História de Nossa Senhora das Graças
Redação (Segunda-feira, 28-11-2016, Gaudium Press) Dia 27 de novembro é o dia de Nossa Senhora das Graças, conhecida muito por causa da Medalha Milagrosa. Ela é a Nossa Senhora da Medalha Milagrosa.
Apresentamos este artigo para a consideração de nossos leitores. Ele traz a bela história da qual foi participante Santa Catarina Labouré:
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Colunas de mármore, impecavelmente brancas, destacam a alvura do ambiente, iluminado pelos raios do sol que penetram pelas amplas janelas. A idéia de uma pureza imaculada, aliada a uma sensação de densa unção sobrenatural domina até hoje a capela da Congregação das Filhas da Caridade (mais conhecidas no Brasil como Irmãs Vicentinas), na Rue du Bac, em Paris, 170 anos depois de ela haver abrigado a mais augusta visitante que se possa imaginar: a própria Mãe de Deus. E ainda agora, reinando sobre esse ambiente abençoado, uma alva imagem de Nossa Senhora, coroada como Rainha, espargindo raios de suas mãos, parece ainda dizer a quem a contempla: “Venha ao pé deste altar. Aqui serão derramadas graças sobre todos os que as pedirem”.
Ainda se encontra na Capela a cadeira na qual Nossa Senhora sentou-se, para conversar longamente com a humilde religiosa do convento. E quem é esta? A resposta está sob um altar lateral, onde se vê um esquife de vidro, dentro do qual jaz uma freira miúda, tão serena que parece adormecida. É Santa Catarina Labouré que, em 1830, recebeu da Santíssima Virgem a mensagem sobre a Medalha Milagrosa.
Foi essa humilde irmã de caridade o instrumento escolhido por Deus para impulsionar em todo o mundo a devoção a Maria, por meio dessa medalha que, de fato, fez jus ao nome de “milagrosa”.
O relato do que então acontecera é desenvolvido ao longo destas páginas por MonsenhorJoão Scognamiglio Clá Dias, EP com seu conhecido talento de narrador e mais ainda com sua fervorosa piedade marial e desejo de evangelizar o maior número possível de pessoas.
A história dessa santinha francesa e de seus encontros – pois foram vários – com Nossa Senhora, narração de uma encantadora simplicidade, de uma candura virginal e de um celestial esplendor, não poderá deixar de nos maravilhar e atrair, despertando em nós o desejo de maior devoção a Maria, o meio mais seguro de chegarmos a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Santa Catarina Labouré
Ela se chamava Catarina, ou Zoé, para os mais íntimos. Sua maior alegria era levar a ração diária para a multidão de pombos que habitava a torre quadrada do pombal de sua casa. Ao avistarem a camponesinha, as aves se lançavam em direção a ela, envolvendo-a, submergindo-a, parecendo querer arrebatá-la e arrastá-la para as alturas. Cativa daquela palpitante nuvem, Catarina ria, defendendo-se contra as mais afoitas, acariciando as mais ternas, deixando sua mão deslizar pela brancura daquelas macias penugens. Durante toda a vida, guardará nostalgia dos pombos de sua infância: “Eram quase 800 cabeças”, costumava dizer, não sem uma pontinha de tímido orgulho…
Catarina Labouré (pronuncia-se “Laburrê”) veio ao mundo em 1806, na província francesa da Borgonha, sob o céu de Fain-les-Moutiers, onde seu pai possuía uma fazenda e outros bens. Aos nove anos perdeu a mãe, uma distinta senhora pertencente à pequena burguesia local, de espírito cultivado e alma nobre, e de um heroísmo doméstico exemplar. Abalada pelo rude golpe, desfeita em lágrimas, Catarina abraça uma imagem da Santíssima Virgem e exclama: “De agora em diante, Vós sereis minha mãe!”
