“Espero que esta visita do Santo Padre nos coloque de novo no caminho”, afirma Cardeal Barthélemy Adoukonou
Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 18-11-2011, Gaudium Press) Em entrevista exclusiva a Gaudium Press, o secretário do Pontifício Conselho da Cultura, Cardeal Barthélemy Adoukonou falou, entre outros assuntos, sobre a expectativa da viagem apostólica de Papa Bento XVI ao Benin.
Gaudium Press – Qual é o significado da próxima viagem do Santo Padre ao Benin?
Cardeal Barthélemy Adoukonou – Esta viagem do Santo Padre ao Benin tem para nós um significado muito importante, porque se abordará o problema de como relançar o nosso programa de evangelização que concluímos este ano. No 150° aniversário da evangelização do nosso país analisamos o ponto da situação: onde chegamos, qual foi o percurso e o que realizamos do programa estabelecido durante o primeiro Sínodo para a África, aquilo que nos chamou a sermos edificadores da Igreja no Benin.
O nosso programa sempre foi aquele de evangelizar tendo como ponto de partida os aspectos antropologicamente mais significativos da nossa cultura africana, sem porém nunca esquecer que pertencemos também à grande família de Deus que é a Igreja.
O Santo Padre vem até nós agora para nos dar uma exortação apostólica em um momento muito significativo. E isto é para nós todos uma grande alegria, porque esperamos dele indicações muito importantes não apenas sobre aquilo que temos para levar como valores, no momento em que a África representa o pulmão da humanidade, mas também sobre como nos proteger de dois vírus muito graves: de um lado o materialismo, do outro as doenças da religiosidade.
Penso que o Santo Padre nos dirá aquilo que esperamos: como conseguir demonstrar realmente e socialmente a nossa identidade de pertencer à família de Deus. Para ser família de Deus é necessário ser um corpo reconciliado, no qual o ódio foi morto, como aconteceu no corpo do Cristo ressuscitado. “Matou o ódio” – diz São Paulo – portanto abateu também o muro de separação e saiu dalí somente o homem novo, a humanidade nova.
Neste tempo de crise econômica, a expectativa do Benin, da África e também do mundo inteiro é que todos possamos encontrar aquilo que é central, isto é, a pessoa humana já reconciliada em Cristo.
Espero que esta visita do Santo Padre nos coloque de novo no caminho. Recordo que no fim do Sínodo nos dizemos: “África, levanta e caminha”.
GP – Porque a escolha do Benin? O que representa a sua pátria?
Cardeal – O Benin é um pequeno país que tinha também a má fama de ser um dos países no qual operavam os mercadores de escravos. Era também o país da religião Vodun.
O bispo francês de Marion Brésillac, quando se demitiu de sua diocese de Pondicherry na Índia pediu para ser mandado de novo em missão em Daomé – atual Benin. Ele queria levar ali a luz do Evangelho. Depois de tantos anos de evangelização algo de bom foi realizado.
Temos a grande figura do cardeal Gantin, que era um verdadeiro beninense. Foi um homem extraordinário, de coração fervente, um homem de relações, um homem de bondade incrível e que viveu aqui em Roma por mais de 30 anos na Cúria Romana. Foi prefeito da Congregação dos Bispos e terminou como decano do colégio cardinalício. O Cardeal Ratzinger o conheceu bem, não somente porque lhe sucedeu como decano dos cardeais, mas porque foram nomeados no mesmo Consistório. Ele foi o primeiro africando a ser chamado para a Cúria Romana.
O Papa Bento XVI me chamou para ajudá-lo a construir o laço da fé entre as diversas culturas |
GP – O senhor disse que a África pode ser o pulmão da humanidade de hoje. No que pode contribuir a cultura africana?
Cardeal – Essa afirmação não é minha, mas do Santo Padre. O nosso continente poderá trazer a sua contribuição quando redescobrir realmente os próprios valores espirituais. O primeiro valor que um africano tem é a vida e a vida, na sua manifestação humana primordial, é a família, isto é, um homem e uma mulher em tensão de amor fecundo. Verificamos isso em tantos anos de pesquisas culturais e o trouxemos como contribuição ao primeiro Sínodo para a África. O africano vê a vida como um bem que se manifesta na realidade da família onde há relações pessoais e onde residem todos os valores. Temos que salvar isto e temos que pegar da cultura africana esta orientação em direção aos valores da vida e da família, em direção de Deus e em direção da natureza que temos que despertar.
