Páscoa leva fiéis e peregrinos em massa para a Praça de São Pedro neste domingo
Cidade do Vaticano (Domingo, 12-04-2009, Gaudium Press) Nem o gélido frio matinal da capital italiana afugentou os fiéis neste domingo de Páscoa. Perto de 200 mil pessoas, segundo estimativas da guarda municipal, acompanharam hoje na Praça de São Pedro uma das mais importantes celebrações do calendário litúrgico da Igreja, presidida pelo Papa Bento XVI.
A multidão se estendia até quase toda a Via della Conciliazione, rua que desemboca na Praça. Havia grupos de peregrinos de diversas partes do mundo, do Brasil à Macedônia, da Argentina à Bélgica, da Palestina à Nova Zelândia.
Para a missa que celebra a ressurreição de Cristo, a decoração dos jardins da planície e que circundam o altar em frente à Basílica ganhou tons mais vivos. Flores amarelas foram dispostas nos arcos gramados que levam ao altar e vários outros arranjos florais foram espalhados pelo local, inclusive no balcão da principal sacada da Basílica. Como tradição, desde 1985 esse tipo de decoração fica a cargo de floristas holandeses. Debaixo da sacada principal foi colocada uma tapeçaria ilustrando a ressurreição de Jesus.
A importância da cerimônia pôde ser percebida também nas apresentações oficiais dos regimentos da guarda suíça, que protege o Papa e o Vaticano, e pelos aspectos protocolares de diplomacia de Estado. Por volta das 9h30, pouco antes de iniciar a cerimônia, parte do corpo da guarda suíça, devidamente aparamentado e seguido de uma banda de fanfarra, fez um pequeno desfile pelos espaços entre o público e se posicionou na lateral da base da rampa que leva ao altar.
Em seguida, outro corpo de guarda, mas italiano, e também acompanhado de uma banda fez o mesmo e se postou do outro lado, de frente ao regimento suíço. Ambos os pelotões trocaram deferências, marcharam e apresentaram armas. A banda que acompanhava a guarda suíça tocou o hino da Itália, enquanto a da guarda italiana tocou o hino vaticano. Depois, esperaram.
Homilia
Assim que entrou na Praça de São Pedro, e dirigiu-se ao lugar de onde proferiu as bênçãos e leu a homilia, Bento XVI foi recebido por boa parte do público com o já conhecido coro de “Beeee-ne-det-to!”, “Beeee-ne-det-to!” – Bento, em italiano. Nesse momento, muitas bandeiras se agitaram e fiéis disputavam o melhor ângulo para ver o Papa.
Durante a homilia da cerimônia, o Papa falou sobre o significado do sacrifício de Jesus na cruz, que remete à imolação de animais da antiga tradição hebraica. “A Páscoa hebraica, memorial da libertação da escravidão do Egito, previa anualmente o rito da imolação do cordeiro, um cordeiro por família, segundo a prescrição de Moisés. Na sua paixão e morte, Jesus revela-se como o Cordeiro de Deus “imolado” na cruz para tirar os pecados do mundo. Foi morto precisamente na hora em que era costuma imolar os cordeiros no Templo de Jerusalém. Podemos assim afirmar com verdade que Jesus levou a tradição da antiga Páscoa e tranformou-se na sua Páscoa”.
Bento XVI pediu ainda que as pessoas “abram o espírito” a Cristo, para que ele “elimine do nosso coração o veneno do pecado e da morte”.
Mensagem de Páscoa
Após o término da Missa Pascal, o Papa entrou na Basílica e se encaminhou ao terraço principal do prédio, de onde leu uma mensagem especialmente escrita para a Páscoa.
Nela, Bento XVI ressaltou que ninguém deve temer a morte, pois a ressurreição de Cristo provaria que “no fim, quem triunfa é a Vida”. “Jesus ressuscitou, não para que a sua memória permaneça viva no coração dos seus discípulos, mas para que Ele mesmo viva em nós, e, Nele, possamos já saborear a alegria da vida eterna”, disse o pontífice.
O Papa citou sua recente viagem a Camarões e Angola, para dizer que a África “sofre desmedidamente com os cruéis e infindáveis conflitos – frequentemente esquecidos – que dilaceram e ensanguentam várias das suas Nações e com o número crescente dos seus filhos e filhas que acabam vítimas da fome, da pobreza, da doença”. Ele disse que levará a mesma mensagem para a Terra Santa, em prol da “composição do conflito israelo-palestino.