Nossa Senhora não decepcionará a menina que se entregava a Ela com tanta devoção e confiança. A partir de então, adotou-a como filha dileta, alcançando-lhe graças superabundantes que só fizeram crescer sua alma inocente e generosa. Essa encantadora guardiã de pombos, em cujos límpidos olhos azuis se estampavam a saúde, alegria e vida, assim como a gravidade e sensatez advindas das responsabilidades que cedo pesaram sobre seus jovens ombros, essa pequena dona-de-casa modelo (e ainda iletrada) teve seus horizontes interiores abertos para a contemplação e a ascese, conducentes a uma hora de suprema magnificência.
Com as Filhas de São Vicente de Paulo
Certa vez, um sonho deixou Catarina intrigada. Na igreja de Fain-les-Moutiers, ela vê um velho e desconhecido sacerdote celebrando a Missa, cujo olhar a impressiona profundamente. Encerrado o Santo Sacrifício, ele faz um sinal para que Catarina se aproxime. Temerosa, ela se afasta, sempre fascinada por aquele olhar. Ainda em sonho, sai para visitar um pobre doente, e reencontra o mesmo sacerdote, que desta vez lhe diz: “Minha filha, tu agora me foges… mas um dia serás feliz em vir até mim. Deus tem desígnios sobre ti. Não te esqueças disso”. Ao despertar, Catarina repassa em sua mente aquele sonho, sem o compreender…
Algum tempo depois, já com 18 anos, uma imensa surpresa! Ao entrar no parlatório de um convento em Châtillon-sur-Seine, ela depara com um quadro no qual está retratado precisamente aquele ancião de penetrante olhar: é São Vicente de Paulo, Fundador da congregação das Filhas da Caridade, que assim confirma e indica a vocação religiosa de Catarina.
Com efeito, aos 23 anos, vencendo todas as tentativas do pai para afastá-la do caminho que o Senhor lhe traçara, abandona para sempre um mundo que não estava à sua altura, e entra como postulante naquele mesmo convento de Chântillon-sur-Seine. Três meses depois, em 21 de abril de 1830, é aceita no noviciado das Filhas da Caridade, situado na rue du Bac*, em Paris, onde tomará o hábito em janeiro do ano seguinte.
Primeira aparição de Nossa Senhora
Desde a sua entrada no convento da rue du Bac, Catarina Labouré foi favorecida por numerosas visões: o Coração de São Vicente, Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, o Cristo Rei e a Santíssima Virgem. Apesar da importância das outras aparições, devemos nos deter nas da Rainha Celestial. A primeira teve lugar na noite de 18 para 19 de julho de 1830, data em que as Filhas da Caridade celebram a festa de seu santo Fundador. De tudo quanto então sucedeu, deixou Catarina minuciosa descrição:
A Madre Marta nos falara sobre a devoção aos santos, em particular sobre a devoção à Santíssima Virgem – o que me deu desejo de vê-La – e me deitei com esse pensamento: que nessa noite mesmo, eu veria minha Boa Mãe. Como nos haviam distribuído um pedaço do roquete de linho de Sã Vicente, cortei a metade e a engoli, adormecendo com o pensamento de que São Vicente me obteria a graça de contemplar a Santíssima Virgem. Enfim, às onze e meia da noite, ouvi alguém me chamar:
– Irmã Labouré! Irmã Labouré!
Acordando, abri a cortina e vi um menino de quatro a cinco anos, vestido de branco, que me disse:
– Levantai-vos depressa e vinde à Capela! A Santíssima Virgem vos espera.
Logo me veio o pensamento de que as outras irmãs iam me ouvir. Mas, o menino me disse:
– Ficai tranqüila, são onze e meia; todas estão profundamente adormecidas. Vinde, eu vos espero.
Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino, que permanecera de pé sem se afastar da cabeceira de meu leito. Eu o segui. Sempre à minha esquerda, ele lançava raios de claridade por todos os lugares onde passávamos, nos quais os candeeiros estavam acesos, oque muito me espantava. Porém, muito mais surpresa fiquei ao entrar na capela: logo que o menino tocou a porta com a ponta do dedo, ela se abriu. E meu espanto foi ainda mais completo quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a missa de meia-noite. Entretanto, eu não via a Santíssima Virgem.
O menino me conduziu para dentro do santuário, até o lado da cadeira do diretor espiritual*. Ali me ajoelhei, enquanto o menino continuou de pé. Como o tempo de espera estava me parecendo longo, olhei para a galeria para ver se as irmãs encarregadas da vigília noturna não passavam por ali.
Por fim, chegou o momento. O menino me alertou, dizendo:
– Eis a Santíssima Virgem! Ei-La!
Nesse instante, Catarina ouve um ruído, como o frufru de um vestido de seda, vindo do alto da galeria. Levanta os olhos e vê uma senhora com um traje cor de marfim, que se prosterna diante do altar e vem se sentar na cadeira do Padre Diretor.
A vidente estava na dúvida se Aquela era Nossa Senhora. O menino, então, não mais com timbre infantil, mas com voz de homem e em tom autoritário, disse:
– Eis a Santíssima Virgem!
A Irmã Catarina recordaria depois:
Dei um salto para junto d’Ela, ajoelhando-me ao pé do altar, com as mãos apoiadas nos joelhos de Nossa Senhora… Ali se passou o momento mais doce de minha vida. Ser-me-ia impossível exprimir tudo quanto senti.
Ela disse como me devo conduzir face a meu diretor espiritual, como me comportar em meus sofrimentos vindouros, mostrando-me com a mão esquerda o pé do altar, onde eu devo vir me lançar e expandir meu coração. Lá receberei todas as consolações de que necessito. Eu Lhe perguntei o que significavam todas as coisas que vira e Ela me explicou tudo:
– Minha filha, Deus quer te encarregar de uma missão. Terás muito que sofrer, porém hás de suportar, pensando que o farás para a glória de Deus. Saberás (discernir) o que é de Deus. Serás atormentada, até pelo que disseres a quem está encarregado de te dirigir. Serás contraditada, mas terás a graça. Não temas. Dize tudo com confiança e simplicidade. Serás inspirada em tuas orações. O tempo atual é muito ruim. Calamidades vão se abater sobre a França. O trono será derrubado. O mundo inteiro se verá transtornado por males de todo tipo (a Santíssima Virgem tinha um ar muito entristecido ao dizer isso). Mas venham ao pé deste altar: aí as graças serão derramadas sobre todas as pessoas, grandes e pequenas, particularmente sobre aquelas que as pedirem com confiança e fervor. O perigo será grande, porém não deves temer: Deus e São Vicente protegerão esta Comunidade.
Os fatos confirmam a aparição
Uma semana depois dessa bendita noite, explodia nas ruas de Paris a revolução de 1830, confirmando a profecia contida na visão de Santa Catarina. Desordens sociais e políticas derrubaram o rei Carlos X, e por toda a parte se verificaram manifestações de um anti-clericalismo violento e incontrolável: igrejas profanadas, cruzes lançadas por terra, comunidades religiosas invadidas, devastadas e destruídas, sacerdotes perseguidos e maltratados.
Entretanto, cumpriu-se fielmente a promessa de Nossa Senhora: os padres Lazaristas e as Filhas da Caridade, congregações fundadas por São Vicente de Paulo, atravessaram incólumes esse turbulento período.
