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A ilusão da perpetuidade nesta Terra

Fomos criados para a eternidade, no entanto, diante dos prazeres terrenos, facilmente esquecemos que a verdadeira vida se encontra após a morte.

Nosso Senhor pregando - Paróquia de Sainte Sulpice, Fougeres (França) Foto: Francisco Lecaros

Nosso Senhor pregando – Paróquia de Sainte Sulpice, Fougeres (França) Foto: Francisco Lecaros

Redação (03/08/2025 10:26, Gaudium Press) “Aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres”, diz São Paulo (Cl 3,2). Com efeito, a liturgia desse 18º Domingo do Tempo Comum nos ensina a ajuntar nosso tesouro no céu, pois de nada valem as riquezas desse mundo se comparadas à felicidade eterna reservada àqueles que “conquistaram as coisas do alto” (Cl 3,1).

Um pedido peculiar, reflexo de uma mentalidade

“Naquele tempo, alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: ‘Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo’” (Lc 12,13).

O Evangelho começa com uma cena peculiar. Nosso Senhor está a caminho de Jerusalém e alguém do meio da multidão faz-Lhe um pedido. Que graça poder falar com o Divino Mestre, poder pedir-Lhe algo. Quantas pessoas na história não dariam tudo em troca de um olhar, uma palavra vinda do Redentor. Diante de uma oportunidade como essa, o que pedir? A cura de uma enfermidade, forças para superar tal defeito, uma graça muito desejada etc. No caso do Evangelho, entretanto, nada disso é pedido, mas o dinheiro…

“Jesus respondeu: ‘Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?’” (Lc 12,14)

Não vemos no Evangelho muitas passagens de Nosso Senhor negando um pedido, mas uma das poucas se dá nessa ocasião. Por que? Porque Nosso Senhor, em sua infinita sabedoria, percebeu que aquele desejo era fruto de uma visualização errada da sua missão e, portanto, não o atende, pois, se o fizesse, faria mal àquela alma. Zeloso, entretanto, pela salvação de todos, quis dar àquele homem e a todos os presentes um ensinamento mais valioso do que qualquer herança.

O perigo da ganância

“E disse-lhes: ‘Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de muitos bens’” (Lc 12,15).

A ganância, segundo São Tomás, é marcada pelo desejo desmoderado de adquirir e ajuntar riquezas.[1] Vale ressaltar que Nosso Senhor não condena possuir bens, mas desejá-los desenfreadamente, causa de um afastamento da pessoa em relação a Deus.

Outro detalhe dessa passagem é que Jesus fala “contra todo tipo de ganância”. Vemos que não se trata apenas do dinheiro ou dos bens materiais, mas de qualquer objeto ao qual nos apegamos de forma desequilibrada e inclusive de coisas não materiais, como a ganância do sentimentalismo – que nos leva a colocar Deus em um segundo plano, para adorarmos ao que é humano –, da vaidade e, inclusive, da própria à saúde, tomando cuidados desproporcionais.[2]

A ganância pode se dar em relação a pouco

Comenta São João da Cruz que, se uma pessoa possuir muitos bens, seu apreço ficará dividido entre todos. Um possuidor de mil moedas, por exemplo, tem o seu cuidado dividido nas mil moedas. No entanto, se acontecer de ele perder novecentas e noventa e nove, todo o apreço das mil se concentrará na única que sobrou. Assim, quem tem pouco pode ter um apego até maior do que aquele que tem muito.

Efeitos da ganância

“E contou-lhes uma parábola: ‘A terra de um homem rico deu uma grande colheita. Ele pensava consigo: O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita. Então resolveu: Já sei o que vou fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos, descansa, come, bebe, aproveita!” (Lc 12,16-19)

É interessante notar o método divino de ensinar: transmite a doutrina e ilustra com um exemplo que toca no quotidiano dos ouvintes. Nosso Senhor compõe a história de um homem de boas posses que teve uma colheita superior às expectativas. Um homem, portanto, que foi abençoado por Deus. Se analisarmos bem, veremos que foi Ele quem criou aquela terra, quem criou as sementes, quem proporcionou um bom clima, etc. Tudo veio d’Ele. Entretanto, o homem que recebeu tão grande dádiva não teve uma atitude de retribuição ao Criador, pelo contrário, mesmo sem ter onde armazenar tamanha quantidade, quis guardar tudo para si, sem nem sequer imaginar em usar daquele excedente para fazer bem aos outros. É o egoísmo, irmão inseparável da ganância.

O verdadeiro tesouro

“Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus” (Lc 12,20-21).

Quem pode saber o momento da própria morte? Para morrer basta estar vivo. É melhor acumular nosso tesouro diante de Deus, pois nossa vida continua após a morte. E do que valem setenta ou oitenta anos de prazeres diante de uma eternidade de castigos, longe de Deus?

Ora, como conquistar esse tesouro?

É o conselho que a liturgia deste 18º Domingo do Tempo Comum nos dá: termos nossos olhos sempre postos na eternidade, numa atitude de contínua oração e fazendo morrer em nós “aquilo que pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos, cobiça”, como nos diz o Apóstolo na segunda leitura (Cl 3,5). Assim ajuntaremos nosso tesouro no céu, “onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam” (Mt 6,20).

Por Artur Morais


[1] Cf. S. Th., II-II, q. 118, a. 1.

[2] Cf. CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito sobre os Evangelhos: comentários aos Evangelhos dominicais. Città del Vaticano-São Paulo: LEV-Instituto Lumen Sapientiæ, 2014, v. 6, p. 260.

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