O Sumo-Pontífice mencionou ainda a escassez de alimentos, a crise financeira, os efeitos da mudança climática e a imigração ilegal e pediu que os fiéis combatam com as armas “da justiça, da verdade, da misericórdia, do perdão e do amor”. (Veja, ao final da matéria, a íntegra do discurso pascal)
Ao final da mensagem, o Papa desejou uma Feliz Páscoa a todos que o assistiam na Praça de São Pedro e pela televisão em 63 línguas. Antes de partir, deu a benção Urbi et Orbi (“Para a cidade e o mundo”).
“Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro!
A todos vós formulo cordiais votos de Páscoa com as palavras de Santo Agostinho: «Resurrectio Domini, spes nostra – a ressurreição do Senhor é a nossa esperança» (Agostinho, Sermão 261, 1). Com esta afirmação, o grande Bispo explicava aos seus fiéis que Jesus ressuscitou para que nós, apesar de destinados à morte, não desesperássemos, pensando que a vida acaba totalmente com a morte; Cristo ressuscitou para nos dar a esperança (cf. ibid.).
Com efeito, uma das questões que mais angustia a existência do homem é precisamente esta: o que há depois da morte? A este enigma, a solenidade de hoje permite-nos responder que a morte não tem a última palavra, porque no fim quem triunfa é a Vida. E esta nossa certeza não se funda sobre simples raciocínios humanos, mas sobre um dado histórico de fé: Jesus Cristo, crucificado e sepultado, ressuscitou com o seu corpo glorioso. Jesus ressuscitou para que também nós, acreditando n’Ele, possamos ter a vida eterna. Este anúncio situa-se no coração da mensagem evangélica. Declara-o com vigor São Paulo: «Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé». E acrescenta: «Se tão somente nesta vida esperamos em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens» (1 Cor 15, 14.19). Desde a alvorada de Páscoa, uma nova primavera de esperança invade o mundo; desde aquele dia, a nossa ressurreição já começou, porque a Páscoa não indica simplesmente um momento da história, mas o início duma nova condição: Jesus ressuscitou, não para que a sua memória permaneça viva no coração dos seus discípulos, mas para que Ele mesmo viva em nós, e, n’Ele, possamos já saborear a alegria da vida eterna.
Portanto a ressurreição não é uma teoria, mas uma realidade histórica revelada pelo Homem Jesus Cristo por meio da sua «páscoa», da sua «passagem», que abriu um «caminho novo» entre a terra e o Céu (cf. Heb 10, 20). Não é um mito nem um sonho, não é uma visão nem uma utopia, não é uma fábula, mas um acontecimento único e irrepetível: Jesus de Nazaré, filho de Maria, que ao pôr do sol de Sexta-feira foi descido da cruz e sepultado, deixou vitorioso o túmulo. De fato, ao alvorecer do primeiro dia depois do Sábado, Pedro e João encontraram o túmulo vazio. Madalena e as outras mulheres encontraram Jesus ressuscitado; reconheceram-No também os dois discípulos de Emaús ao partir o pão; o Ressuscitado apareceu aos Apóstolos à noite no Cenáculo e depois a muitos outros discípulos na Galileia.
O anúncio da ressurreição do Senhor ilumina as zonas escuras do mundo em que vivemos. Refiro-me de modo particular ao materialismo e ao niilismo, àquela visão do mundo que não sabe transcender o que é experimentalmente constatável e refugia-se desconsolada num sentimento de que o nada seria a meta definitiva da existência humana. É um fato que, se Cristo não tivesse ressuscitado, o «vazio» teria levado a melhor. Se abstraímos de Cristo e da sua ressurreição, não há escapatória para o homem, e toda a sua esperança permanece uma ilusão. Mas, precisamente hoje, prorrompe com vigor o anúncio da ressurreição do Senhor, que dá resposta à pergunta frequente dos cépticos, referida nomeadamente pelo livro do Coeleth: «Há porventura qualquer coisa da qual se possa dizer: / Eis, aqui está uma coisa nova?» (Co 1, 10). Sim – respondemos -, na manhã de Páscoa, tudo se renovou. «Mors et vita / duello conflixere mirando: dux vitae mortuus / regnat vivus – Morte e vida defrontaram-se / num prodigioso combate: / O Senhor da vida estava morto; / mas agora, vivo, triunfa». Esta é a novidade! Uma novidade que muda a vida de quem a acolhe, como sucedeu com os santos. Assim aconteceu, por exemplo, com São Paulo.
