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Diretor do “L’Osservatore Romano” concede entrevista à Gaudium Press

Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 20-04-2012, Gaudum Press) No Brasil, no bairro Jardim Carlos Lourenço de Campinas, no estado de São Paulo, há uma rua que se chama L’Osservatore Romano. Um decreto da denominação original da Rua 17 foi assinado em 23 de setembro de 1981 na ocasião do centésimo vigésimo número do “jornal do Papa”.

Desde 1° de julho de 2011 o jornal comemora seu 150° aniversário. O raro jubileu faz referência à história particular do jornal, faz pensar no futuro e coincide com os particulares aniversários do atual pontífice: 60° aniversário de sacerdócio de Bento XVI, 85° aniversário e sete anos de pontificado.

O jornal do Papa, que hoje é chamado como jornal vaticano, e realmente é a única publicação periódica da Santa Sé, que goza de independência de pensamento, nasceu no contexto da perda de poder temporal do pontífice, quando o atual Estado da Cidade do Vaticano ainda não existia, com a intenção de ser uma voz livre e independente. Essa é uma característica particular que talvez tenha permitido ao “L’Osservatore Romano” permanecer tanto tempo levando ao mundo uma voz importante nos momentos duros da história contemporânea da humanidade, como o do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália, da Segunda Guerra Mundial ou do comunismo. As relações entre os Estados e a Santa Sé mudam, mas missão própria do jornal permanece e continua.

Desde o início os diretores do jornal foram leigos e essa característica permanece até hoje. “L’Osservatore Romano” é publicado em várias línguas nos dias de hoje, dentre as quais obviamente o português e o espanhol, e em várias edições: cotidiana, semanal e mensal. O trabalho é feito em um pequeno edifício no Vaticano. Antes a redação mudou de sede treze vezes. Entre os jornalistas há também um senhor brasileiro.

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Professor Giovanni Maria Vian
Diretor de “L’Osservatore Romano”

A sede foi visitada por muitos Papas. O primeiro foi Pio XI em 1933 que fez iniciar a rotativa. Entre os editorialistas mais particulares houve Giovanni Battista Montini, futuro Papa Paulo VI. No último dia 5 de julho o Papa Bento XVI visitou a sede, conversando pessoalmente com todos os funcionários da redação.

Como é feito hoje o trabalho no jornal, quais são seus desafios, os projetos e a vida do diretor, foi o que contou à nossa correspondente no Vaticano, Anna Artymiak, o diretor de “L’Osservatore Romano”, o Prof. Giovanni Maria Vian.

Gaudium Press – Professore Vian, o senhor é romano, quais são suas primeiras recordações sobre o jornal? O senhor o lia quando era criança?

Professor Giovanni Maria Van – Sim, porque chegava em minha casa. Meu pai era assinante, até porque colaborava com o jornal, assim como colaborava meu avô, o pai de meu pai. O irmão de meu pai também colaborou com o jornal. Então o jornal era muito conhecido em minha família. Minha recordação é que à tarde chegava o jornal, quando era pequeno. O correio chegava três vezes na minha casa, em Roma pelo menos. Chegava de manhã com os jornais, me lembro entre 9 e 10h. Depois, por volta das 11 chegava a correspondência. À tarde, por volta das 5 chegava a terceira distribuição do correio, e com ela o “L’Osservatore Romano” que havia acabado de sair. Lembro-me que era dobrado em oito partes, enquanto agora normalmente é dobrado em quatro. Comecei a colaboração sob a direção de Manzini em 1977. Colaborei durante toda a direção de Valpini, um escritor que renovou com muito bom gosto o jornal. Depois colaborei durante os primeiros anos da direção de Agnes, o meu predecessor até 1987. Então, depois de 20 anos fui nomeado pelo Papa como diretor. É um jornal, portanto, do qual sempre tive memória.

GP – Sua escolha do jornalismo foi feita de acordo com a tradição familiar? Foi pela tradição familiar que o senhor decidiu tornar-se um jornalista?

Professor Giovanni – Eu sempre gostei dos jornais. Tive uma certa paixão que depois se desenvolveu muito nos últimos anos do ensino médio. Colaborava com os jornais estudantis. Quando me matriculei na universidade, iniciei realmente. Tive uma formação complexivamente histórica, especificamente filológica. No terceiro ano de universidade comecei a colaborar com “Avvenire” que foi meu jornal por 34 anos até tornar-me diretor do “L’Osservatore”. Escrevi até o último dia no “Avvenire”. É um jornal do qual me afeiçoei muito, onde comecei a escrever mesmo antes de minha formatura. Até mesmo quando já era formado e ainda não havia decidido que caminho tomar, entrei na redação para substituir colegas durante o verão. Eu gostava muito disso. Os jornais eram diferentes dos de hoje. Naturalmente não havia os computadores. Recebi a proposta de entrar no “Avvenire”. Meu pai não se entusiasmou muito com o fato que eu escrevesse para os jornais, porque ele achava que eu poderia fazer muito mais do que isso, se podemos usar a imagem evangélica, usar melhor meu talento na universidade em vez de usá-lo no jornalismo. Porém, eu sempre tentei deixar aberto os dois caminhos, tudo se recompôs com esta nomeação do Papa há quatro anos.

