Dom Cláudio Hummes celebra missa por São João Maria Vianney em Ars, na França
Ars (Terça, 04-08-2009, Gaudium Press) Em pleno dia do Sacerdote, efeméride criada para homenagear o patrono dos padres São João Maria Vianney, dom Cláudio Hummes, prefeito da Congregação para o Clero, foi à cidade natal de Vianney, na França, especialmente para presidir uma missa solene pelo dia do Santo Cura d’Ars. Em 2009, completam-se 150 anos da morte do sacerdote, fato que inspirou o Papa Bento XVI a convocar um Ano Sacerdotal como período jubilar de reflexão.
Após a missa, as celebrações em Ars em honra a São João Maria Vianney prosseguirão pela tarde com uma procissão com a relíquia do coração do santo e com a celebração solene das vésperas, que encerrará o séquito e será realizada na própria basílica d’Ars.
“Este Ano Sacerdotal tem diante de si como modelo o Santo Cura d’Ars para todos os sacerdotes no mundo. O seu significado é grande para todos os sacerdotes nestes tempos. Ainda que estejamos um pouco distantes, em outra cultura, em outra época histórica, a sua mensagem é sempre muito válida”, afirmou o cardeal na celebração.
Na homilia de sua celebração desta manhã em Ars, o prefeito da Congregação para o Clero disse ainda que a sociedade moderna encontra-se dispersa em rebanhos de “ovelhas sem pastores” e que por isso ser sacerdote quer dizer “ser missionário, ser enviado para o anúncio da Boa Nova a todos os homens, a começar dos pobres”. Para isso, afirma, os sacerdotes devem participar da “caridade pastoral de Cristo”, “orando sem cessar e com amor incondicional”, pois somente assim se tornarão um “bons pastores que doam a vida pelos outros”.
Na conclusão da homilia, o purpurado destacou o papel da família no nascimento das vocações: “As estatísticas francesas revelam que muitos seminaristas provêm de famílias profundamente cristãs. Por isto, os núcleos familiares devem ser verdadeiras igrejas domésticas, focos ardentes de fé e de amor e de oração conjunta”. Aos pais, aconselhou que “não tenham medo que o Senhor escolha um de vossos filhos para fazê-lo sacerdote; pelo contrário, ousem pedir a Deus a graça de uma vocação sacerdotal na família. Descobrirão que dar um padre à Igreja é uma verdadeira benção”.
Dom Cláudio revelou que quer aproveitar que está na França para visitar também outros santuários pregando pelos sacerdotes e levando a mensagem do Ano Sacerdotal. “Irei a Lisieux para orar com Santa Teresa pedindo que ela continue a interceder constantemente pelos sacerdotes (…) Depois, quero ir também a Sacre-Couer de Montmartre, em Paris, porque o Sagrado Coração de Jesus tem uma especial importância para os próprios sacerdotes. Por fim, a Lourdes, para rezar pelos sacerdotes enfermos”.
Veja a seguir a íntegra da carta publicada por dom Claudio Hummes aos sacerdotes por conta do dia do Santo Cura d’Ars.
Jesus disse: “Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12,47).
Caros Presbíteros,
A atual cultura ocidental dominante, sempre mais difundida em todo o mundo, através da mídia global e da mobilidade humana, também nos países de outras culturas, apresenta novos desafios, não pouco empenhativos, para a evangelização. Trata-se de uma cultura marcada profundamente por um relativismo que recusa toda afirmação de uma verdade absoluta e transcendente e, em consequência, arruína também os fundamentos da moral e se fecha à religião. Dessa forma, perde-se a paixão pela verdade, relegada a uma “paixão inútil”. Jesus Cristo, no entanto, apresenta-se como a Verdade, o Logos universal, a Razão que ilumina e explica tudo o que existe. O relativismo, ademais, vem acompanhado de um subjetivismo individualista, que põe no centro de tudo o próprio ego.
Por fim, chega-se ao niilismo, segundo o qual não há nada nem ninguém pelo qual vale a pena investir a própria inteira vida e, portanto, a vida humana carece de um verdadeiro sentido. Todavia, é preciso reconhecer que a atual cultura dominante, pós-moderna, traz consigo um grande e verdadeiro progresso científico e tecnológico, que fascina o ser humano, principalmente os jovens. O uso deste progresso, infelizmente, não tem sempre como escopo principal o bem do homem e de todos os homens. Falta-lhe um humanismo integral, capaz de dar-lhe seu verdadeiro sentido e finalidade. Poderíamos referir-nos ainda a outros aspectos dessa cultura: consumismo, libertinagem, cultura do espetáculo e do corpo. Não se pode, porém, não frisar que tudo isso produz um laicismo, que não quer a religião, faz de tudo para enfraquecê-la ou, ao menos, relegá-la à vida particular das pessoas.
Essa cultura produz uma descristianização por demais visível, na maioria dos países cristãos, especialmente no Ocidente. O número das vocações sacerdotais caiu. Diminuiu também o número dos presbíteros, seja pela falta de vocações seja pelo influxo do ambiente cultural em que vivem. Tais circunstâncias poderiam conduzir-nos à tentação de um pessimismo desencorajante, que condena o mundo atual, e induzir-nos à retirada para a defensiva, nas trincheiras da resistência.
Jesus Cristo, ao invés, afirma: “Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12,47). Não podemos nem desencorajar-nos nem ter medo da sociedade atual nem simplesmente condená-la. É preciso salvá-la! Cada cultura humana, também a atual, pode ser evangelizada. Em cada cultura há “sementes do Verbo”, como aberturas para o Evangelho. Certamente, também na nossa atual cultura. Sem dúvida, também os assim chamados “pós-cristãos” poderiam ser tocados e reabrir-se, caso fossem levados a um verdadeiro encontro pessoal e comunitário com a pessoa de Jesus Cristo vivo. Em tal encontro, cada pessoa humana de boa vontade pode, por Ele, ser alcançada. Ele ama a todos e bate à porta de todos, porque quer salvar a todos, sem exceção. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, para todos. É o único mediador entre Deus e os homens.
Caríssimos Presbíteros, nós, pastores, nos tempos de hoje, somos chamados com urgência à missão, seja “ad gentes”, seja nas regiões dos países cristãos, onde tantos batizados afastaram-se da participação em nossas comunidades ou, até mesmo, perderam a fé. Não podemos ter medo nem permanecer quietos em casa. O Senhor disse a seus discípulos: “Por que tendes medo, homens fracos na fé?” (Mt 8, 26). “Não se acende uma lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas no candeeiro, para que ilumine a todos os que estão na casa” (5,15). “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20).
Não lançaremos a semente da Palavra de Deus apenas da janela de nossa casa paroquial, mas sairemos ao campo aberto da nossa sociedade, a começar pelos pobres, para chegar também a todas as camadas e instituições sociais. Iremos visitar as famílias, todas as pessoas, principalmente os batizados que se afastaram. Nosso povo quer sentir a proximidade da sua Igreja. Faremo-lo, indo à nossa sociedade com alegria e entusiasmo, certos da presença do Senhor conosco na missão e certos de que Ele baterá à porta dos corações aos quais O anunciarmos.
Cardeal Cláudio Hummes
Arcebispo Emérito de São Paulo
Prefeito da Congregação para o Clero
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