Apesar da “vergonha”, cardeal irlandês diz que “é um passo bem-vindo” documento com denúncias contra instituições católicas no país
Dublin (Quinta, 21-05-2009, Gaudium Press) O cardeal Sean Brady, alto dirigente da Igreja Católica da Irlanda e arcebispo de Armagh, afirmou que está “profundamente envergonhado” com a publicação, ontem, de um informe revelando que milhares de crianças do país foram vítimas de abusos por parte de padres e freiras em instituições católicas irlandesas, entre 1930 e 1990. “Lamento e estou profundamente envergonhado que crianças tenham sofrido de forma tão terrível nessas instituições”, disse.
A comissão da Justiça irlandesa que elaborou o relatório – depois de quase dez anos de investigação – ouviu os depoimentos de pessoas, atualmente com idades entre 50 e 70 anos, que estudaram em mais de 250 instituições. O informe classifica como “endêmicos” os casos de abusos sexuais em orfanatos, escolas e reformatórios dirigidos pela Igreja Católica, entre 1930 e 1990.
O documento elaborado pelo grupo criado no ano 2000 tem 2.500 páginas e custou 70 milhões de euros. A comissão ouviu cerca de 700 testemunhos de pessoas que sofreram violência em reformatórios, orfanatos e escolas.
De acordo com o cardeal, o texto é “um catálogo vergonhoso de crueldade, abandono, abusos físicos, sexuais e emocionais” que mostra “grandes danos causados aos mais vulneráveis de nossa sociedade”.
“O relatório ilumina um período obscuro do passado. A publicação deste extenso documento e análise é um passo bem-vindo e importante para estabelecer a verdade; dar justiça às vítimas e assegurar que um abuso como esse não volte a acontecer”, disse Brady. “A Igreja Católica continua decidida a fazer tudo o que for necessário para transformar a Igreja em um lugar seguro, alegre e provedor de vida para as crianças.”
Reviravolta no estômago
O arcebispo de Dublin, dom Diarmuid Martin, classificou como “admirável” a coragem das vítimas “em contar o que lhes aconteceu”. No entanto, o prelado disse que as histórias dessas pessoas “em muitos casos provocam uma reviravolta no estômago”.
Para o arcebispo, todas as organizações e instituições da Igreja mencionadas no relatório deveriam “examinar seriamente” como “seus ideais foram degradados, em virtude de tais abusos sistemáticos”.
Cotidiano
Nas escolas para garotos, dirigidas pela ordem dos Irmãos Cristãos, os meninos eram molestados e abusados constantemente, prática intensificada por regras impostas pelos supervisores, que provocavam ainda mais abusos, segundo o relatório. Ainda de acordo com o texto, nas instituições para garotas, dirigidas pelas Irmãs da Misericórdia, havia menos casos de abusos sexual, mas eram frequentes os casos de humilhação para que elas se sentissem sem valor.
“Em algumas escolas, um ritual de espancamento das garotas era rotineiro. Elas apanhavam com equipamentos desenhados para maximizar a dor e eram atingidas em todas as partes do corpo. […] Denegrir a pessoa e a família era um hábito amplamente difundido”, diz o informe.
Nenhuma descoberta do relatório será usada em processos criminais, em parte porque os Irmãos Cristãos conseguiram processar a comissão, em 2004, e assegurar que os nomes dos membros da entidade envolvidos fossem mantidos em sigilo. Assim, nenhum nome real, seja de vítimas ou de perpetradores dos abusos, aparece no documento.
O relatório, no entanto, lista 21 formas do governo reconhecer os erros do passado, incluindo a construção de um memorial permanente, fornecer aconselhamento e educação às vítimas e melhorar o atual serviço de proteção às crianças da Irlanda. O governo irlandês já criou um sistema de compensação no qual pagou a 12 mil vítimas de abuso uma média de US$ 90 mil. Cerca de 2.000 reclamações continuam em aberto.
Vítimas
“Estou indignado, amargurado e decepcionado”, afirmou uma das vítimas, John Walsh, que considera que a investigação deixou “feridas abertas” ao não castigar culpados pelos abusos. “Estes não eram orfanatos, eram gulags [campo de trabalhos forçados da antiga União Soviética]”, disse à agência de notícias France Presse John Kelly, outra vítima. “Eu não me chamava John Kelly. Era apenas o número 253”.
Nas próximas semanas, será divulgado o conteúdo de uma outra investigação da comissão, sobre abusos ocorridos entre 1975 e 2004 em paróquias da capital irlandesa, Dublin.
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