GP – Ficou emocionado?

Professor Giovanni – Com certeza fiquei muito emocionado. Evidentemente, é possível imaginar que é um papel de enorme responsabilidade. Responsabilidade na qual não penso muito, porque se pensasse demais na responsabilidade, certamente me sentiria um pouco pressionado. Ao contrário, sou todos os dias ajudado por todos os colegas que estão aqui no jornal. Tentamos fazer o melhor que podemos. No início foi um pouco duro porque o trabalho sempre foi muito absorvente. E agora, depois de quatro anos, nos habituamos um pouco. Certo, tive que sacrificar completamente os estudos. Hoje tenho uma aula de vez em quando. Fiz pequenos ciclos de aulas para uma jovem congregação de religiosas que me pediram para fazê-lo e fiquei bem contente. Depois, orientei algumas teses de formatura que havia começado. Mas, só isso. Sou especialista em cristianismo antigo. Sobre este argumento não consegui mais fazer praticamente nada, mas espero que o jornal prossiga cada vez melhor, então vou poder me dedicar também um pouquinho aos meus estudos. Porque ainda tenho algumas ideias, diria alguns projetos.

GP – O que o senhor aprendeu com o jornalismo?

Professor Giovanni – Muitíssimo. Aprendi principalmente uma comunicação simples e eficaz. Jornalistas têm um papel muito importante, todos, dos jornalistas da agência, que devem fornecer as notícias, a eles, os colegas que fazem os comentários. O jornalismo deu muito para mim, mas também, devo dizer, o ensino. Porque também ensinar aos jovens impõe naturalmente estudar, raciocinar, principalmente expor em modo atraente aquilo que uma vez era estudado agora infelizmente não se estuda mais – a retórica. É preciso aprender também das novas mídias, como comunicar. Agora parecem muito importantes, estão cada vez mais em uso, principalmente entre os jovens, estas redes sociais, os social networks, estes modos de comunicação rápida, Twitter, ou Facebook. Penso que se deva aprender. Tentar se esforçar a ser claros, a ser interessantes, atraentes. Este é um desafio de todos os dias. Tentamos fazer como o jornal. Tentamos fazer títulos. Isto se vê principalmente na comunicação imediata. Os títulos, as imagens. É um desafio contínuo.

GP – Então, o futuro do jornal será entrar mais na rede?

Professor Giovanni – Acho que sim. Já publicamos vários artigos muito interessantes na rede em diversas línguas, por exemplo o de 1998 do Cardeal Joseph Ratzinger sobre a questão de divorciados que se casaram de novo ou sobre a adesão do Concílio Vaticano II. Não esperamos que saíssem nas várias edições, mas publicamos imediatamente. Os resultados estão aí. Outras vezes utilizamos o site para publicar integralmente aquilo que não conseguimos colocar no jornal. Uma parte publicamos no jornal e o texto integral é acessível no site.

GP – O que o senhor poderia dizer sobre a qualidade do jornalismo de hoje?

Professor Giovanni – Infelizmente, disse tantas vezes, me parece que os jornais de 30 anos atrás fossem melhores, tivessem uma melhor qualidade, também formal. Há um declínio, há um declínio cultural. Depois, inevitavelmente porque a cultura se alargou muito. E isto é um bem. Agora, aqueles que têm acesso à cultura são muito mais do que aqueles que a praticavam há um século, por exemplo. Porém não se pode abaixar muito o nível. Um pouco inevitável, porém precisaria buscar um pouco manter um nível aceitável. Isto principalmente na Itália, a qualidade dos jornais não é controlada infelizmente. Os motivos são tantos.

GP – Como se desenrola o seu dia?