Graças abundantes e novas provações
Retornemos àqueles maravilhosos momentos na capela da rue du Bac, na noite de 18 para 19 de julho, quando Santa Catarina, com as mãos apoiadas sobre os joelhos de Nossa Senhora, ouvia a mensagem que Ela lhe trazia do Céu. Dando prosseguimento às suas narrativas, a vidente recorda estas palavras da Mãe de Deus:
– Minha filha, agrada-me derramar minhas graças sobre esta Comunidade em particular. Eu a amo muito. Sofro, porque há grandes abusos e relaxamento na fidelidade à Regra, cujas disposições não são observadas. Dize-o ao teu encarregado. Ele deve fazer tudo o que lhe for possível para recolocar a Regra em vigor. Comunica-lhe, de minha parte, que vigie sobre as más leituras, as perdas de tempo e as visitas.
Retomando um aspecto tristonho, Nossa Senhora acrescentou:
– Grandes calamidades virão. O perigo será imenso. Não temas, Deus e São Vicente protegerão a comunidade. Eu mesma estarei convosco. Tenho sempre velado por vós e vos concederei muitas graças. Momento virá em que pensarão estar tudo perdido. Tende confiança, Eu não vos abandonarei. Conhecereis minha visita e a proteção de Deus e de São Vicente sobre as duas comunidades. Não se dará o mesmo, porém, com outras Congregações. Haverá vítimas (ao dizer isto, a Santíssima Virgem tinha lágrimas nos olhos).
Haverá bastante vítimas no clero de Paris… O Arcebispo morrerá. Minha filha, a Cruz será desprezada e derrubada por terra. O sangue correrá. Abrir-se-á de novo o lado de Nosso Senhor. As ruas estarão cheias de sangue. O Arcebispo será despojado de suas vestimentas (aqui a Santíssima Virgem não podia mais falar; o sofrimento estava estampado em sua face). Minha filha, o mundo todo estará na tristeza.
Ouvindo estas palavras, pensei quando isto ocorreria. E compreendi muito bem: quarenta anos.
Nova confirmação: a “Comuna de Paris”
De fato, quatro décadas depois, no fim de 1870, a França e a Alemanha se enfrentaram num sangrento conflito, em que a superioridade de armamentos e de disciplina militar deram às forças germânicas uma fulminante vitória sobre o mal treinado exército francês. Em conseqüência da derrota, novas convulsões político-sociais arrebentaram em Paris, perpetradas por um movimento conhecido sob o nome de “Comuna”. Tais desordens deram lugar a outras violentas perseguições religiosas.
Conforme Nossa Senhora previra, foi fuzilado no cárcere o Arcebispo de Paris, Monsenhor Darboy. Pouco depois, os rebeldes assassinaram vinte dominicanos e outros reféns, clérigos e soldados. Entretanto, os Lazaristas e as Filhas da Caridade mais uma vez atravessaram incólumes esse período de terror, exatamente como a Santíssima Virgem prometera a Santa Catarina: “Minha filha, conhecereis minha visita e a proteção de Deus e de São Vicente sobre as duas comunidades. Mas, não se dará o mesmo com outras Congregações.”
Enquanto as demais irmãs eram tomadas de pavor em meio aos insultos, injúrias e perseguições dos anarquistas da Comuna, Santa Catarina era a única a não ter medo: “Esperai” – dizia?-?, “a Virgem velará por nós… Não nos acontecerá nenhum mal!” E mesmo quando os desordeiros invadiram o convento das Filhas da Caridade e as expulsaram de lá, a santa vidente não apenas assegurou à Superiora que a própria Santíssima Virgem guardaria a casa intacta, mas previu que todas estariam de volta dentro de um mês, para celebrar a festa da Realeza de Maria. Ao retirar-se, Santa Catarina apanhou a coroa da imagem do jardim e disse a ela: “Eu voltarei para vos coroar no dia 31 de maio”.
Estas e outras revelações concernentes à Revolução da Comuna realizaram-se pontualmente, conforme foram anunciadas quarenta anos antes por Nossa Senhora.
