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Arcebispo de Praga fala sobre legado da viagem de Bento XVI à República Tcheca

Praga (Quinta, 08-10-2009, Gaudium Press) Mais de uma semana após a conclusão da visita de Bento XVI à República Tcheca, sua 13ª viagem apostólica internacional, um dos principais arquitetos da recepção do pontífice no país, o cardeal Miloslav Vlk, arcebispo da capital Praga, fala do legado deixado pela passagem do Santo Padre pela nação ex-comunista, apontada como uma das mais ateístas da Europa.

Na longa conversa com a correspondente de Gaudium Press, feita ainda em Praga, o cardeal VLK falou justamente dos dados que apontaram a maioria dos tchecos como ateus, destacou a receptividade do povo tcheco para com o Papa, comentou disputas judiciais entre Igreja e governo do país em torno de propriedades eclesiásticas e históricas, abordou o desafio vocacional e missionário na nação leste-europeia e adiantou que espera em breve vir ao Santuário de Aparecida no Brasil com a imagem do Menino Jesus de Praga.

 

Sua Eminência, quais são as suas primeiras impressões sobre esta visita do Santo Padre à República Tcheca ?

As primeiras impressões desta visita são muito positivas. É uma surpresa para todos! Não somente para mim, mas para todos, também para o Santo Padre. Porque antes da visita, todos os jornais escreveram que o Papa iria a um país ateu, mais secularizado do que os outros. E então, o Papa se surpreendeu. Nós todos nos surpreendemos com a quantidade de pessoas que vieram à Brno, por exemplo. Cento e vinte mil fiéis, talvez mais. Isto nos mostra que os membros da Igreja não estão diminuindo, mas são mais numerosos do que em outras visitas precedentes, como a do Papa João Paulo II. E depois, o Santo Padre sentiu a fé com a qual os fiéis participaram. A participação da mídia tcheca também foi uma grande surpresa. Pensava-se em um país ateu, e ao contrário, todas as mídias foram muito favoráveis, muito positivas. Estas são as principais impressões.

Qual é a importância desta viagem para a Igreja Católica na República Tcheca? Qual momento foi mais importante e significativo na sua opinião?

A Igreja Católica na nossa sociedade era vista principalmente pelos políticos, como um “grupo turístico”, uma associação pequena, à margem da sociedade. Porém, aqui se viu que a pequena Igreja Católica faz parte da Igreja Católica Universal mundial. Portanto, não é um pequeno clube à margem da sociedade, mas uma parte da Igreja Mundial. Isso teve um efeito muito, muito positivo. Veio o Papa, uma grande personalidade, uma autoridade, podemos dizer, espiritual, moral, do mundo, e nós estamos com ele. Então, ele apoiou este pequeno rebanho. Isto é o mais importante, mais significativo. E a sua visita envolveu não somente a mídia, mas também os políticos. Mesmo o presidente Klaus que nem sempre foi favorável à Igreja, se expressou muito positivamente. Alguns disseram: “ele falou como um cristão.”

As estatísticas mostram que a fé na República Tcheca não é forte. Sua Eminência pode falar um pouco mais sobre a realidade religiosa dos tchecos? Como é a situação em relação às vocações? Quais foram as mudanças depois do comunismo?

Falava-se de uma diminuição dos membros da Igreja Católica, principalmente no censo de 2001. Mas se têm muitas dúvidas em relação a este censo, até mesmo por alguns membros que o organizaram. Eles disseram que o censo não foi obrigatório e por isso é questionável. Eu não acredito nestes números, pois a pergunta colocada foi “a qual Igreja pertence?” e não se a pessoa era crente ou não. Hoje, as pessoas não querem pertencer a uma Igreja, como vimos na Alemanha e na Áustria, onde as pessoas saem das Igrejas por não quererem pagar taxas. Mas isto não quer dizer que não sejam crentes. Aqueles que saem da Igreja na Áustria, não se tornam não crentes ou ateus. Então isto é uma coisa que se deve avaliar em um outro modo. Não é justo.

