Amar ou ser amado?
O que é mais importante, amar a Deus ou sermos amados por Ele? Alguém poderá dizer que o mais importante é amar a Deus, pois é o que ordena o primeiro mandamento. Será que esta é a resposta correta?
Redação (03/08/2020 09:00, Gaudium Press) Sem pretender ditar a cátedra teológica, iremos nos aproximar respeitosamente desta ciência maravilhosa, confiantes de que seremos beneficiados por conhecer um pouco mais a Deus… o mistério desconhecido por excelência!
Vamos ver, o que é mais importante, amar a Deus ou sermos amado por Ele?
Essa é uma pergunta que quase ninguém faz assim, de forma crua. Uma vez formulada, surge imediatamente uma resposta na ponta da língua sem maiores reflexões: o mais importante é amar a Deus, não é isso que ordena o primeiro mandamento?
Ser amado por Deus é infinitamente superior a amá-lo
Mas não, não é assim. É um erro crasso pensar que é mais importante amar a Deus do que ser amado por Ele! Basta levar alguns momentos para pensar, se dar conta e concluir que ser amado é superior, infinitamente superior, a amá-lo. Tudo o que existe é fruto do amor de Deus; um amor gratuito que não foi condicionado por mérito algum de ninguém. Além disso, “Ele nos amou primeiro” (1 João 4, 19).
Da mesma forma, o amor de Deus infunde bondade. Basta que Deus ponha seus olhos sobre uma criatura e se interesse por ela; Basta que Deus “pense” -digamos assim- em algo, que aquilo se beneficia e se enobrece. Todo o universo existe porque é mantido em seu ser pelo amor de Deus. E se Ele, por absurdo, deixasse de apoiar as coisas criadas, elas retornariam ao nada.
O que vale para todos os seres, vale especialmente para os homens, criados à imagem e semelhança de Deus. Ainda que estes não correspondam ao amor de Deus, Ele não se cansa de amá-los, e “descansa” ao ver uma correspondência ao Seu amor infinito, por menor que seja. “Deus é amor” (1 João 4, 8) e todas as suas obras são amor, pois criar, conservar, resgatar, santificar e glorificar, é amar.
O amor de Deus pede uma resposta
Acontece que o amor de Deus pede uma resposta, porque “o amor com amor se paga”, diz a máxima. Nossa resposta, Deus aguarda com ânsia até o último momento da vida de suas ingratas criaturas.
Portanto, amar a Deus também é importante! Mas menos do que ser amado por Ele.
Outra forma gráfica de expressar isto, do amor recebido e correspondido, é imaginar o ser humano aqui na terra, onde realmente estamos, e a Deus no paraíso celestial, à nossa espera. A mesma pergunta do início pode ser formulada de maneira diferente: o que vale mais, o amor que desce ou o amor que sobe?
A resposta é: o amor que desce, torrencial, difusivo e fecundo, é infinitamente mais valioso do que o amor que sobe… contra a lei da gravidade e de nossa miséria congênita.
“Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3, 16). E São Paulo nos diz outra verdade equivalente: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a lei, para resgatar aqueles que estavam sob a lei, para que recebêssemos a adoção filial” (Gálatas 4, 4/5). Puro amor.
Nossa dignidade vem do fato de sermos amados por um Deus que, não apenas nos criou sem nossa ajuda, mas também nos redimiu sendo culpados e, além disso, nos espera no céu, onde nos preparou uma magnífica morada eterna que, com imprecisão de linguagem, chamamos de “recompensa”. Puro amor.
Encarnação: gesto supremo do amor divino
Agora, se é verdade que a Encarnação, o gesto supremo do amor divino, ocorreu há dois mil anos, não é menos verdade que a Eucaristia é como uma continuação da Encarnação que é operada cada vez que o pão e o vinho são consagrados na Missa, ao atualizar-se o mistério da Redenção. É o mesmo Jesus de Belém que se “encarna” no pão para dar-se em alimento. Puro amor.
A Eucaristia é mais uma prova, caso faltassem provas, da absoluta superioridade do amor que desce sobre o amor… eventual que nem sempre sobe. Jesus na Hóstia Santa se faz presente em todos os altares e tabernáculos da Terra, para nos fazer companhia, nos dar sua amizade e nos beneficiar. Puro amor.
A propósito da Eucaristia, é uma exigência fazer subir nosso amor agradecido. Como podemos passar “direto” diante do mistério eucarístico, esse sinal patente e constante de um Deus que se entrega aos homens por puro amor?
Anunciando que em breve ele instituiria a Eucaristia, Jesus disse em Cafarnaum: “Eu sou o pão vivo descido do céu” (João 6, 51). Mais uma vez, a ideia do amor que desce. E antes de dar-nos seu Corpo como alimento e memorial de seu amor na Última Ceia, o Evangelista narra que “havendo Jesus amado aos seus, que estavam no mundo, os amou ao extremo” (João 13, 1). A palavra “extremo” sugere o que é excessivo, ilimitado, exagerado, inimaginável, superlativo, descomunal… inefável. Pois assim é o amor com que Deus nos ama.
A Eucaristia é a demonstração mais esplendorosa do amor que Deus nos oferece
Assim é esse Deus de amor, que não se contentou em imolar-se por nós e permanecer na Eucaristia; Jesus resolveu, também, nos divinizar através da comunhão sacramental! Na realidade, a Eucaristia não é, como dissemos, “mais uma prova” do amor de Deus. É a demonstração mais esplendorosa, genial e terna do amor gratuito que Deus nos tributa como melhor dos amigos.
Portanto, tendo em vista as magnificências do Amor infinito, do qual Maria Santíssima participa recebendo-o e comunicando-o, não se tem o direito de pensar em uma contradição como essa de que é mais importante amar do que sermos amados.
Sobre o tema, ainda faltou dizer algo crucial: é preciso deixar-se amar!
Mairiporã, Brasil, agosto de 2020
Por Padre Rafael Ibarguren EP – Assistente Eclesiástico das Obras Eucarísticas da Igreja
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho
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