Mas, retrocedamos àquela bendita noite de julho de 1830, na capela da rue du Bac. Após o encontro com a Mãe de Deus, Santa Catarina não cabia em si de tanta consolação e alegria. Ela recordaria mais tarde:
Não sei quanto tempo lá permaneci. Tudo o que sei é que, quando Nossa Senhora partiu, tive a impressão de que algo se apagava, e apenas percebi uma espécie de sombra que se dirigia para o lado da galeria, fazendo o mesmo percurso pelo qual Ela havia chegado. Levantei-me dos degraus do altar e vi o menino onde ele havia ficado. Disse-me:
– Ela partiu.
Retomamos o mesmo caminho, de novo todo iluminado, o menino conservando-se à minha esquerda. Creio que era meu Anjo da Guarda, que se tornara visível para me fazer contemplar a Santíssima Virgem, atendendo as insistentes súplicas que eu lhe fizera neste sentido. Ele estava vestido de branco e levava consigo uma luz miraculosa, ou seja, estava resplandecente de luz. Sua idade girava em torno de quatro ou cinco anos.
Retornando a meu leito (eram duas horas da manhã, pois ouvi soar a hora), não consegui mais dormir…
Segunda aparição: a Medalha Milagrosa
Quatro meses transcorreram desde aquela prodigiosa noite em que Santa Catarina contemplara pela primeira vez a Santíssima Virgem. Na inocente alma da religiosa cresciam as saudades daquele bendito encontro e o desejo intenso de que lhe fosse concedido de novo o augusto favor de rever a Mãe de Deus. E foi atendida.
Era 27 de novembro de 1830, sábado. Às cinco e meia da tarde, as Filhas da Caridade encontravam-se reunidas na sua capela da rue du Bac para o costumeiro período de meditação. Reinava perfeito silêncio nas fileiras das freiras e noviças. Como as demais, Catarina se mantinha em profundo recolhimento. De súbito…
Pareceu-me ouvir, do lado da galeria, um ruído como o frufru de um vestido de seda. Tendo olhado para esse lado, vi a Santíssima Virgem à altura do quadro de São José. De estatura média, sua face era tão bela que me seria impossível dizer sua beleza.
A Santíssima Virgem estava de pé, trajando um vestido de seda branco-aurora, feito segundo o modelo que se chama à la Vierge, mangas lisas, com um véu branco que Lhe cobria a cabeça e descia de cada lado até embaixo. Sob o véu, vi os cabelos repartidos ao meio, e por cima uma renda de mais ou menos três centímetros de altura, sem franzido, isto é, apoiada ligeiramente sobre os cabelos. O rosto bastante descoberto, os pés pousados sobre uma meia esfera. Nas mãos, elevadas à altura do estômago de maneira muito natural, Ela trazia uma esfera de ouro que representava o globo terrestre. Seus olhos estavam voltados para o Céu… Seu rosto era de uma incomparável formosura. Eu não saberia descrevê-lo…
De repente, percebi em seus dedos anéis revestidos de belíssimas pedras preciosas, cada uma mais linda que a outra, algumas maiores, outras menores, lançando raios para todos os lados, cada qual mais estupendo que o outro. Das pedras maiores partiam os mais magníficos fulgores, alargando-se à medida que desciam, o que enchia toda a parte inferior do lugar. Eu não via os pés de Nossa Senhora.
Nesse momento, quando eu estava contemplando a Santíssima Virgem, Ela baixou os olhos, fitando-me. E uma voz se fez ouvir no fundo de meu coração, dizendo estas palavras:
– A esfera que vês representa o mundo inteiro, especialmente a França… e cada pessoa em particular…
Não sei exprimir o que senti e o que vi nesse instante: o esplendor e a cintilação de raios tão maravilhosos…
– Estes (raios) são o símbolo das graças que Eu derramo sobre as pessoas que mas pedem – acrescentou Nossa Senhora, fazendo-me compreender quão agradável é rezar a Ela, quanto Ela é generosa para com seus devotos, quantas graças concede às pessoas que Lhas rogam, e que alegria Ela sente ao concedê-las.