Professor Giovanni – Inicia muito cedo. Eu acordo cedo, tento ter um pouco de espaço para mim. Tento também ouvir notícias pelo rádio. Sou um grande ouvinte de rádio. Muito mais que da televisão. Porque o rádio permite fazer outras coisas ao mesmo tempo. Depois venho para o jornal. Nós do jornal temos a primeira reunião às 8h45, a reunião fundamental em que decidimos como serão as páginas do jornal. Geralmente a partir daquele momento a manhã é muito intensa. Tento evitar outros compromissos de manhã, mas muitas vezes é impossível. Depois, podem haver outros encontros. Digamos que a criatividade se torna muito frenética depois de meio-dia quando começamos a fechar o jornal. Agora temos um novo sistema editorial que permite um fechamento do jornal mais rápido de qualquer ponto de trabalho do “L’Osservatore Romano”, que permite a qualquer redator seguir a evolução do jornal. Um sistema novo que funciona muito bem e que interessou muito o Papa quando veio nos visitar. Foi uma bela visita.

Se consigo faço um intervalo para comer. Depois, à tarde, uma vez que o jornal foi fechado durante a manhã, podem ser necessárias reuniões suplementares, e depois, naturalmente há reuniões e encontros contínuos com os jornalistas, eu deixo habitualmente a porta aberta. Então, qualquer um pode entrar se há problemas. Esta é uma rotina de todos os dias. À tarde tento trabalhar, se não tenho compromissos externos, no jornal, que acontece por dois terços, quatro dias a cada seis, fico no jornal até à noite. Depois, com frequência, uso também a hora do almoço ou a noite para encontros de trabalho. O que dizer, são cansativos, porém podem se tornar agradáveis e úteis. Às vezes volto ao jornal depois. Geralmente o dia se prolonga até mais ou menos meia-noite. Às vezes até depois dessa hora. É um dia dedicado totalmente ao jornal. Depois acontece de ter que viajar para algum congresso, algum compromisso institucional. Depois, ainda bem que há as férias que porém são muito temperadas pelo fato que agora com os celulares, todos os dias falo com o vice-diretor, com outros colegas. É uma vida muito normal para um diretor de jornal. Também porque é preciso recordar que o “L’Osservatore Romano” não é apenas um jornal que sai todas as tardes, mas também compreende edições periódicas. São seis edições semanais e uma mensal. Uma dessas seis edições, em inglês, vem também em língua de malayalam, então na realidade as edições periódicas são oito.

GP – A redação se localiza no Vaticano ou também em outros lugares, principalmente a impressão?

Professor Giovanni – Sim, o jornal é feito somente no Vaticano. Aqui há todas as redações além da redação em malayalam que em vez de ser uma verdadeira edição, é uma versão da edição em inglês que é preparada aqui no Vaticano. Depois o jornal é impresso no Vaticano, mas também em outros lugares. Na realidade há uma edição em alemão que é preparada toda aqui, mas é impressa na Alemanha. Depois volta para nós aqui. As outras, por exemplo a edição em língua italiana, é impressa também em Bergamo e em Milão, porque é distribuída junto ao “Eco di Bergamo” que é um jornal católico, da diocese de Bergamo. Depois é impresso em Milão porque é distribuída na assinatura do semanal “Tempi” que é do grupo de “Comunhão e Libertação”. A edição em francês é impressa somente aqui. A inglesa, por exemplo, é impressa nos Estados Unidos e na Índia, a portuguesa também em Portugal e no Brasil. Principalmente a edição em espanhol que era a mais importante se imprime na Argentina, no Peru, no México e principalmente na Espanha com “La Razon”. É uma presença importante porque desta maneira se difunde no mundo como sempre foi, mesmo que as cópias não sejam numerosíssimas. Porém, tudo junto são 400 mil cópias. Então não é pouquíssimo. E depois, agora o site que eu encontrei foi muito desenvolvido e, a partir do dia 19 de abril deste ano, foi completamente renovado. É muito bonito graficamente assim como o jornal. E não é só em italiano, mas também em espanhol e inglês.

GP – Quais são os desafios do “L’Osservatore Romano” de hoje?

Professor Giovanni – O desafio principal é a difusão. O jornal, infelizmente é muito famoso, mas pouco conhecido. O “L’Osservatore Romano” geralmente diz alguma coisa a tantas pessoas, que talvez nunca tenham visto este jornal que seja um jornal escrito em latim, um jornal da Cúria. Não é exatamente assim, certo, é o único jornal vaticano. Um jornal de respeito em parte oficial. Há uma seção cotidiana, “Nossa informação” quase cotidiana, há dias em que não é publicada, onde são listadas as nomeações, audiências do Papa, de caráter oficial. Como têm um caráter oficial os documentos, quando se indica que entram em vigor a partir daquele momento. É um jornal de fato de expressão da Santa Sé, isso sim.

GP – Os futuros projetos? Mudanças no formato da revista ou entrar mais na rede com mais edições linguísticas, mesmo as cotidianas?

