“Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei”
Redação – (Sexta-feira, 13-03-2015, Gaudium Press) – A porta para a eterna felicidade é estreita, como diz Nosso Senhor: “Procurai entrar pela porta estreita; porque, digo-vos, muitos procurarão entrar e não o conseguirão” (Lc 13, 24).
Não obstante, nem sempre Deus premia os seus com consolações na hora da morte. Muitas almas eleitas morrem nas noites escuras da provação, da dúvida, do abandono, à semelhança de Nosso Senhor Jesus Cristo, que no alto da Cruz bradou: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?” (Mt 27, 46).
Ele, que era Deus, quis deixar seu exemplo para muitos que morreriam não apenas sentindo-se abandonados, mas no meio de terríveis provações, as quais, às vezes, parecem contradizer a própria vocação recebida de Deus. É desse modo que Deus costuma tratar certas almas às quais muito ama!
Assim sucedeu com a virgem de Lucca, Santa Gema. Após uma vida repleta de demonstrações de predileção da parte de Deus, ela consumou seu holocausto de amor num tremendo abandono. Nos seus últimos dias, ficou sozinha, apenas assistida por algumas mulheres piedosas. Recebeu todos os sacramentos, mas nenhuma daquelas pessoas que a haviam guiado na vida espiritual a acompanhou nos seus derradeiros instantes.
“Este isolamento foi certamente querido pela Providência para elevar ao mais alto grau de martírio o mérito de sua Serva”.1 Ela mesma, minutos antes da morte, dizia estar preparada para aquele momento terrível sem nenhuma consolação da parte de Deus, como relata o Padre Germano, seu biógrafo:
Finalmente, aniquilada pela veemência do mal, esmagada sob o peso de imensas dores, atormentada em todas as faculdades da alma e do corpo pelos espíritos infernais, sem conforto nem do Céu e nem da terra, a inocente mártir elevou a voz quase apagada e pronunciou estas últimas palavras: “Agora é bem verdade que não posso mais. Jesus, encomendo-Vos a minha pobre alma… Jesus!”. Era o ‘consumatum est’ e o ‘in manus tuas’ do Salvador expirando sobre a cruz.2
Mesmo após os sofrimentos da doença, ela não perdera a beleza angélica da fisionomia. A tal ponto que os presentes pensavam que ela dormia, pois em sua face transparecia uma serenidade celestial, como descreve uma das testemunhas:
Um doce sorriso lhe bailou nos lábios, inclinou docemente a cabeça e deixou de viver do mesmo modo que Nosso Senhor, segundo se lê no Evangelho: Et inclinato capite tradidit spiritum. Imediatamente a sua alma seráfica, recreada, como firmemente creio, pela presença visível do seu muito Amado Jesus, da sua Mãe, do seu Anjo da Guarda, de São Paulo da Cruz que tantas vezes invocava nos seus últimos momentos, de São Gabriel, de quem era muito devota, esta alma seráfica, carregada de coroas e palmas, voou para o seio de Deus.3
Naquele completo abandono, Santa Gema não se revoltou, aceitou a desolação e bebeu dessa taça amarga até a última gota!
Também Santa Teresinha do Menino Jesus nos oferece um sublime exemplo. Chegou ela a afirmar que seu maior desejo era morrer, para estar bem perto do Bom Deus. E, ao atender seu amoroso pedido, o Senhor não lhe enviou nenhuma gota de consolação, como atestam as próprias palavras da Santa, dirigidas à sua madre superiora:
– Ó minha Madre, asseguro-vos, o cálice está cheio até a borda!… Mas o bom Deus, com toda certeza, não me abandonará!… Ele nunca me abandonou!… Sim, meu Deus, tudo o que quiserdes, mas tende piedade de mim! 4
Além dos sofrimentos que a doença lhe causava, houve um tormento muito maior: terríveis tentações contra a fé, que lhe atormentavam o espírito. Mas sua virtude foi em grau tão heroico que jamais se perturbou, nem se desviou de seus pensamentos elevadíssimos. Ao entrar na agonia, invocou o nome do Bom Deus com muito amor e toda flexibilidade, disposta a aceitar o que Ele quisesse. Uma das religiosas presentes relata o acontecido com aquela alma virginal que viria ser um grande exemplo para os séculos futuros:
Mal as irmãs ajoelharam-se ao redor de seu leito, foram testemunhas do êxtase de nossa santinha moribunda. Seu rosto retomara a mesma cor de lírio, quando em plena saúde; seus olhos se fixaram-se no alto, brilhantes de paz e alegria…Irmã Maria da Eucaristia aproximou-se com uma vela para ver mais de perto esse sublime olhar. A luz não provocou, em suas pálpebras, nenhum movimento. Esse êxtase durou o espaço de um Credo, exalando em seguida o seu último suspiro. 5
Outro fulgurante exemplo de heroísmo foi o de Santa Joana d’Arc, a frágil menina que lutou como um valente guerreiro no campo de batalha. Traída e presa pela Inquisição inglesa, Santa Joana d’Arc viu-se isolada pelo próprio Rei da França, Carlos VII, por quem ela havia lutado valorosamente. Acusada de bruxaria, foi condenada à morte na fogueira. Enquanto seu corpo era consumido pelas chamas, não cessou de repetir que não haviam mentido as vozes que lhe haviam indicado o caminho ousado e glorioso de sua vocação.
Supremo ato de fidelidade, em meio ao completo abandono!
Se a morte fosse o fim de tudo, nada justificaria renunciar a uma vida de gozo desenfreado. Com sua Ressurreição, Cristo comprou a nossa própria ressurreição, dando-nos a confiança de que com Ele reinaremos eternamente: “Quando Cristo, vossa vida, aparecer, então também vós aparecereis com Ele na glória” (I Cor 15, 19).
Por Ir. Thaynara Ramos Siedlarczyk, EP
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1 SANTO ESTANISLAU, Germano de. Biografia da Serva de Deus Gema Galgani. 2. ed. Porto: [s.n.], 1923, p. 330.
2 Ibid. p. 331.
3 Ibid. p. 332.
4 SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS. Não morro… Entro na vida. Últimos Colóquios. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 185.
5 Ibid. p. 188.
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