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"O pó da fragilidade é nossa condição", afirma o Arcebispo de Porto Alegre

Porto Alegre – Rio Grande do Sul (Terça-Feira, 24/03/2015, Gaudium Press) Com o título “O essencial é invisível”, Dom Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, afirma em seu mais recente artigo que, no início da Quaresma, fomos recordados de que somos pó e ao pó retornaremos e que reconhecer e assumir a própria condição nem sempre é fácil. Para ele, a partir da fé, cientes da própria condição, as cinzas de nossa condição representam a possibilidade de vida plena.Arcebispo de Porto Alegre.jpg

De acordo com o Prelado, intui a perspectiva oferecida pela fé quem se sente tocado pela experiência do encontro com Jesus. Ele explica que a partir dessa experiência, tudo pode adquirir novo significado: o modo de ver as coisas, o outro, a vida, a morte, Deus se transforma. “Esse modo de ver não é expressão da própria subjetividade, mas é repercussão da graça do encontro. Como se dá esse modo de ver?”, questiona.

Então Dom Spengler recorda que em uma entrevista feita pelo filósofo francês Claude Bonnefoy com o poeta romeno Eugène Ionesco (Entretiens avec Eugène Ionesco, Paris, 1970), o poeta falou de uma experiência toda pessoal, tida na sua juventude, que ilustra com precisão a experiência do ver.

Declarou Ionesco: “Eu tinha cerca de 17 ou 18 anos. Estava numa cidade da província. Era em junho, perto do meio-dia. Eu passeava numa das ruas dessa cidade muito tranquila. De repente, tive a impressão de que o mundo ao mesmo tempo se afastava e se reaproximava, ou antes, que o mundo se tinha distanciado de mim, que eu estava num outro mundo, mais meu do que o antigo, infinitamente mais luminoso. Os cães nos pátios ladravam à minha passagem, perto dos muros, mas os latidos tornaram-se subitamente como que melodiosos, ou quase que abafados, como que macios. Parecia-me que o céu se tornara extremamente denso, que a luz era quase palpável, que as casas tinham um brilho jamais visto, um brilho desusado, completamente fora do habitual. É muito difícil de definir; o que é mais fácil de dizer, talvez, é que eu senti uma alegria enorme, eu tive o sentimento de que havia compreendido qualquer coisa de fundamental; que alguma coisa de muito importante me acontecera”.

Nesse momento, ele disse a si mesmo: “Não tenho mais medo da morte. Tinha o sentimento de uma verdade absoluta, definitiva. Quando, mais tarde, eu tivesse tristezas ou angústias, lembrar-me-ia daquele momento para readquirir a serenidade, a alegria”.

Para o Arcebispo, o poeta expressa uma experiência singular, única, que proporcionou uma percepção toda particular até mesmo das coisas mais corriqueiras do cotidiano: os cães com seus latidos, os muros, as casas…

Ele acrescenta que a conversão que o tempo da Quaresma indica como necessária é caminho sempre necessário para resgatar a percepção de dimensões da existência humana que podem ter sido descuradas, esquecidas, ignoradas.

“A conversão aponta para o cultivo da sempre necessária obra do cuidado. Conversão significa resposta decidida a situações que a vigilância e a prudência apresentam como merecedoras de cultivo, tendo como referência maior o Evangelho do Crucificado-Ressuscitado”, pondera.

Além disso, o Prelado diz que conhecemos as doenças do corpo; com temor reconhecemos as doenças da alma; dificilmente, nos damos conta das doenças da mente. Entretanto, conforme ele, não podemos descuidar da mente, pois ela também pode adoecer, enrijecendo-se ou perdendo o brilho.

“Isso porque o ser humano é essa complexidade de corpo, alma e mente que podem sempre adoecer devido à condição própria de fragilidade. O pó da fragilidade é nossa condição! Mas é também o chão de nossa possibilidade maior.”

Por fim, Dom Spengler alerta que o tempo da Quaresma representa uma possibilidade ímpar para a partir do reconhecimento da própria condição, dispor-nos para a possibilidade da transcendência; ou seja, a partir da visibilidade dos elementos que nos cercam, entrever o que é essencial e que, por vezes, é invisível, como os sentimentos de amor, respeito, consideração, perdão. (FB)

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