A Comunhão Eucarística e seus efeitos
Verdades esquecidas ou pouco recordadas sobre o Santo Sacrifício do altar e os efeitos da comunhão Eucarística
Redação (12/11/2020 08:49, Gaudium Press) O que diriam nossos caros leitores se começássemos a presenciar fatos como este: Estavam alguns amigos em animosa conversa na varanda de um botequim. Falavam alto, riam, cantavam, batiam na mesa, discutiam, ameaçavam, brigavam e tudo terminava em abraço. Já iam muitas horas naquela boêmia quando: “Olha lá o padre!” – gritou a voz aguda e rouca de um deles, produzindo um silêncio repentino. Com efeito, neste momento, um sacerdote cruzava a calçada do outro lado da rua, com uma batina negra, ar sério e cerimonioso. Mas, enfim, ninguém sabia porque a conversa havia parado e que frio misterioso lhes havia prendido a voz na garganta. Ouviu-se uma risada, logo outra, e a conversa continuou rumorosa.
Então o chefe da roda, fazendo trepidar as garrafas vazias sobre a mesa, chamou novamente a atenção de seus camaradas. Todos os olhos voltaram-se para ele, estranhados diante da cena que ele fazia. O chefe, com as duas mãos, num gesto lento, solene, com os olhos escancarados, levantava um pedaço de pão. Uns entenderam a paródia e começaram a rir. Em seguida, ele encheu a taça de vinho e levantou-a com igual irreverência. Apesar dos risos debochados, ninguém conseguia romper o mutismo frio que um medo furtivo inspirava na maioria dos circunstantes. Então, em tom ainda mais místico e solene, abriu a boca o ator da cena: “Este é o meu corpo, este é o meu sangue!”. Dizendo isso se levantou, e partilhando o pão para os que lhe eram mais próximos disse: “Tomai todos e comei!” Consumiu o resto de pão que tinha nas mãos e desatou em risadas, jogando-se sobre a cadeira. Aí escachoaram os gritos, as risadas e os comentários. Os outros dois que haviam recebido os pedaços de pão, depois de hesitarem um pouco, deglutiram a oferenda.
A bebedeira continuou e se esqueceram do espetáculo.
Poucos minutos depois, os dois amigos privilegiados pelo chefe entreolharam-se. Estavam pálidos e se sentiam mal, a ponto de não conseguirem trocar uma palavra. Avistaram o chefe que, neste momento, tentava se levantar, mas não conseguia. Deixou, então, cair a cabeça sobre a mesa, mas com tanta violência que uma garrafa saltou para fora, rompendo-se no chão. Todos os presentes se reuniram em torno dele e perguntavam se estava se sentindo bem. A realidade é que demoraram para se convencer de que estava morto e, mesmo depois de enterrado o cadáver, no dia seguinte, ainda duvidavam da cena.
Este fato se passou no dia 5 de janeiro de 1807, na cidade de Edinghausen, próxima de Bielfeld, na antiga Prússia, e foi narrado por diversas testemunhas.
Perdoe-nos o leitor por tomar tanto tempo nessa narração. A razão é que procurávamos um milagre eucarístico para realçar a importância das questões doutrinárias que levantaremos a seguir. Esperamos que o milagre – não propriamente eucarístico, mas que nos acusa a gravidade e a importância do Santíssima Eucaristia e o quanto Deus ama e protege este dom dado por Ele aos homens – ajude a meditar sobre a grandeza deste mistério, e nos incentive a amá-lo com mais reverência e fervor.
Aliás, de milagres eucarísticos e de fatos como este está cheia a História. Será que em nossos dias Deus não pode produzir semelhantes prodígios? Ou talvez já os esteja produzindo.
Convidamos então o leitor a considerar algumas verdades que a Igreja nos apresenta a este respeito, indispensáveis para o conhecimento de todos os batizados.
É mais importante a Fé na Eucaristia ou o cuidado para com a comunidade?
“Esses católicos que falam de Missa e de Eucaristia, no fundo, estão vivendo uma vida egoísta, limitando-se preguiçosamente a regrinhas e a rituais, pensando só no próprio proveito e não praticando de verdade a Religião”- poderia alguém objetar contra aqueles que procuram com fervor conservar a Fé na Eucaristia.
É preciso responder que, como diz o Doutor Angélico, o Sacramento da Eucaristia é o Sacramento da Caridade e da união, do qual vive todo o Corpo Místico de Cristo. A piedade eucarística é, portanto, não o último, mas uns dos primeiros e mais importantes atos de caridade. Enquanto sacrifício, este sacramento aproveita a todos os membros da Igreja, mesmo aqueles não o recebem. (cf. S. Th. q. 79, a. 7).
