Aborto: um ataque à vida nascente
Chegar a ver a luz nem sempre é privilégio de todos. Após conceber, várias mães tiram a vida de seus filhos.
Redação (19/11/2020 17:06, Gaudium Press) O aborto está se tornando cada vez mais comum em nossos dias, favorecido pela discrição com que é praticado, pela facilidade de acesso aos medicamentos que o provocam, pela confusão moral em que se encontram as consciências, pelo eufemismo de linguagem que oculta a sua real natureza homicida, pela laicidade das leis, e por diversos outros fatores psicológicos, materiais e sentimentais que se fazem presentes.
A Santa Igreja, longe de fechar seus olhos às dificuldades de seus filhos, aponta a solução para seus problemas, não de acordo com uma concepção otimista da vida, mas sim, de acordo com os ditames da razão e da moral, impressos por Deus nas almas.
Visando apresentar a temática do aborto, voltaremos nossos olhos para os problemas relativos à origem da vida, que podem ser considerados os mais delicados e complicados, pois atacam seres humanos ainda indefesos que dependem totalmente do arbítrio de seus progenitores.
A origem do problema
A origem da vida humana implica uma série de complicações sobre o ponto de vista moral, especialmente nos tempos atuais, em que os homens não respeitam os sagrados valores da família católica, segundo os quais os pais devem estar unidos por um vínculo matrimonial indissolúvel, visando a geração e a educação da prole e a mútua ajuda. Por isso, se multiplicam as dificuldades relativas à origem da vida humana, uma vez que a união entre os pais não é duradoura – para não dizer que se baseia apenas num hedonismo desenfreado – os filhos, que muitas vezes não são considerados como tais, não tem a menor possibilidade de vir à luz.
O ato de união entre o homem e a mulher não pode ser considerado como um meio de obter o prazer sensual, pois implica uma série de responsabilidades, inclusive de ordem humana, que só podem ser cumpridas mediante uma constituição sólida da família. O erro maior está em separar o ato próprio do matrimônio de sua dimensão real; ou seja, a geração de filhos, dentro de um lar, para a constituição de novos filhos de Deus, pelo futuro batismo que hão de receber.
Uma vez que a consideração a respeito do fruto gerado da união entre um homem e uma mulher não tem o mesmo valor que a Igreja sempre ensinou, são praticados atos que impossibilitam, impedem ou interrompem a concepção, muitos dos quais só podem ser efetuados mediante técnicas médico-cirúrgicas, que surgiram nos tempos contemporâneos.
O cerne da questão do aborto
“Deus não fez a morte, nem se alegra que pereçam os vivos” (Sab. 1, 13). “O primeiro direito de uma pessoa humana é a sua vida. Ela tem outros bens e alguns deles são mais preciosos; mas este — da vida — é fundamental, condição de todos os demais”.[1] Essa é a razão que impede a prática de um homicídio, seja ele contra um homem maduro, uma criança, um ancião, ou um ser humano que está nos seus primeiros dias de vida. Por isso, interromper a origem da vida é atentar contra o bem mais importante de um ser humano, donde advém a gravidade do aborto, especialmente quando ele é praticado por aquela que é chamada a dar a vida a outro ser, e não a tirar a vida fruto de seu ventre.
Assim, o aborto é definido como “a morte deliberada e direta, independentemente da forma como é realizada, de um ser humano na fase inicial da sua existência, que vai da concepção ao nascimento.”[2]
“O aborto como o infanticídio são crimes nefandos”.[3]
Compreender e aceitar que o aborto como um ataque à vida que já está se desenvolvendo no útero materno é fácil, por isso, o cerne do problema está no tempo anterior à implantação que transcorre da fecundidade até a consolidação do embrião no décimo quarto dia de sua existência.
Afirmam os especialistas que essa é a etapa da vida humana que mais corre perigo, e a razão é patente: há opiniões que sustentam que o zigoto ainda não é uma pessoa, e por isso pode ser manipulado e até eliminado, segundo um capricho da vontade humana. Disso decorre que nela se centram problemas tão importantes como a regulação da fecundação humana, a procriação assistida, a clonação humana, o diagnóstico genético pré-implantacional, os bebês-medicamentos, etc.
