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A lógica e a virtude, que relação há entre elas?

Redação (Terça-feira, 13-08-2013, Gaudium Press) – Já na primeira seção do Catecismo Católico encontramos o seguinte princípio: sendo o homem criado por Deus e para Deus há nele um desejo do infinito. Essa tendência no homem de caráter divino se expressou de várias maneiras ao longo da história. (Cf. CIC 27 e 28). É nisso que se radica a busca da felicidade, bem como a busca da verdade presente em todo e qualquer homem. De fato é a esta que se dirige todo e qualquer intelecto humano, assim como a vontade do homem o bem procura.

A vontade unida ao intelecto procurando ambos aquilo que deve ser realmente procurado, outorga ao homem uma vida e pensamento sem contradições, coerentes, ordenados. E é isso que muitos homens na história procuraram, procuram e até o fim haverão de procurar.

De fato, o homem que possui tal pensamento é sem dúvida digno de admiração, tanto mais no mundo hodierno onde se encontram tantos erros e desvarios de mentalidade tornando-se cada vez mais raras tais pessoas.

A vida que leva um homem durante sua peregrinação terrena, seus inúmeros atos e palavras tendem a ser um reflexo de seu pensamento, daquilo que vai no interior de seus corações; daí o máxima já usado por Nosso Senhor: “a boca fala daquilo que o coração está cheio (Mt 12, 34)”. E se alguém quiser ter uma vida admirável empenhe-se por ter um pensamento admirável. É errôneo o fato de alguém que diz ser alguma coisa, mas no fundo pensa outra, isso é no fundo hipocrisia, vício tão recriminado por Nosso Senhor Jesus Cristo (Ver Mt. 23)

Não é a toa que aconselhou tão acertadamente Paul Bourget em sua célebre obra Le Démon du Midi: cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu” 1.

Como dissemos, à medida que o tempo passa vai ficando mais difícil encontrar homens cujo pensamento seja coerente, sábio, admirável. Perguntamo-nos então: Terá havido época em que a humanidade estivesse toda ela imbuída de homens assim com o pensamento todo ele admiravelmente ordenado e dotado de uma lógica inigualável? Sim houve, e quando foi isso?

Quando a humanidade era constituída apenas de duas pessoas: Adão e Eva. Deus elevou o primeiro homem à uma ordem eminentíssima por uma liberalidade extrema de sua parte, com insignes dons sobrenaturais e preternaturais.2 Entre esses, destacamos o dom de integridade.

O dom de integridade que foi perdido no Paraíso terrestre

Esse dom especialíssimo fazia com que todas as inclinações das paixões e os impulsos da natureza estivessem em harmonia com a lei divina.3 A sensibilidade e a vontade eram governadas pela razão perfeitamente equilibrada, e esta se submetia com docilidade às determinações de Deus. A ordenação do homem antes do pecado poderia ser comparada a um motor afinado, sem nenhum parafuso frouxo, ou a um crochê muito bem feito, sem nenhum ponto solto; em todos os movimentos de alma e de corpo reinava o mais completo equilíbrio, sem nenhum esforço.4

Entretanto esse privilégio e muitos outros concedidos por Deus foram perdidos quando nossos primeiros pais foram expulsos do Paraíso por sua desobediência, por seu pecado de orgulho. (Cf. II-II, q. 163 a.1) Eles perderam a semelhança* com Deus, perderam esse admirável dom de integridade.

A humanidade a partir daí tornou-se sujeita à incoerência, a uma desordem intelectual e a tantas outras coisas que hoje temos a infelicidade de conhecer. Pomo-nos então a perguntar: o que faz hoje em dia com que encontremos tantas desordens de caráter intelectual, qual a origem disso?

A origem da desordem intelectual:

O homem é um microcosmo, conta em sua natureza com elementos do reino mineral, vegetal, animal e espiritual. Estes elementos trazem leis contraditórias que, devido ao pecado, se entrechocam em nosso interior. Eis a razão de São Paulo afirmar: “No meu íntimo, eu amo a Lei de Deus; mas percebo em meus membros outra lei que luta contra a lei da minha razão e que me torna escravo da lei do pecado que está em meus membros” (Rm 7, 22-23).