– Os anéis dos quais não partem raios (dirá depois a Santíssima Virgem), simbolizam as graças que se esquecem de me pedir.
Nesse momento formou-se um quadro em torno de Nossa Senhora, um pouco oval, no alto do qual estavam as seguintes palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”, escritas em letras de ouro.
Uma voz se fez ouvir então, dizendo-me:
– Fazei cunhar uma medalha conforme este modelo. Todos os que a usarem, trazendo-a ao pescoço, receberão grandes graças. Estas serão abundantes para aqueles que a usarem com confiança…
Nesse instante, o quadro me pareceu girar e vi o reverso da medalha: no centro, o monograma da Santíssima Virgem, composto pela letra “M” encimada por uma cruz, a qual tinha uma barra em sua base. Embaixo figuravam os Corações de Jesus e de Maria, o primeirocoroado de espinhos, e o outro, transpassado por um gládio. Tudo desapareceu como algo que se extingue, e fiquei repleta de bons sentimentos, de alegria e de consolação.
Santa Catarina dirá, mais tarde, a seu Diretor Espiritual ter visto as figuras do verso da medalha contornadas por uma guirlanda de doze estrelas. Tempos depois, pensando se algo mais devia lhes ser acrescentado, ouviu durante a meditação uma voz que dizia:
– O M e os dois corações são suficientes.
Terceira aparição de Nossa Senhora
Passado alguns dias, em dezembro de 1830, Nossa Senhora apareceu pela terceira e última vez a Santa Catarina. Como na visão anterior, Ela veio no período da meditação vespertina, fazendo-se preceder por aquele característico frufru de vestido de seda. Dali a pouco, a vidente contemplava a Rainha do Universo, em seu traje cor da aurora, revestida do véu branco, segurando novamente um globo de ouro encimado por uma pequena cruz. Dos anéis ornados de pedras preciosas jorra, com intensidades diversas, a mesma luz, radiosa como a do sol. Contou depois Santa Catarina:
É impossível exprimir o que senti e compreendi no momento em que a Santíssima Virgem oferecia o Globo a Nosso Senhor. Como estava com a atenção voltada em contemplar a Santíssima Virgem, uma voz se fez ouvir no fundo de meu coração: Estes raios são símbolo das graças que a Santíssima Virgem obtém para as pessoas que Lhas pedem. Estava eu cheia de bons sentimentos, quando tudo desapareceu como algo que se apaga. E fiquei repl
A cunhagem das primeiras medalhas
Encerrava-se assim o ciclo das aparições da Santíssima Virgem a Santa Catarina. Esta, entretanto, recebeu uma consoladora mensagem: “Minha filha, doravante não mais me verás, porém ouvirás minha voz durante tuas orações”. Tudo quanto presenciara e lhe fora transmitido, Santa Catarina relatou ao seu diretor espiritual, o Padre Aladel, que muito hesitou em lhe dar crédito. Ele considerava uma sonhadora, visionária e alucinada essa noviça que tudo lhe confiava e insistentemente implorava:
– Nossa Senhora quer isto… Nossa Senhora está descontente… é preciso cunhar a medalha!
Dois anos de tormento se passaram. Por fim, o Padre Aladel resolve consultar o Arcebispo de Paris, Dom Quelen, que o encoraja a levar adiante esse santo empreendimento. Só então encomenda à Casa Vachette as primeiras vinte mil medalhas. A cunhagem já iacomeçar, quando uma epidemia de cólera, vinda da Rússia através da Polônia, irrompeu em Paris em 26 de março de 1832, espalhando a morte e a calamidade. A devastação foi tal que, num único dia, registraram-se 861 vítimas fatais, sendo que o total de óbitos elevou-se a mais de vinte mil.