Alguns chegam a denominar “pré-embrião” o zigoto que foi gerado e ainda não se implantou no útero. Essa teoria se funda em que o zigoto ainda não tem viabilidade de se alimentar, por isso, não é ser humano. Assim, qualquer manipulação desse ser biológico antes da implantação no útero é eticamente admissível, pois não estariam atuando em um ser humano em desenvolvimento, mas no que eles denominam pré-embrião. Entretanto o zigoto tem possibilidade de se alimentar no material contido no citoplasma do óvulo, que naturalmente foi proporcionado pela mãe. Portanto, “a definição legal de pré-embrião não é mais que uma ficção legal, um artifício linguístico, que não tem nenhum fundamento científico”.[4]
O que diz a Igreja?
O que a Igreja define a respeito disso? Pode ser manipulado esse ser gerado e ainda não implantado no útero materno ou isso é também aborto?
O tema do aborto é razão de discussões intermináveis, pois abrange o âmbito da ciência, que está em constante desenvolvimento, apresentando sempre novas descobertas. Porém, no que diz respeito à moral, os princípios são sempre os mesmos e permanentes. O problema está em saber quando se constitui a pessoa humana, mas por se tratar de uma questão filosófica e moral, cabe a Igreja dar essa resposta:
“Não pertence às ciências biológicas dar um juízo decisivo sobre questões propriamente filosóficas e morais, como são a do momento em que se constitui a pessoa humana e a da legitimidade do aborto. Ora, sob o ponto de vista moral, isto é certo mesmo que porventura subsistisse uma dúvida concernente ao facto de o fruto da concepção ser já uma pessoa humana: é objetivamente um pecado grave ousar correr o risco de um homicídio. ‘É já um homem aquele que o virá a ser’”.[5]
“O fruto da geração humana, desde o primeiro momento da sua existência, isto é, a partir da constituição do zigoto, exige o respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano na sua totalidade corporal e espiritual. O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida.” [6]
Dar nome às coisas
Atualmente, a dicotomia que há entre os conceitos religiosos e civis tende a aumentar a confusão moral nas mentes e a amortecer o impacto que certos atos ilícitos provocariam numa consciência ilustrada.
Tenta-se, muitas vezes, tirar os nomes próprios às coisas para camuflar os sentimentos, e assim abafar as consciências. Mas quem mata é assassino, independentemente da idade ou condição daquele que foi morto. Há uma verdadeira campanha atual em abrandar os termos linguísticos com os quais são denominados esses atos, trocando a palavra aborto por “interrupção da gravidez”, utilizando-se de um termo que se aplica a uma interrupção natural, sem concurso direto da mãe, e por isso não culposa, a fim de amortecer o impacto na consciência moral das pessoas. O mesmo se aplica ao tornar cada vez mais discreto e simples o ato do aborto, pelo uso de pílulas, sem necessidade de intervenção cirúrgica numa clínica especializada.
“Diante de tão grave situação, impõe-se mais que nunca a coragem de olhar frontalmente a verdade e chamar as coisas pelo seu nome, sem ceder a compromissos com o que nos é mais cômodo, nem à tentação de autoengano. A propósito disto, ressoa categórica a censura do Profeta: « Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal, que têm as trevas por luz e a luz por trevas » (Is 5, 20). Precisamente no caso do aborto, verifica-se a difusão de uma terminologia ambígua, como « interrupção da gravidez », que tende a esconder a verdadeira natureza dele e a atenuar a sua gravidade na opinião pública. Talvez este fenômeno linguístico seja já, em si mesmo, sintoma de um mal-estar das consciências.”[7]
Cabe notar que nos tempos atuais, tem-se verdadeira ojeriza ao ato de matar, em função da gravidade de tirar a vida de alguém, mesmo quando seja em legítima defesa; porém se aprova e até se estimula que uma mãe, aquela que gerou um fruto no seu próprio seio, seja a mesma assassina que tire aquela vida inocente[8].