Pode-se dar um exemplo disso. Alguém pode estar diante de um objeto que não lhe pertence, e que ao mesmo tempo lhe atrai muitíssimo. Um lado seu: o elemento espiritual o qual pede uma dedicação cada vez maior aos impalpáveis e ao sobrenatural, faz lembrar-lhe que o mandamento da lei de Deus ordena não cobiçar coisas alheias. Por outro lado, a lei animal que ele também possui em si se esquiva dessa tendência, chamando sua atenção para o que é concreto e material. Faz-lhe então com que, seus instintos o induza à apropriação daquilo que lhe agrada, embora não lhe pertença.

Os exemplos poderiam ser indefinidamente multiplicados, pois há uma luta constante entre as várias leis que originam as dificuldades desta vida.5

Já no livro de Jó encontramos a passagem: Vita hominis super terram militia est (Jó 7,1) De fato, há uma luta para todos os homens em sua vida e nessa luta o homem perde quando deixa de procurar o bem ou a verdade realmente ditos.

Isso acontece em nossas almas quando nos deparamos com algo chamado racionalização*. O que é racionalização? É um ato mal que é feito pelo intelecto que procura driblar a lei através de um princípio inventado. O homem diante de determinada situação, procura justificar-se através de um raciocínio, um sofisma. Põe assim uma máscara e abafa sua consciência. Faz uma falcatrua religiosa.

Por que o homem faz isso? Nós sabemos pela Doutrina Católica e pela própria Filosofia de que o homem nunca pratica o mal pelo mal e nunca pratica o erro pelo erro. Há uma impossibilidade da própria natureza humana de permitir que o homem abrace o mal pelo mal e o erro pelo erro. Entretanto: peccatus quis inteligit?

Por exemplo, não é raro encontrar pessoas que fazem seus, segundo a “inspiração” dos instintos lhe dizem à mente, patenteando que as potências da alma naquelas estão todas elas desordenadas; o homem hodierno é um derrotado nessa matéria.

Ora, nessa luta inevitável que existe na vida humana, vence aquele que, com o auxílio da Graça, faz prevalecer a potência que está acima das demais: a razão e sobretudo, essa iluminada pela Fé. Fazendo cumprir os desejos de Deus, tendo em si a convicção de que a verdade e por conseguinte a felicidade se encontra quando se orienta a sua vontade a Deus, Bem supremo e fim último do homem.

É justamente assim o modo como os santos travam sua luta. Foi assim como os santos viveram. Ao estarem eles fazendo prevalecer a razão e sobretudo, essa iluminada pela Fé não fazem outra coisa senão cumprir a vontade de Deus.

E quando se faz a vontade de Deus, ou seja, quando se é santo, aqueles dons perdidos por Adão no paraíso são em parte depositados na alma dele fazendo-o mais conforme à imagem e semelhança de Deus. Há em seu pensamento e portanto em sua vida, de um modo notório: a verdade, o bem, a felicidade. São eles os mais felizes e lógicos dentre os homens.

Por André Luiz Moura – Teologia II

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1 – BOURGET, Paul. Le Démon du Midi. Paris: Librairie Plon, 1914, vol. II. p. 375.
2 – Cf. CAMPANA, Emile, Marie dans Le Dogme Catholique, J.-M. Montréjeau: Soubiron.1913 Vol. II p. 37-45.
3 – SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica. I, q. 64, a. 2. Apud CLÁ DIAS, João Scognamiglio. O inédito
sobre os Evangelhos, comentário aos Evangelhos dominicais. Tomo V. Domingos do Advento, Natal, Quaresma e
Páscoa. Vaticano: Editrice Vaticana. 2012, p. 323.
4 – Op. Cit. p. 324.
* No sentido usado por alguns Padres da Igreja. Porque no sentido de são Tomás, a semelhança existe em todas as
criaturas (cf. ST I, q. 4, a. 3).
5 Cf. Op. Cit. p. 324.
* Abordamos esse tema com base em homilias realizadas por Mons. João Clá, sobretudo em homilias datadas entre
os anos de 2006 e 2010.

 

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