Professor Giovanni – Sim, o ideal seria ter edições pelo menos em inglês e espanhol mais ricas. O problema é que faltam forças, recursos. Temos confiança que isto no futuro possa ser desenvolvido. No que se refere ao formato, o problema são os custos, porque reduzir o formato implicaria em mudar a rotativa, a máquina que imprime o jornal. Isto custaria demais. Mas devo dizer que este formato enorme do jornal não me desagrada. Na realidade é muito simples, encontram-se logo as notícias. Surpreendemos um pouco os leitores no início quando mudamos as capas, todas em duas cores. Infelizmente a rotativa não é a cores, então internamente não é possível. A capa, como vê, são as informações mais importantes, as nossas informações, as informações internacionais, mas a segunda capa é toda de informações vaticanas.

O jornal do Papa nasceu em um momento particular da história seja do papado, seja da Itália. Hoje qual é o seu caráter? Qual é a sua missão?

Principalmente a de difundir o ensinamento do Papa e de difundir do ponto de vista da Santa Sé. Isto certamente permanece como tarefa principal. Depois o Papa quis que o jornal fosse mais internacional. Por isto renunciamos à informação italiana em uma página ou duas e a crônica de Roma que não tinha mais sentido. Permanece um jornal vaticano, mas é um jornal mais internacional. Tem uma dimensão internacional, porque o olhar da Santa Sé, da Igreja, é um olhar mundial. Depois damos muita atenção ao Oriente, às Igrejas cristãs, atém mesmo pelo não católico. A terceira demanda é aquela de dar maior parte da atenção às mulheres, que sempre estiveram no “L’Osservatore Romano”, mas não como agora. Há duas colegas que entraram justamente na edição cotidiana, na seção cultural. Depois há muitas colaboradoras, até não católicas. Anna Foa, por exemplo, que é uma historiadora judia colabora habitualmente, uma editorialista. Mas há muitas rubricas femininas.

GP – Como são escolhidas as notícias internacionais?

Professor Giovanni – O nosso serviço internacional é de bom nível, naturalmente como um jornal nos baseamos nas agências internacionais que são examinadas continuamente. Com esta base é formado o noticiário.Ao fazer escolhas, tentamos não privilegiar uma mais do que outras. Tentamos dar realmente um olhar equilibrado no mundo. Por exemplo, nós nos ocupamos com a África, o que não fazem normalmente os jornais. Estamos nos ocupando, uma novidade, muito de economia, nosso principal colaborador neste setor é o professor Ettore Gotti Tedeschi que além de ser presidente do Instituto para as Obras de Religião, o “IOR”, é principalmente um economista de valor, um intelectual católico de primeiríssima ordem.

GP – Como são escolhidos os colaboradores? Quem são?

Professor Giovanni – Somos quase todos leigos. Há um jesuíta que é responsável da edição de língua polonesa e com ele trabalham três mulheres leigas. Há um Legionário de Cristo, mexicano que é responsável da língua espanhola. Na edição de língua espanhola, há uma religiosa, uma argentina. Não há outros eclesiásticos e somos quase uma centena de pessoas. Uma das mulheres que trabalha no jornal pertence às “Memores Domini” que são um grupo de consagradas de Comunhão e Libertação, mas o restante é todo de leigos. Todos os meus predecessores, todos os diretores do “L’Osservatore Romano” foram leigos, casados, com filhos, solteiros.

Pode-se dizer que seu maior colaborador seja o Santo Padre.

Certamente!

GP – O que aprendeu com Bento XVI?

Professor Giovanni – Veja bem, aprendi é dizer pouco. Em suma, fico admirado e tento imitar sua gentileza e sua bondade. Principalmente a confiança que tem em Deus. Vê-se realmente que um homem para o qual o que é mais importante é Deus. O Papa é tranquilo porque não quis realmente tornar-se Papa. Como foi escolhido pelos cardeais, não procurou isso, leu evidentemente este sinal de Deus. E o aceitou porque o ajudará. Então, esta é a coisa mais importante que aprendi. Outra coisa, o Papa é um extraordinário comunicador. Sabe comunicar, sabe falar. A nossa editorialista, Lucetta Scaragia fez um pequeno ensaio à margem de uma obra omnia dedicada a Ratzinger – Papa – com o título de “Um teólogo que fala a todos”. O Papa é capaz de falar, de se fazer entender por todos. Este é um grande ensinamento. Isto é muito importante para o jornal, para mim pessoalmente. O Papa tenta se fazer entender não por pessoas católicas, porque não teria sentido. Montini dizia: “Para que serve dizer aquilo que é verdade se os homens do nosso tempo não entendem”. Temos que nos fazer entender, este é o ensinamento que o Papa todos os dias está dando para toda a Igreja.

 

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