A ressurreição de Lázaro e um convite à confiança
O grande amor de Jesus para com aquela família de Betânia tornava incompreensível sua aparente indiferença perante a enfermidade de Lázaro. Mas quando Deus tarda em intervir, é por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância.
Redação (25/03/2023 18:00, Gaudium Press) São João escreveu seus vinte e um capítulos com a preocupação de tornar demonstradas, pelos fatos, tanto a origem divina da doutrina de Jesus quanto a onipotência de sua Pessoa.
Além de encontrarmos elevados aspectos sobrenaturais através dos quais melhor conhecemos o Salvador em suas duas naturezas, nesta narração de São João se confirma seu estro literário. Ela é bela, atraente e comovedora, constituindo-se como única em seu gênero.
Consagra historicamente os preciosos detalhes de um dos mais importantes milagres de Jesus, que Lhe conferiu uma grande glória — levando à crença um bom número de judeus —, e, ao mesmo tempo, produziu o máximo grau de ódio nos seus inimigos, a ponto de apressá-los em seus intentos deicidas. Este episódio, tão pervadido de pulcritude divina e humana, será a causa imediata da fúria do Sinédrio e consequente determinação da morte de Jesus.
Encontro de Jesus com Marta e Maria
“Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro d’Ele. Maria ficou sentada em casa. Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas mesmo assim eu sei que o que pedires a Deus, Ele To concederá” (Jo 11,19-22).
O luto era observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames. As visitas não pronunciavam nenhuma palavra, pois essa iniciativa cabia apenas aos parentes dos falecidos. O convívio, nessas circunstâncias, era silencioso.
Assim permaneceu Maria por não ter ideia da chegada de Jesus à aldeia, enquanto Marta foi ao seu encontro a fim de Lhe noticiar todo o ocorrido.
Marta era mais dada à administração, às relações sociais etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por tal motivo, Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido”, pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus. Maria, por sua vez, repetirá pouco depois exatamente essa mesma frase, permitindo-nos perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.
Ressurreição de Lázaro
“De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra” (Jo 11,39).
Diferentemente de outros túmulos, o de Lázaro era escavado em rocha não no sentido horizontal, mas sim, no chão e na vertical. Para se chegar ao local onde haviam depositado o corpo de Lázaro, precisava-se descer um bom número de degraus. Ao redor do sepulcro, estavam todos em forte expectativa, pois os antecedentes prognosticavam um portentoso acontecimento.
Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias” (Jo 11,39).
Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra!”. Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, já cheira mal”. Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (cf Jo 11,39).
Belíssima oração a de Nosso Senhor; com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas digo isto por causa do povo que Me rodeia, para que creia que Tu Me enviaste” (cf Jo 11,42).
Por um simples desejo seu, a lápide teria voltado ao nada e Lázaro surgiria à porta do sepulcro, rejuvenescido, limpíssimo e perfumado. E como era conveniente constar aos olhos de todos a potência de suas ordens, “exclamou com voz forte: ‘Lázaro, vem para fora!’” (cf Jo 11,43).
Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto.
“Desatai-o e deixai-o caminhar” (Jo 11,44), é a última voz de comando do Divino Taumaturgo.
Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; apenas a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria”.
Escapa à liturgia de hoje a traição de alguns que, seguramente indignados, “foram aos fariseus e lhes contaram o que Jesus realizara” (Jo 11, 46), levando o Sinédrio a decretar sua morte (cf. Jo 11, 53), matéria esta considerada com quanta profundidade ao longo da Semana Santa.
Um convite à confiança
Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé. Esta liturgia nos convida a uma confiança maior que a do centurião romano, ou seja, é preciso crer em Jesus com um ardor marial. Se a Santíssima Virgem estivesse ao lado das irmãs, decerto — além de lhes aconselhar a aguardarem com paz de alma a chegada de seu Divino Filho — recomendaria a ambas que procurassem fazer “o que Ele vos disser” (Jo 2,5).
Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).
Extraído, com adaptações, de:
CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2012, v. 1, p. 233-247.
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