Vocações: Há famílias em crise, como em todos os lugares, talvez aqui mais do que em outros lugares. E de onde podem ou devem surgir, nascer as vocações, se não das famílias? Se a família está em crise, as vocações estão em crise.

Quais as mudanças depois do comunismo? Certamente os políticos se esforçaram para fazer uma mudança econômica, transformação econômica como então disseram. Mas eles fizeram esta transformação sem a base dos valores. E isto foi o maior defeito desta mudança. E depois, as estruturas mudaram. Mas nas cabeças, nos corações dos políticos, principalmente, permaneceu o comunismo. Quer dizer, a mentalidade comunista na qual viveram tanto tempo. Isto foi um sinal também na organização desta transformação econômica sem valores. Eles disseram: primeiro a economia, depois as outras coisas como os valores e outras coisas espirituais. Isto foi o grande defeito, o grande erro dos políticos. Mudança das estruturas, o espaço da liberdade sim, mas não os valores. A Igreja permaneceu à margem. Não houve colaboração no âmbito dos valores. Hoje temos então o efeito deste processo sem valores. Crise política, crise econômica. Não trabalhamos juntos. Os políticos não quiseram, por exemplo, restituir os bens do Vaticano, não fizeram um acordo. Estas situações veremos como ficarão após a passagem do Santo Padre.

A viagem do Papa Bento XVI aconteceu por ocasião do 20? aniversário da “Revolução de Veludo” que levou à queda do comunismo no seu país. Sua Em.ª pode contar aos fiéis brasileiros a situação da Igreja Católica da República Tcheca, ainda Tchecoslováquia, no período comunista? Quais foram as maiores dificuldades?

A Igreja estava totalmente nas mãos dos comunistas. Os bispos não existiam, foram aprisionados. O povo de Deus, sacerdotes e leigos, divididos. Os leigos não tinham permissão para colaborar com os sacerdotes. Os sacerdotes estavam sozinhos. A unidade da Igreja estava destruída, os comunistas proibiam tudo. Só nas Igrejas se podiam celebrar os sacramentos. Fora da igreja, família, juventude, nada. E então o Concílio Vaticano II não pôde se realizar, porque os comunistas o frearam. Tinham medo da modernização da Igreja, não a queriam pois assim tornava-se mais atraente. Esta era a situação basicamente.
Hoje é necessário viver o Evangelho, fazer a própria experiência e dar testemunho, porque a sociedade secularizada não quer ouvir sermões, mas quer ouvir os testemunhos. Por este novo estilo, pelo controle dos comunistas, não estávamos preparados.

Depois da queda do comunismo nos esforçamos para trazer os leigos para “dentro da Igreja”. Quer dizer, trazê-los para que colaborem com os sacerdotes. Mas os sacerdotes estiveram por quarenta anos acostumados a estar sozinhos e a fazer sozinhos. Foi difícil começar essa colaboração, mas me parece que demos passos para frente neste sentido.

Agora a coisa mais difícil nas relações entre a Igreja Católica e outras crenças cristãs, e o Governo Tcheco, são as questões do bens e propriedades tomados pelo governo comunista. Este problema foi discutido pelo cardeal secretário de Estado durante o encontro com o Primeiro Ministro? Sua Eminência pensa que esta viagem possa ajudar a resolver este problema?

A Igreja neste momento de crise econômica, política da nossa sociedade, tem alguns problemas que ainda não foram resolvidos. Por exemplo, a restituição dos bens. Vinte anos depois da queda do comunismo os políticos ainda não conseguiram consertar o que os comunistas fizeram. Na verdade, eles cobrem essas injustiças e as deixam do mesmo jeito. Isto é terrível em uma democracia. A Igreja tem liberdade, mas somos dependentes do Estado no âmbito econômico. Políticos se aproveitam, dizem para aqueles que pagam os impostos – “Vocês têm que pagar pela Igreja.” Isto é uma mentira, porque o Estado nos ajuda, paga salário aos sacerdotes. É como se nós recebêssemos aos poucos a restituição dos bens que eles têm nas mãos.

