A medalha de São Bento: Um exorcismo cunhado em medalha
A devoção à medalha de São Bento se espalhou com rapidez pela Europa católica, sendo considerada pelos fiéis como seguríssima defesa contra as investidas infernais.
Redação (10/07/2024 09:53, Gaudium Press) “Nada pudemos contra aquele lugar!”, confessaram algumas feiticeiras encarceradas pela autoridade pública de Nattremberg, Baviera, no ano de 1647, sob a acusação de terem praticado malefícios contra os habitantes da região. No processo que se seguiu à prisão, elas declararam que suas perversas maquinações não obtinham êxito contra lugares em que a Santa Cruz de Cristo estivesse suspensa ou ainda mesmo oculta no chão. E tal era, certamente, o caso da invulnerável abadia de Metten.
Investigadores foram, então, visitar o mosteiro beneditino com o objetivo de consultar os monges a respeito de tal particularidade. Após acurada observação, as
autoridades notaram muitas representações da Sagrada Cruz nas paredes da abadia, sempre acompanhadas de caracteres enigmáticos cujo sentido perdia-se nas brumas do passado, e que ninguém mais sabia decifrar.
Consultando a biblioteca monacal, encontraram um antigo evangeliário, datado de 1415, onde desenhos realizados a bico de pena por um monge anônimo retratavam São Bento revestido de sua cogula monástica, trazendo na mão esquerda um bastão encimado por uma cruz e na direita uma flâmula, em que se decifravam aqueles misteriosos caracteres: “Crux sacra sit mihi lux. Non draco sit mihi dux – A Cruz Sagrada seja a minha luz. Não seja o dragão o meu guia”. Era a primeira evidência conhecida daquela devoção que a piedade popular propagaria por todo o mundo até os dias de hoje: a medalha de São Bento.
Origem de uma tradição
De fato, após tais acontecimentos o fervor dos católicos a respeito da poderosa medalha cresceu de modo vertiginoso. Partindo da Alemanha, onde foi primeiramente cunhada, ela se espalhou com rapidez pela Europa católica, sendo considerada pelos fiéis como seguríssima defesa contra as investidas infernais.
A Santa Sé viu-se logo impelida a apoiar esse providencial movimento da graça e, em 12 de março de 1742, o Papa Bento XIV assinou o breve que ratificava o uso do piedoso objeto e concedia-lhe favores e indulgências. Tendo se difundido muitas variantes da medalha ao longo dos tempos, em 31 de agosto de 1877 o Beato Pio IX distinguiu com especiais indulgências um novo modelo cunhado pela Abadia de Monte Cassino por ocasião do décimo quarto centenário do nascimento de São Bento, o qual se tornou conhecido como medalha jubilar. Este modelo é o mais difundido até os nossos dias.
Contudo, assim como ocorreu na Cristandade de outrora, o significado mais profundo desse poderoso sacramental vem sendo muitas vezes esquecido pelos cristãos.
A Cruz Sagrada seja minha luz
O adorável instrumento de nossa salvação é, por si só, um eficacíssimo auxílio contra toda espécie de ataques diabólicos. Se foi por meio de uma árvore que o antigo inimigo venceu, em Adão, o gênero humano, foi também por meio de um madeiro que o Homem-Deus nos resgatou, definitivamente, da tirania infernal.
Por isso, uma grande cruz em formato grego recobre uma face da medalha. Entre as hastes da cruz, leem-se quatro caracteres: C. S. P. B., que significam “Crux Sancti Patris Benedicti – A cruz do Santo Pai Bento”. Assomam-se ainda, gravadas na própria cruz, as letras C. S. S. M. L. na haste vertical, e N. D. S. M. D. na haste horizontal, que aludem, respectivamente, às mencionadas frases: “Crux Sacra sit mihi lux. Non draco sit mihi dux – A Cruz Sagrada seja minha luz. Não seja o dragão o meu guia”. E, para completar essa oração de caráter exorcístico, há uma inscrição mais extensa ao redor: V. R. S. N. S. M. V. S. M. Q. L. I. V. B., que designam “Vade retro Satana; numquam suade mihi vana. Sunt mala quæ libas; ipse venena bibas – Retira-te Satanás, nunca me aconselhes coisas vãs. É mau o que me ofereces; bebe tu mesmo os teus venenos”.
Tal esconjuro pode ser empregado pelos cristãos sempre que se sentirem perturbados e assaltados pelas tentações do inimigo; quando ele nos sugira suas perversidades, as falsas pompas do mundo, os deleites e prazeres contrários à Lei de Deus, as más amizades… enfim, seu veneno, o próprio pecado, o qual traz a morte à alma. Aceitá-lo, jamais! Lancemos este maldito “presente” na face do tentador que no-lo oferece, já que ele mesmo o escolheu por herança.
Todavia, ao contemplar o verso da medalha, alguém poderia questionar: por que São Bento?
A figura do patriarca do Ocidente
O santo patriarca do Ocidente possui todas as prerrogativas para figurar num objeto piedoso de caráter exorcístico, e isso devido sobretudo às grandes vitórias por ele obtidas contra os espíritos malignos ao empregar o sinal da Cruz.
Bem no-lo recordam a taça e o corvo representados a seus pés. Aquela alude a um episódio de sua vida em que alguns monges revoltados buscaram matá-lo, servindo-lhe uma taça de vinho envenenado, que prontamente se espatifou ao ser abençoada pelo Santo, reduzindo-se a cacos. E a ave refere-se à ocasião em que um sacerdote invejoso das virtudes de São Bento decidiu “presenteá-lo” com um pão também envenenado, que, entretanto, não chegou a ser consumido pelo santo abade, o qual ordenou a um corvo que o levasse para bem longe.
Também merece especial atenção o escrito que circunda esta face da medalha: “Eius in obitu n[ost]ro præsentia muniamur – Que na hora de nossa morte sejamos confortados por sua presença”. Trata-se de um pedido que, junto ao formulado na Ave-Maria, “rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte”, nos enche de confiança em relação aos nossos últimos momentos de vida sobre esta terra, nos quais o demônio joga o “tudo ou nada” por nossa perdição.
Auxílio infalível
Assim, embora sejam inúmeros e constantes os ataques diabólicos, as tentações e até os perigos físicos que enfrentamos todos os dias, a medalha de São Bento constitui poderoso sacramental e infalível auxílio para os cristãos, ao reunir em si a virtude da Santa Cruz e as recordações de vitórias que o grande patriarca obteve contra o dragão infernal.
Por isso, em meio às tribulações desta vida, portemos com devoção a medalha de São Bento, não como um mero amuleto alegórico, mas sim como uma ajuda sobrenatural e representação autêntica das promessas de nosso Batismo: cremos firmemente em Nosso Senhor e na Santa Igreja, e para sempre renunciamos a Satanás e ao pecado.
Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho n. 271, julho 2024. Por Gabriel Lopes dos Anjos Silva.
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