Conclusão
Há uma lei moral impressa indelevelmente na alma de cada homem, mesmo que se procure ocultá-la. Porém, dada a decadência oriunda do pecado original, é difícil e às vezes até heroico ser fiel aos ditames que ela impõe. Toda a sociedade hodierna está voltada para o esquecimento dessa lei e propaga sua extinção. Ademais, a própria constituição humana está cada vez mais frágil, as pessoas se deixam influenciar pelo que a opinião pública pensa, independentemente da sua concordância com a moral.
Entretanto, o maior dom que Deus concedeu ao homem, ao criá-lo por puro amor, foi o dom da vida, por ser ele um reflexo da vida divina. Cabe aos filhos de Deus apreciar esse dom e empregar todo o esforço necessário para defendê-lo, mesmo que custe muito sofrimento.
Assim se exprime a doutrina católica a respeito dos sofrimentos que envolvem a temática do aborto, defendendo sempre os princípios mais fundamentais:
“É verdade que, muitas vezes, a opção de abortar reveste para a mãe um carácter dramático e doloroso: a decisão de se desfazer do fruto concebido não é tomada por razões puramente egoístas ou de comodidade, mas porque se quereriam salvaguardar alguns bens importantes como a própria saúde ou um nível de vida digno para os outros membros da família. Às vezes, temem-se para o nascituro condições de existência tais que levam a pensar que seria melhor para ele não nascer. Mas estas e outras razões semelhantes, por mais graves e dramáticas que sejam, nunca podem justificar a supressão deliberada de um ser humano inocente”.[9]
A Santa Igreja se compadece maternalmente de seus filhos apontando sempre a verdade a respeito do sofrimento: os homens estão aqui de passagem, de maneira que os sofrimentos são verdadeiros auxílios para promover a santificação, burilando a alma de toda malícia, proveniente dos pecados cometidos, e aplainando os caminhos para a vida futura, no Céu. Mesmo o Homem-Deus quis sofrer para deixar o exemplo. Apenas por meio da perfeita aceitação das dificuldades que os homens sofrem nessa vida é que eles podem se assemelhar a Deus, e conquistar o Céu.
Lembremo-nos que nunca alguém é provado acima de suas próprias forças; a medida do sofrimento é própria de cada um. E, ademais, o mesmo Filho de Deus que sofreu por nós, quis nos deixar a sua Mãe, como nossa mãe, a fim de nos socorrer em nossas fraquezas.
Por Odair Ferreira
Bibliografia
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo atual. 7 de dezembro de 1965.
CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre o aborto provocado: De aborto procurato, 18 de novembro de 1974.
CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação: Donum vitae, 22 de fevereiro de 1987.
JOÃO PAULO II, Evangelium vitae, 25 de março de 1995.
LUCEA, Justo Asnar (coord). La vida humana naciente. Madrid: BAC, 2007.
[1] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. De Aborto Procurato, 11.
[2] Cf. JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, 58.
[3] Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et Spes, 51.
[4] Cf. LUCEA, Justo Asnar (coord). La vida humana naciente. Madrid: BAC, 2007. p. 29. (Tradução pessoal).
[5] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. De Aborto Procurato, 13.
[6] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Donum Vitae, I – O respeito aos embriões humanos.
[7] JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, 58.
[8] JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, 58: “A gravidade moral do aborto provocado aparece em toda a sua verdade, quando se reconhece que se trata de um homicídio e, particularmente, quando se consideram as circunstâncias específicas que o qualificam. A pessoa eliminada é um ser humano que começa a desabrochar para a vida, isto é, o que de mais inocente, em absoluto, se possa imaginar: nunca poderia ser considerado um agressor, menos ainda um injusto agressor! É frágil, inerme, e numa medida tal que o deixa privado inclusive daquela forma mínima de defesa constituída pela força suplicante dos gemidos e do choro do recém-nascido. Está totalmente entregue à proteção e aos cuidados daquela que o traz no seio. E todavia, às vezes, é precisamente ela, a mãe, quem decide e pede a sua eliminação, ou até a provoca.”
[9] Cf. JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, 58.
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