Artigo: No compasso de um minueto…
No compasso de um minueto -se quisermos, pode ser o de Luigi Boccherini- é impossível perder a temperança e o equilíbrio mental. Não é um baile nem uma dança e sem embargo a corte francesa do século XVII destilou dessa pauta musical para ser expressada polifonicamente, passos e contra-passos serenos e elegantes que refletem um estado de espírito e uma mentalidade em total consonância com a melodia. Não há letra, não se canta nada, tudo é cerimonia um tanto galante e inspirada.
Tomados apenas pelas pontas dos dedos -e ela levando um diminuto, sedoso e perfumado lenço bordado entre os seus-, caminham de frente e em fila os casais: passo um, passo dois, passo três: gira, reverência; o homem faz uma elegantíssima saudação, a dama responde inclinando-se e prendendo em suas mãos a saia de seu generoso e amplo vestido. Voltando-se a pegar delicadamente pelos dedos, giram os dois, de acordo com o compasso, bem devagar.
Depois vem uma sucessão maior de passos e meio-passos pela direita e pela esquerda, muito trabalhoso de explicar por escrito, mas simplesmente imagináveis se escutamos um minueto qualquer e criarmos uma boa composição de lugar.
Cada minueto tinha sua forma de ser interpretado no salão. Em algumas cerimonias de apresentação diante do rei, o homem entra de bengala e chapéu tricórnio, isso faz com que o casal, em um distinguidíssimo jogo de movimentos, mais parecer um encantador ‘bibelot’ que tomou vida. A dama vestida como na época em que o minueto foi sensação na corte de Luís XIV, gira como uma sinetazinha de colorida porcelana sobre uma mesa de resplandecente madeira lisa.
Minueto e harmonia
O minueto harmonizava-se perfeitamente com tudo o que havia na sala onde era interpretado e executado: o parquet do piso de madeiras finas e lustradas, as cortinas, os móveis,os luminosos lustres de cristal, espelhos em molduras douradas e uma atmosfera, talvez excessivamente perfumada, mas muito agradável.
Às vezes distendidamente sérios, às vezes com um convencional sorriso de amabilidades, os casais permanecem muito concentrados na cadência e no bom resultado de sua interpretação para fazer disso a apresentação de sua imagem e educação bem executadas, de sua criatividade e inteligencia que se percebia imponderavelmente por gestos que em cada um tinha uma marca inconfundível e admirável de sua personalidade, refletindo a linhagem familiar.
Não podemos imaginar essa maravilha florescendo em aristocráticos salões senão tirando antes da imaginação as sarabandas massificadas de hoje em dia, onde todo o mundo pula e pula sem identidade ao ritmo monótono de golpes secos e agudos pavorosos, para não falar da imoralidade arrogante nos fatídicos concertos dos parques públicos e as drogadas bandas de rock.
Não sabemos se a UNESCO tomou o trabalho de declarar o minueto patrimônio cultural da humanidade, mas deveria fazê-lo antes que se apague da memória coletiva dos homens umas das expressões artísticas mais elevadas da linhagem humana quando regulamenta com suavidade e alegria temperante, traços da convivência social e enaltecido relacionamento, ao bom gosto de todos, porque se tratava de estar juntos e manifestar-se agrados mútuos antes que deixe-se levar por uma louca e desequilibrada euforia de sensações incoerentes e descoordenadas frequentemente às escuras ou à meia luz.
O minueto, que pode significar perfeitamente “minúsculos passos curtos”, quase que também era algo assim como um sacramental da sociedade temporal.
De tal maneira dispunha a alma para endireitar sua conduta e chegar a altas considerações, que por essa razão se usou muito nas apresentações sociais diante do rei e da corte.
Era inesquecivel o dia em que aquilo em que a pessoa era reconhecida no refinado círculo aristocrático que exigia um comportamento para o qual o dito em francês “noblesse obligue” ajusta perfeitamente.
A moça era uma antes e outra depois, após executar seu primeiro minueto diante do rei e da corte. Certamente isso marcava sua existência. E a música ficava para sempre em seus castos ouvidos com aquela agradável sensação da inocência cheia de esperanças na vida.
Dos varões franceses daqueles tempos executando minueto, não nos enganemos. Esse refinamento de maneiras tão delicadas simplesmente envolvia em fino papel de seda os lances aguerridos e intrépidos de que foram capazes os melhores filhos da nobreza nos tempos das grandes batalhas de bandeiras coloridas de Condé e Tourrene e o expansionismo bélico do novíssimo Rei Sol.
Foi algo assim como praticar outra forma de minueto, de espada nas mãos e botas altas de couro, montados em um cavalo de guerra sem nenhum medo da morte ou de ficar inválidos.
Por Antonio Borda
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