Segunda coisa, o acordo com o Vaticano. Existe um núncio aqui desde 1990, mas não há um acordo entre o Vaticano e o Estado. Assinou-se um acordo, mas ficou somente como uma lei no âmbito do governo. Não foi ratificado no Parlamento porque um jurista dos tempos comunistas fez um discurso dizendo: “este acordo privilegia a Igreja Católica”. Isto é uma mentira e populismo, visto que a Igreja Católica tem uma dimensão internacional e tem o direito de ter acordos internacionais. Este comunista acrescentou no Parlamento que isso é uma discriminação das outras igrejas. Uma nova mentira, porque as outras igrejas não têm essa dimensão internacional e porque não têm o direito de ter um acordo internacional. Nós não somos contra nenhum acordo do Estado com outras igrejas, mas esse nosso acordo internacional não é uma discriminação das outras igrejas. Com estas mentiras acabaram por frear a aprovação no Parlamento.

E também a Catedral. Os comunistas não nacionalizaram a catedral nos anos 50. O que fizeram foi definir oficialmente uma área do Castelo, colocando dentro a Catedral como propriedade do Castelo, inscrevendo-a assim como um bem do Estado com base em um decreto oficial. E então dois tribunais decidiram que a Catedral pertence à Igreja. Mas graças a um recurso feito ao Supremo Tribunal a Catedral voltou às mãos do Estado. Nós entramos com um recurso no Tribunal Constitucional e esperamos a resolução com um decreto, há 17 anos.

Estas são imagens de exemplo de como funciona na nossa “democracia” os direitos. E também a lei sobre as Igrejas, sobre o lugar das Igrejas na sociedade, isto ainda não foi resolvido. O Ministério da Cultura, há cerca de cinco anos anos mudou a lei que estava em vigor desde 1992, restringindo a liberdade da Igreja . Nós protestamos e o Tribunal constitucional cancelou 4 parágrafos. Novas pessoas chegaram ao Ministério e recolocaram alguns desses parágrafos na lei de novo e depois a corrigiram.

São várias as coisas não resolvidas. Neste momento o governo está passando por uma séria crise econômica, com uma dívida de aproximadamente 260 bilhões de coroas tchecas, resultante de uma economia ruim feita pelos governos precedentes. Um governo técnico quer remediar o débito estatal. Não é possível que nós peçamos 83 bilhões como recompensa pelos bens que estão nas mãos do Estado. Adiamos esses problemas e esperamos em um novo parlamento que seja mais competente, depois das eleições, que consiga resolver alguma coisa.

Parece-me que esta viagem do Santo Padre tenha sido uma viagem mais pastoral. Mas nesta visita Pastoral o Santo Padre veio também ajudar a dar força aos irmãos a resolver o que não foi ainda resolvido. O cardeal Bertone e o Primeiro Ministro falaram de todos esses problemas relativos à relação Estado/Igreja e constataram que a única coisa possível a se fazer é adiar a lei da restituição dos bens a mais tarde. Nada de novo no momento. Temos que esperar, a Igreja tem uma dimensão duradoura. Nós somos capazes de esperar, pois continuaremos aqui enquanto os governos vão embora.

Na Igreja de Santa Maria da Vitória se venera o Menino Jesus de Praga e Nossa Senhora Aparecida, brasileira. Sua Eminência pode nos contar a história deste culto brasileiro? Como chegou em Praga?

O Menino Jesus, esta pequena imagem nos chegou da Espanha em 1625 trazida por uma nobre dama de Lobkovic. Então os carmelitanos cultivaram esta veneração do Menino Jesus. Durante o comunismo não se pôde fazer nada. Mas os carmelitanos de Arenzano perto de Genova, na Itália cultivaram e difundiram esta veneração principalmente nos estados onde houve colonização espanhola como a Argentina, e também no Brasil e nas Filipinas. Estas pessoas, mesmo durante o comunismo, visitando Praga, vinham venerar o Menino Jesus, principalmente os que vinham do Brasil. Então os bispos brasileiros decidiram trazer a famosa Mãe de Aparecida. Foi uma grande festa e nós prometemos também levar o Menino Jesus até Aparecida. Acredito que isso possa acontecer no ano que vem.

 

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