No contexto do Ano Paulino, várias vezes tivemos ocasião de meditar sobre a experiência do grande Apóstolo. Saulo de Tarso, o renhido perseguidor dos cristãos, a caminho de Damasco encontrou Cristo ressuscitado e foi por Ele «conquistado». O resto já sabemos. Aconteceu em Paulo aquilo que ele há-de escrever mais tarde aos cristãos de Corinto: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O que era antigo passou: tudo foi renovado!» (2 Cor 5, 17). Olhemos para este grande evangelizador que, com o audaz entusiasmo da sua ação apostólica, levou o Evangelho a muitos povos do mundo de então. Que a sua doutrina e o seu exemplo nos estimulem a procurar o Senhor Jesus; nos animem a confiar Nele, porque o sentido do nada, que tende a intoxicar a humanidade, já foi vencido pela luz e a esperança que dimanam da ressurreição. Já são verdadeiras e reais as palavras do Salmo: «Nem as trevas, para Vós, têm obscuridade / e a noite brilha como o dia» (139/138, 12). Já não é o nada que envolve tudo, mas a presença amorosa de Deus. Até o próprio reino da morte foi libertado, porque também aos «infernos» chegou o Verbo da vida, impelido pelo sopro do Espírito (Sal 139/138, 8).
Se é verdade que a morte já não tem poder sobre o homem e sobre o mundo, todavia restam ainda muitos, demasiados sinais do seu antigo domínio. Se, por meio da Páscoa, Cristo já extirpou a raiz do mal, todavia precisa de homens e mulheres que, em todo o tempo e lugar, O ajudem a consolidar a sua vitória com as mesmas armas d’Ele: as armas da justiça e da verdade, da misericórdia, do perdão e do amor. Tal foi a mensagem que, por ocasião da recente viagem apostólica aos Camarões e a Angola, quis levar a todo o Continente Africano, que me acolheu com grande entusiasmo e disponibilidade de escuta. De fato, a África sofre desmedidamente com os cruéis e infindáveis conflitos – frequentemente esquecidos – que dilaceram e ensanguentam várias das suas Nações e com o número crescente dos seus filhos e filhas que acabam vítimas da fome, da pobreza, da doença. A mesma mensagem repetirei com vigor na Terra Santa, onde terei a alegria de me deslocar daqui a algumas semanas. A reconciliação difícil mas indispensável, que é premissa para um futuro de segurança comum e de pacífica convivência, não poderá tornar-se realidade senão graças aos esforços incessantes, perseverantes e sinceros em prol da composição do conflito israelita-palestino. Da Terra Santa, o olhar estende-se depois para os países limítrofes, o Médio Oriente, o mundo inteiro. Num tempo de global escassez de alimento, de desordem financeira, de antigas e novas pobrezas, de preocupantes alterações climáticas, de violências e miséria que constringem muitos a deixar a própria terra à procura duma sobrevivência menos incerta, de terrorismo sempre ameaçador, de temores crescentes perante a incerteza do amanhã, é urgente descobrir perspectivas capazes de devolverem a esperança. Ninguém deserte nesta pacífica batalha iniciada com a Páscoa de Cristo, o Qual – repito-o – procura homens e mulheres que O ajudem a consolidar a sua vitória com as suas próprias armas, ou seja, as armas da justiça e da verdade, da misericórdia, do perdão e do amor.
Resurrectio Domini, spes nostra – a ressurreição de Cristo é a nossa esperança! É isto que a Igreja proclama hoje com alegria: anuncia a esperança, que Deus tornou inabalável e invencível ao ressuscitar Jesus Cristo dos mortos; comunica a esperança, que ela traz no coração e quer partilhar com todos, em todo o lugar, especialmente onde os cristãos sofrem perseguição por causa da sua fé e do seu compromisso em favor da justiça e da paz; invoca a esperança capaz de suscitar a coragem do bem, mesmo e, sobretudo quando custa. Hoje a Igreja canta «o dia que o Senhor fez» e convida à alegria. Hoje a Igreja suplica, invoca Maria, Estrela da Esperança, para que guie a humanidade para o porto seguro da salvação que é o coração de Cristo, a Vítima pascal, o Cordeiro que «redimiu o mundo», o Inocente que «nos reconciliou a nós, pecadores, com o Pai». A Ele, Rei vitorioso, a Ele crucificado e ressuscitado, gritamos com alegria o nosso Aleluia!”
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