A crise na Igreja e Frei Clodovis Boff
A raiz da crise reside no deslocamento do centro da Igreja, de Deus para o mundo.
Redação (05/07/2023 18:54, Gaudium Press) Recentemente, frei Clodovis Boff, OSM, lançou o livro “A Crise da Igreja Católica e a Teologia da Libertação”. Trata-se de obra que paga a pena ler e estudar. Os bispos, sobretudo os mais afinados com certa ação pastoral que não veicula explicitamente o conteúdo do Catecismo da Igreja Católica, precisam compreender que a “Igreja sinodal” implica a ausculta dos questionamentos dos leigos. Aliás, o caminho lado a lado, hierarquia-laicato, caracteriza exatamente a sinodalidade a se discutir no sínodo em curso, haja vista a determinação do pontífice romano em conferir voto jurídico a leigos num evento de bispos, o sínodo.
As reclamações dos leigos (e também de clérigos, é óbvio) surgem de variegadas formas, principalmente nas mídias sociais. Infelizmente, não se criou ainda uma associação laical conservadora, porém, equilibrada e sintonizada com o Concílio Vaticano II e com o atual papado. As entidades existentes querem “reinventar a roda”, como se diz; têm razões, mas não têm razão e, por conseguinte, perdem a credibilidade nas suas críticas. Demais, dirigem-se aos pastores muita vez de modo agressivo e desrespeitoso. Algumas são, na prática, sede-vacantistas, e aficionadas em filigranas litúrgicas, com pouquíssimo (ou nenhum!) interesse pela Doutrina Social da Igreja.
Frei Clodovis, no livro em apreço, soube captar a insatisfação de leigos e clérigos oriunda da crise da Igreja Católica no Brasil. Mas, que crise é essa? Segundo o eminente frade, a raiz da crise reside no deslocamento do centro da Igreja, de Deus para o mundo. Ouçamo-lo: “(…) se a Igreja hoje declina é porque se inclina para o mundo, afastando-se de seu centro: a fé viva no Cristo vivo” (p. 21). De fato, determinadas manifestações episcopais, exclusivamente sociológicas e refratárias à dimensão sobrenatural, assemelham-se a posturas das assim chamadas ONGs. Data maxima venia, certas notas públicas da CNBB estribam-se num Cristo “humano, demasiado humano” (p. 22). Pergunta o insigne teólogo, frei Clodovis: “Esse Cristo pode ser mesmo atraente, mas será realmente objeto de fé, no sentido forte da entrega total de si, como define a Dei Verbum (n. 5)?” (p. 22). Agora, pergunto eu: estamos em face de novo monofisismo, insuflado pelo respeito humano da parte de algumas autoridades eclesiásticas? Ora, há declarações oficiais que nem sequer formalmente aludem a Deus, aos Sacramentos, à portentosa atuação de Maria Santíssima no dia a dia. Carecem, ainda, do viés escatológico, ou seja, simplesmente olvidam a causa final da Igreja de Cristo: as realidades depois da morte.
Não é factível pôr neste artigo jornalístico a integralidade da lúcida reflexão de frei Clodovis acerca da crise na Igreja. Desta feita, entusiasticamente recomendo a leitura do livro, de fácil assimilação, o qual pode ser adquirido através do link abaixo. Transcrevo, a seguir, um exemplo da mudança de centro, de Deus para o mundo, relatado pelo conspícuo autor. A propósito, este assunto tem sido objeto da consideração não apenas de católicos reacionários, mas também de gente esclarecida:
“Quanto à Igreja no Brasil, basta aqui referir um caso, importante e delicado ao mesmo tempo: nossa tradicional ‘Campanha da Fraternidade’. O que acontece aí é a superposição de uma preocupação social específica sobre uma longa e consistente tradição litúrgico-espiritual: a Quaresma. É de se perguntar se tal superposição, em si legítima, não levou com o tempo, e à força de insistir na ‘conversão social’, a deprimir e quase sufocar a riqueza do ciclo litúrgico mais importante do ano; se o abundante material produzido pela CNBB para a questão social em foco, não veio, com o tempo, a suplantar os riquíssimos textos litúrgicos desse ciclo (…) A pergunta é, em suma, se a Campanha da Fraternidade, tal como é levada, não agravou o viés socioeconômico de nossa Igreja em prejuízo de seu essencial movimento teocêntrico” (p. 29).
Falar do transcendente virou carolice? Parece que sim. Desabafa frei Clodovis: “(…) quando se pergunta hoje a um novo bispo qual é seu programa pastoral, é comum vê-lo falar dos direitos humanos e de coisas do gênero. Quanto a Deus ou Cristo, fé ou evangelização, pouco ou nada se diz” (p. 30).
Edson Luiz Sampel
Teólogo e doutor em Direito Canônico
Presidente da Comissão Especial de Direito Canônico da 116ª Subseção da OAB-SP
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