As descrições da época são aterradoras: o corpo de um homem em perfeitas condições de saúde reduzia-se ao estado de esqueleto em apenas quatro ou cinco horas. Quase num piscar de olhos, jovens cheios de vida tomavam o aspecto de velhos carcomidos, e logodepois não eram senão horripilantes cadáveres.
Nos últimos dias de maio, quando a epidemia pareceu recuar, iniciou-se de fato a cunhagem das medalhas. Todavia, na segunda quinzena de junho, novo surto da tremenda enfermidade lançava uma vez mais o pânico entre o povo. Finalmente, a Casa Vachette entregou no dia 30 desse mês as primeiras 1500 medalhas, que logo foram distribuídas pelas Filhas da Caridade e abriram um interminável cortejo de graças e milagres.
Conversão do jovem Ratisbonne
Os prodígios da misericórdia divina operados através da Medalha correram de boca em boca por toda a França. Em poucos anos, já se difundia pelo mundo inteiro a notícia de que Nossa Senhora havia indicado pessoalmente a uma freira, Filha da Caridade, o modelo de uma medalha que mereceu imediatamente o nome de “Milagrosa”, pois imensos e copiosos eram os favores celestiais alcançados pelos que a usavam com confiança, segundo a promessa da Santíssima Virgem.
Em 1839, mais de dez milhões de medalhas já circulavam pelos cinco continentes, e os registros de milagres chegavam de todos os lados: Estados Unidos, Polônia, China, Etiópia…
Nenhum, porém, causou tanta surpresa e admiração quanto o noticiado pela imprensa em 1842: um jovem banqueiro, aparentado com a riquíssima família Rotschild, judeu de raça e religião, indo a Roma com olhos críticos em relação à Fé Católica, converteu-se subitamente na Igreja de Santo André delle Fratte. A Santíssima Virgem lhe aparecera com as mesmas características da Medalha Milagrosa: “Ela nada disse, mas eu compreendi tudo”, declarou Afonso Tobias Ratisbonne, que logo rompeu um promissor noivado e se tornou, no mesmo ano, noviço jesuíta. Mais tarde se ordenou sacerdote e prestou relevantes serviços à Santa Igreja, sob o nome de Padre Afonso Maria Ratisbonne.
Quatro dias antes de sua feliz conversão, o jovem israelita aceitara, por bravata, a imposição de seu amigo, o Barão de Bussières: prometera rezar todo dia um Lembrai-vos (conhecida oração composta por São Bernardo) e levar ao pescoço uma Medalha Milagrosa. E ele a trazia consigo quando Nossa Senhora lhe apareceu…
Essa espetacular conversão comoveu toda a aristocracia européia e teve repercussão mundial, tornando ainda mais conhecida, procurada e venerada a Medalha Milagrosa. Entretanto, ninguém – nem a Superiora da rue du Bac e nem mesmo o Papa – sabia quem era a religiosa escolhida por Nossa Senhora para canal de tantas graças. Ninguém… exceto o Padre Aladel, que envolvia tudo no anonimato. Por humildade, Santa Catarina Labouré manteve durante toda a vida uma absoluta discrição, jamais deixando transparecer o celeste privilégiocom que fora contemplada.
Para ela importava apenas a difusão da medalha: era sua missão… e estava cumprida!
A figura de Nossa Senhora na Medalha
A propósito da figura de Nossa Senhora, com as mãos e os braços estendidos, tal como aparece na Medalha Milagrosa, levanta-se uma delicada e controvertida questão.
Dos manuscritos de Santa Catarina pode-se inferir que Nossa Senhora lhe apareceu três vezes, duas das quais oferecendo o globo a Nosso Senhor. Em nenhum desses numerosos autógrafos há qualquer menção ao momento em que a Mãe de Deus teria estendido seus braços e suas virginalíssimas mãos, como se vê na Medalha Milagrosa e nos primeiros quadros representativos das aparições.
