente meu Filho! Os pecados das pessoas consagradas a Deus clamam ao Céu e pedem vingança, e eis que a vingança está às suas portas, pois não se encontra mais ninguém que implore misericórdia e perdão para o povo; não há mais almas generosas, não há mais pessoas dignas de oferecer a Vítima Imaculada ao Eterno em favor do mundo”.
Ainda em tom muito grave, Ela apontou o descuido da oração e da penitência por parte dos que governam a Igreja e como o demônio teria permissão para estabelecer divisões em todas as sociedades e famílias. Deus abandonaria os homens a si mesmos e estes pouco a pouco perderiam a fé, inclusive os religiosos.
Como consequência, a derrocada se estenderia da esfera espiritual para a temporal: “A totalidade dos governantes civis terão os mesmos objetivos: abolir e fazer desaparecer todo princípio religioso para deixar campo ao materialismo, ao ateísmo, ao espiritismo e a toda espécie de vícios”, até que o mundo termine imerso num terrível caos, no qual “só se verão homicídios, ódio, invejas, mentira e discórdia, sem amor pela pátria nem pela família”.
Vinda dos castigos e conclamação dos apóstolos dos últimos tempos
Algumas das profecias assinalavam os respectivos anos e diziam respeito ao próprio século XIX. Contudo, aos poucos a Virgem de La Salette deixou de fixá-los numa cronologia e passou a anunciar fatos mais distantes daquela quadra histórica, relacionados com os anteriores e apresentados por Ela como sua consequência lógica. Por esta razão, a mensagem completa é hoje, sem dúvida, providencialmente atual.
Tempos virão, disse Nossa Senhora, em que “as montanhas e a terra inteira tremerão de espanto, porque as desordens e os crimes dos homens atravessam a abóbada do Céu”; o mundo será castigado com toda espécie de pragas, conflitos, catástrofes naturais e os maus se congregarão para governá-lo, enquanto a generalidade dos homens, esquecendo-se de Deus, “pensará unicamente em se divertir”. Nesse contexto convulsivo, a Igreja atravessará dias de provas ainda mais terríveis. “Os lugares santos estão corrompidos”, disse Maria Santíssima, e mesmo “Roma perderá sua fé”…
Em meio à desolação generalizada, Ela fez uma convocatória aos seus filhos eleitos desta época, para que pregassem a verdade por todo o orbe: “Eu dirijo um urgente chamado à terra. Convoco os verdadeiros discípulos do Deus vivo e reinante nos Céus. […] Chamo a meus filhos, meus verdadeiros devotos, […] aqueles que, por assim dizer, levo em meus braços; aqueles que vivem de meu espírito. Convoco, enfim, os apóstolos dos últimos tempos […]. Ide e mostrai-vos como meus filhos queridos. Eu estou convosco e em vós, contanto que vossa fé seja a luz que vos ilumine nesses dias de infortúnio”. E, após profetizar um enfrentamento definitivo entre as forças da luz e das trevas, do qual São Miguel Arcanjo sairia vencedor, ditou uma regra de vida para os mencionados apóstolos.
Proferidas essas impactantes admoestações, a Santíssima Virgem voltou-Se para as crianças. Quis indagar sobre as orações diárias de ambas e o estado do trigo na região, que já começava a se corromper. Suas últimas palavras foram um estímulo para que Mélanie e Maximin propagassem a mensagem: “Pois bem, meus filhos, transmitireis isto a todo o meu povo”. Em seguida, caminhou alguns passos, olhou detidamente para cada um e começou a elevar-Se, desaparecendo aos poucos em meio à intensa luz que A cercava.
Não desprezemos suas palavras!
De tal forma aquela Senhora atraía as duas crianças, que de bom grado elas abandonariam tudo para gozar de sua companhia. Mas a missão de difundir a profecia apenas começava e lhes acarretaria ao longo de toda a vida as mais duras calúnias, perseguições e um incompreensível isolamento.
“Isto é muito duro! Quem o pode admitir?” (Jo 6, 60), foi o que disseram vários dos discípulos de Jesus em Cafarnaum, ante a revelação do sacrossanto mistério da Eucaristia. Sob o perigo de incorrermos nessa mesma recusa, peçamos a Nossa Senhora de La Salette a graça de sermos contados entre o número dos que A aceitam, consolam e acompanham nos dias da Paixão da Santa Igreja, aguardando com total fidelidade a sua gloriosa ressurreição!
Texto extraído, com adaptações, da revista Arautos do Evangelho n. 273, setembro 2024. Por Ir. Maria Angélica Iamasaki, EP.
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