Sendo o principal apostolado alimentar as almas e não os corpos, nunca compreenderá a necessidade do Santo Sacrifício as mentalidades materialistas e pragmáticas, pois, por definição, não são almas religiosas.
Por outro lado, é aqui, mais que em outros lugares, válido o princípio: ninguém dá o que não tem. E como a perfeição da vida cristã só se obtém pela Eucaristia, como poderá um sacerdote ou um fiel manter em si a tocha da Caridade para acender a luz da Fé nos outros sem se aquecer ele mesmo na fonte de todo calor, através de uma piedade eucarística intensa?
Poderíamos dizer que a Eucaristia, sacramento da Caridade, é o fermento que faz crescer a vida cristã nas comunidades, mais do que qualquer outro meio de apostolado, como comenta o próprio São Tomás (cf. S. Th. q.74 a. 4).
A Comunhão Eucarística perdoa os pecados?
Deus foi de uma bondade sem limites para conosco e nos deu, para cada necessidade de nossa vida espiritual, um sacramento específico. Há um sacramento pelo qual nascemos, outro pelo qual crescemos e nos fortificamos, outro para nos alimentar-nos com frequência, outro para santificar a família e a prole, outro para a hora de nossa morte.
Assim, Deus dispôs o Sacramento da Penitência para nos lavarmos de nossos pecados e levantarmos sempre com mais força e luz depois de cada queda. Entretanto, fica a pergunta: o Sacramento da Eucaristia, onde recebemos o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, não será mais que suficiente para limpar nossas almas?
A realidade, entretanto, é que a comunhão eucarística nos purifica de nossas faltas veniais, mas não de nossos pecados mortais (cf. S. Th. q. 79, a.4). Quando vamos receber uma excelente visita não vamos, antes de sua chegada, limpar e ordenar a nossa casa para melhor recebê-la? Assim também, não podemos receber o Divino Hóspede numa casa suja e bagunçada.
Existem alimentos excelentes e saborosos, nutritivos inclusive, que chegam a ser verdadeiros venenos para o organismo de uma pessoa doente. Por exemplo, os doces, por melhores e mais requintados que sejam, para um diabético. Assim o Pão Eucarístico na alma que está conscientemente em pecado, só produz destruição e morte (cf. S. Th. q. 79, a.3). Lembremo-nos também da advertência do próprio São Paulo: “porque aquele que o come e bebe indignamente como e bebe a própria condenação, não distinguindo o corpo do Senhor de outro alimento qualquer” (cf. 1 Cor 11, 29).
A Comunhão Eucarística é indispensável para a salvação?
Como outras práticas religiosas, a comunhão eucarística parece ter sido em muitos meios relegada a um plano secundário da vida cristã. Veem nela apenas um simbolismo vazio, inteiramente desprovido de qualquer realidade mística e transcendente, um pretexto para a reunião da comunidade, como o poderiam ser uma festa junina, um baile, ou qualquer outra reunião social. Como é que podemos esquecer que fomos advertidos pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo a este respeito? “Em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 53).
É bem verdade que o Sacramento que nos abre as portas do Céu é o Batismo. Entretanto, ensina São Tomás que o Batismo nos dá a vida divina e nos ordena para a Eucaristia e só pode se salvar o batizado que, não tendo recebido de fato a Eucaristia, ao menos a recebeu ao desejá-la com amor (S. Th. q. 73, a.3). O que dizer daqueles batizados que perdem completamente o gosto do alimento espiritual, chegando a subestimá-lo, a desprezá-lo e a esquecê-lo?
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Portanto, a frequência ao sacramento da Eucaristia não é indispensável para a salvação da mesma maneira que o Batismo, mas é sim indispensável para levar a vida cristã à perfeição. O próprio Batismo nos direciona para a Eucaristia, pois a vida espiritual que não tende à perfeição, imediatamente está posta no risco da estagnação, e logo estará na via da decadência e da perdição, como um corpo humano que, desprovido de alimento, com mais ou menos tempo, encontrará a doença e a morte.
Aliás, não apenas o Batismo nos aponta para a Eucaristia, pois “os demais Sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a Sagrada Eucaristia e a ela se ordenam” (Presbyterorum ordinis, n. 5).
Por Arthur Paz
Bibliografia
Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique. 4 ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1916, v. 1, p. 1578-1585.
HAUTERIVE, Grenet. Grand Catéchisme de la pérséverance chrétienne. 4 ed. Paris: Hippolyte Walzer, 1899, v. 9, p. 608.
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