Essa divergência entre as descrições de Santa Catarina e a representação da Medalha Milagrosa foi logo apontada pelo biógrafo davidente, Monsenhor Chevalier, ao declarar em 1896 no processo de beatificação: “Não chego a compreender por que o Padre Aladel suprimiu o globo que a Serva de Deus sempre afirmou a mim ter visto nas mãos da Santíssima Virgem. Sou levado a crer que ele agiu assim para simplificar a medalha”.
Porém, se lamentável é esta “simplificação” feita pelo Padre Aladel, ela não deve causar a menor perturbação. Sobre a Medalha Milagrosa, tal qual é conhecida e venerada hoje no mundo inteiro, pousaram as bênçãos da Santíssima Virgem. É o que, indubitavelmente, se deduz das incontáveis e insignes graças, dos fulgurantes e inúmeros milagres que tem ocasionado, bem como da reação de Santa Catarina ao receber as primeiras medalhas cunhadas pela Casa Vachette, dois anos depois das aparições: “Agora é preciso propagá-la!”, exclamou ela.
Ainda acerca do globo que não figura na Medalha, uma decisiva confidência afasta qualquer dúvida. Em 1876, pouco antes de falecer, sendo interrogada pela sua Superiora, Madre Joana Dufès, Santa Catarina respondeu categoricamente:
– Oh! Não se deve tocar na Medalha Milagrosa!
A glorificação de Catarina
Durante 46 anos de uma vida toda interior e escrupulosamente recolhida, Santa Catarina permaneceu fiel a seu anonimato. Miraculoso silêncio! Seis meses antes de seu fim, impossibilitada de ver seu confessor, recebeu do Céu a autorização – quiçá a exigência – de revelar à sua Superiora quem era a freira honrada pela Santíssima Virgem por um ato de confiança sem igual.
Diante da idosa e já claudicante irmã, em relação à qual havia sido por vezes severa, a Superiora se ajoelhou e se humilhou. Tanta simplicidade na grandeza confundia sua soberba.
Santa Catarina faleceu docemente em 31 de dezembro de 1876, sendo enterrada três dias depois numa sepultura cavada na capela da rue du Bac. Passadas quase seis décadas, em 21 de março de 1933, seu corpo exumado apareceu incorrupto à vista dos assistentes. Um médico ergueu as pálpebras da santa e recuou, reprimindo a custo um grito de espanto: os magníficos olhos azuis que contemplaram a Santíssima Virgem pareciam ainda, após 56 anos de túmulo, palpitantes de vida.
A Igreja elevou Santa Catarina Labouré à honra dos altares em 27 de julho de 1947. Aos tesouros de graças e misericórdias espargidos pela Medalha Milagrosa em todo o mundo, iam se acrescentar doravante as benevolências e favores obtidos pela intercessão daquela que vivera na sombra, escondida com Jesus e Maria.
Hoje, qualquer fiel pode venerar o corpo incorrupto da santa, exposto na Casa das Filhas da Caridade, em Paris. Antigamente ali, nas horas de oração e recolhimento, o balouçar das alvas coifas das religiosas ajoelhadas em fileiras diante do altar, lembrava um disciplinado vôo de pombos brancos…
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OBRAS CONSULTADAS:
1 – Mémorial des Apparitions de la Vierge dans l’Église, Fr. H. Maréchal, O. P., Éditions du Cerf, Paris, 1957.
2 – L’itinéraire de la Vierge Marie, Pierre Molaine, Éditions Corrêa, Paris, 1953.
3 – Vie authentique de Catherine Labouré, René Laurentin, Desclée De Brouwer, Paris, 1980.
4 – Catherine Labouré, sa vie, ses apparitions, son message racontée a tous, René Laurentin, Desclée De Brouwer, 1981.
(in “A Medalha Milagrosa – História e celestiais promessas”, Mons. João Clá Dias, EP – Dom Geraldo Majela de Castro, O. Praem.; Bispo Diocesano de Montes Claros – MG)
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