Não basta repartir bens materiais, a misericórdia envolve perdão, diz Dom Dadeus
Porto Alegre (Sexta-Feira, 28/12/2012, Gaudium Press) No mais recente artigo de dom Dadeus Grings, arcebispo metropolitano de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, intitulado “As nossas ofensas”, é possível refletirmos mais profundamente sobre a oração do “Pai Nosso”, especificamente sobre o trecho em que fala sobre as nossas ofensas, nossos pecados, e o perdão misericordioso do Pai.
Segundo o prelado, na antiga tradução do “Pai nosso” a palavra “debita”, do latim, aparece em português como “dívidas”: “perdoai as nossas dívidas assim como nos perdoamos aos nossos devedores”. No entanto, explica ele, para não deixar a impressão de redução a um cálculo contábil, eventualmente passível de ser comutado por números, passou-se à expressão de “ofensa”.
“Fica claro o sentido espiritual. Não há mais dúvida de que a ofensa representa uma dívida, mas é muito mais. Não se compensa com uma eventual restituição material. Envolve perdão, mesmo que exija também reparação. O problema de fundo está no relacionamento. Ninguém é uma ilha. O ser humano não se reduz à sua individualidade. Necessariamente convive. É relação, é família, é comunidade. Quem não convive não vive”, afirma.
Dom Dadeus ainda enfatiza que assim como, no organismo humano, acontecem desequilíbrios, que se traduzem por doenças e fazem sofrer, pondo em risco a vida da pessoa, também a convivência se desenvolve na sociedade humana, na família, na comunidade e na nação. De acordo com ele, está também ela profundamente afetada por tensões, desavenças, crises e guerras. “O que a saúde é para a vida pessoal a paz é para a sociedade.”
“O primeiro gesto frente às ameaças de destruição da convivência é, sem dúvida, a prevenção. É preciso promover constantemente um clima de paz e de harmonia, evitando as tensões e organizando a vida de modo a que possa decorrer como uma sinfonia perfeita de todos os membros da família, da comunidade e da sociedade. O amor, como chave da convivência humana, inventou duas virtudes para se estabelecer entre os homens: a justiça e a misericórdia”, avalia o arcebispo.
A justiça, conforme o prelado, exige reconhecer a cada um o que é seu, o que acarreta uma distribuição dos bens materiais de modo que não se repartam as pessoas, ou seja, reconhecer o direito de cada um sem jogá-los uns contra os outros. Dom Dadeus lembra que é o que normalmente acontece na repartição da herança familiar, onde famílias muito unidas e felizes, no lar aconchegante dos pais, esfacelam e tornam seus membros inimigos no momento da partilha dos bens herdados.
“Mas não basta repartir bens materiais de modo justo. Todos somos pecadores. Por isso temos defeitos. Além e muito acima da justiça, que trata dos bens materiais, o amor inventou outra virtude com o objetivo de criar uma sociedade humana condizente: a misericórdia. Envolve perdão. A oração do ‘Pai Nosso’, que Cristo ensinou aos seus discípulos, põe-nos numa situação paradoxal: manda pedir perdão a Deus na medida em que nós mesmos nos dispomos a perdoar os que nos ofenderam”, destaca.
Por fim, o arcebispo afirma que não se trata de valor monetário, pois seria ridículo quem quisesse comutar uma ofensa por alguma soma de dinheiro. Ele lembra que estamos aqui no plano espiritual, e o perdão necessariamente é gratuito, baseando-se na fé em Deus. Por isso, completa dom Dadeus, nos colocamos diante de Deus: necessitamos de seu perdão, porque nos reconhecemos diante dele pecadores e nos comprometemos a usar da mesma misericórdia que esperamos dele, perdoando as pessoas que nos ofenderam.
“Esta é a única condição para se promover a verdadeira paz entre os homens, que não seja opressão mas reconciliação. Na base está a fé em Deus, num relacionamento filial com ele. Ele, por sua vez, o quer estender a toda a sua família, isto é, aos filhos que, embora pecadores, foram assumidos na sua intimidade e recebem seu amor incondicional. Não apelamos para as nossas obras mas para a sua misericórdia que tornamos nossa”, conclui. (FB)
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