A origem da escrita – Parte I – A escrita cuneiforme
O aparecimento da escritura foi um fator que impulsionou de forma surpreendente o desenvolvimento das diversas culturas e civilizações da Idade Antiga. Foi a partir de seu nascimento que o ser humano começou a deixar impressos os fatos que ocorriam ao seu redor.
Redação (01/11/2022 09:34, Gaudium Press) Não é tão incomum encontrarmos pessoas que padecem de problemas de memória. Quando aprendem uma nova informação, facilmente se esquecem das anteriores…Ora, várias técnicas permitem que tal deficiência seja suprida: existe o método da repetição, ou o de estabelecer correlações na imaginação; mas nenhum desses métodos é tão utilizado quanto a escrita.
Há um adágio que diz “verba volant, scripta manent” – as palavras voam, mas os escritos permanecem. É por isso que o surgimento da escrita foi um fator de tão grande importância: ele permitiu que os acontecimentos históricos não desaparecessem da “memória” da humanidade.
O aparecimento da escritura marcou de forma surpreendente o desenvolvimento das diversas culturas e civilizações da Idade Antiga. Foi a partir de seu nascimento que a evolução das sociedades se acelerou, e o ser humano começou a deixar impressos os fatos que ocorriam ao seu redor.
Resta saber como esta arte surgiu e qual é a sua história.
Para conhecer o seu lento desabrochar, é necessário voltar um pouco no tempo, a uma era e a um mundo assaz diferentes do atual.
Nas origens da escrita, o sistema cuneiforme
Nas terras da Ásia Ocidental, localizadas na encruzilhada da Europa, Ásia e África – chamadas de Oriente Próximo – há uma região que ficou conhecida como Mesopotâmia, nome derivado de uma contração de dois vocábulos gregos (μέσω = entre e ποταμός = rios), por estar situada entre os rios Tigre e Eufrates (atual Iraque e leste da Síria). Aí foram encontrados, no quarto milênio antes de Cristo, por volta do ano 3.200 a. C., os primeiros escritos de que se tem notícia, e estavam todos em “cuneiforme”.
Este sistema de escrita foi, provavelmente, obra do Império Sumério que se localizava no sul da Mesopotâmia. Recebeu o nome de “cuneiforme” pelo fato de ser gravada com incisões triangulares que são marcadas por uma cunha. Pouco a pouco, os povos vizinhos perceberam a praticidade deste sistema de codificação do próprio idioma por meio de sinais cunhados em pedra ou barro cozido, e acabaram adotando-o e adaptando-o cada um para as suas línguas, de maneira que, já no segundo milênio a. C., o cuneiforme se havia propagado por todo o Oriente Próximo. O grande Império Assírio, Babilônico e o Persa utilizaram esta forma de escrever.
“Em suas origens, a escritura cuneiforme não era senão um sistema de escritura pictográfico, isto é, cada sinal era um desenho de um ou vários objetos concretos e representava uma palavra cujo significado era idêntico. No entanto, pela necessidade de dispor de um elevado número de sinais, o que o convertia em um sistema pouco ágil para seu uso prático, os escribas sumérios, pouco mais tarde, reduziram o número de sinais e o submeteram a certos limites por meio de vários recursos, entre eles – o mais importante – o de substituir valores ideográficos por outros fonéticos”.[1]
Um peregrino italiano chamado Pietro della Valle, foi um dos pioneiros a noticiar algo sobre esta enigmática escrita. Um explorador e médico alemão, Engelbert Kaempfer (1651-1716), foi o responsável por nomeá-la de “escrita cuneiforme”, sendo esta um dos principais expoentes de seu estudo. Deve-se também muito a Casten Niebuhr (1733-1815), que, estando em viagem ao Oriente Médio como explorador a serviço do rei da Dinamarca, trouxe ao Ocidente notícias confiáveis a respeito dos objetos daqueles antigos países. Mas a decifração desta escrita é, propriamente, um trabalho dos séculos XIX e XX.
Hamurabi e seu importante código de leis
Entre os escritos mais famosos compostos em escrita cuneiforme se encontra o grande código de Hamurabi.[2] Por mais que os sumérios tivessem já seu conjunto de leis, não as possuíam organizadamente. Isto fez Hamurabi, colecionando os textos legislativos e adaptando-os à sua era. Todo este trabalho durou anos a fio, e ficou concluído somente ao cabo de seu reinado (por volta de 1750 a. C.). Gravado numa pedra de diorito, que media aproximadamente 2,25 m de altura por 55 cm de largura, e constituído de 282 parágrafos, este código aplica em muitas de suas sentenças a lei de Talião, popularmente conhecida pela frase “olho por olho e dente por dente”.
O exemplo mais patente é encontrado no §196: “Se um homem arrancar o olho de outro homem, o olho do primeiro deverá ser arrancado”. Punia-se também o crime de furto com a pena de morte, se o roubo fosse um objeto do palácio real ou do templo (§6). Conforme as circunstâncias, o que tentou roubar e não obteve êxito recebia a mesma pena de morte de acordo com o §21: “quem abrir uma brecha na parede de uma casa, deverá ser morto e sepultado diante da brecha”.
Sem dúvida, são métodos rudes, primitivos e cruéis, sobretudo por estarmos acostumados à uma perspectiva cristã de vida. Mas é preciso lembrar que, na antiguidade, não era incomum as pessoas serem assim tratadas. Na própria Lei Mosaica, se encontram muitos castigos que se assemelham a estes, promulgados por Hamurabi.[3] Isto era assim necessário por causa da dureza dos corações dos homens daquela época que, com frequência, só seguiam o reto caminho quando eram guiados pelo temor.
Também figuram, entre o número dos escritos cuneiformes famosos, outros exemplos como a “Epopeia de Gilgamesh”, uma das primeiras obras literárias de que se tem conhecimento, e a grande pedra do Beishtún – inscrição realizada sobre uma muralha na província de Kermanshah, no noroeste do Irã, e que é uma proclamação dos feitos de Dario I da Pérsia.
Por João Pedro Serafim
[1] NOAH KRAMER, Samuel. La historia empieza en Sumer. Madrid: Alianza editorial, 2017, p.373 (trad. pessoal).
[2] Hamurabi foi o sexto soberano da primeira dinastia do império da Babilônia
[3] Veja-se, por exemplo: Ex 21, 1-25; Lv 20, 1-15; Nm 1, 51; Dt 21, 18-21.
Deixe seu comentário