E quando o Papa diz que representamos o pulmão da humanidade, considero que isto deva ser interpretado neste sentido, seja dentro das próprias nações, seja na esfera internacional e das relações com as outras culturas. Isto seria uma contribuição imensa. Hoje os europeus não querem mais falar de família. Mas é justamente ali que as vias são completamente diversas. Nós tentamos, de fato, recuperar estes valores para redescobrir o que há de positivo e é esta a lógica da vida. Dali deriva uma melhora das relações que intercorrem entre as pessoas humanas, entre elas e Deus, e entre as nações. O Santo Padre dizia que não devemos nos contagiar com o vírus do materialismo e das doenças da religiosidade. Precisamos de sábios para a humanidade. Se não há esta sabedoria, este amor pela vida que salva a dignidade da pessoa humana, a humanidade está em grave perigo. Se respeita-se e promove-se a pessoa humana, promovem-se também os bens materiais. Portanto, como dizia Paulo VI, não devemos sacrificar as razões de viver para nos contentarmos em viver. A África quer viver assim e trazer sua contribuição ao desenvolvimento da humanidade.
GP – Excelência, pode nos contar alguma coisa sobre a sua colaboração com o prof. Joseph Ratzinger – Papa Bento XVI?
Cardeal – Bento XVI me chamou para colaborar com ele no campo da relação da cultura e da fé, não mais a nível só da África, mas aquele da Igreja universal. Creio que tenha confiança em mim, porque fizemos um longo percurso juntos. Fiz a tese de graduação com ele justamento no campo da inculturação, isto é, a relação entre a fé e a cultura. Isto é, o modo no qual se realizou a inculturação foi sempre uma passagem pela cruz. Os Pais da Igreja se bateram até a morte por causa de um só “i”, aquela famosa controvérsia a propósito de “homousios”, “homoiusios”. Se você diz “homoiusios”, significa que assemelha a Deus por alguma coisa que se pode comparar com Deus. Mas quando você diz “homousios”, você diz que é da mesma natureza de Deus, em identidade: Deus, “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”. Não se pode dizer que na proposta missionária da fé cristã tenha havido um encontro que introduziu uma conversão transformadora da cultura europeia. Os missionários nos propuseram a mesma conversão que transforma e salva a cultura. Isto, no meu parecer, é inculturação no sentido genuíno. Na minha tese procurei demonstrar a passagem necessária de todas as culturas pela cruz de Cristo que as salva todas.
O Papa Bento me chamou aqui para ajudá-lo a construir o laço da fé entre as diversas culturas. Este dicastério é justamente o lugar para elaborar uma tal relação de diálogo e de comunhão das culturas. A questão da verdade torna-se mais clara e estimulante nesta perspectiva.
É verdade que o Ocidente tornou-se, na sua modernidade, ateu, e este ateísmo trouxe consigo a rejeição do homem criado à imagem de Deus como “homem-família”. Então, a morte de Deus é também morte para o homem e é isto que vemos hoje. Ele é o Criador da natureza humana, em particular o direito da família. O Ocidente ateu destrói a família e não quer reconhecer o seu direito, enquanto afirma o direito dos indivíduos que a compõem.
GP – Quais são os temas mais significativos, fundamentais deste pontificado?
Cardeal – Penso que o tema verdadeiramente decisivo seja o do amor, da caridade. Como se vê nas suas primeiras encíclicas: fé, esperança, caridade. “Caritas in veritate”. Também a caridade deve ser vivida a nível das relações entre as nações e penso que esta linha teológica pastoral tenha que ser uma linha a ser realizada para o futuro. Esta direção é a teologia do amor e da vida, e é dali que se verá de que tipo será a pastoral; penso que seja a verdadeira pastoral. Então o Santo Padre virá para nos falar da África e como pretende e o que significa para ele “pulmão da humanidade”.
Penso que o discurso de Bento XVI lembrará em parte o que disse no Collège des Bernardins em Paris, quando encontrou o mundo da cultura. Esperamos também uma alusão aos problemas da justiça e da paz como fez no seu debate com Jürgen Habermas em 2004, em Munique. A política não basta, a democracia não pode se basear em si própria. É preciso necessariamente um pensamento pré-político.
Habermas concordava. Razão e fé são inseparáveis, necessárias uma a outra. Habermas disse que o cidadão não crente não tem o direito de excluir os crentes do debate público.
É injusto querer excluir a religião e as suas potencialidades racionais. Isto me parece um debate que deve ser levado à esfera internacional, como já dissemos. As nações devem ser abertas para Deus para receber d’Ele a força para se tornarem aquilo que são chamadas para ser.
Penso que o Papa nos dará um instrumento de trabalho, um plano de ação para ir em direção ao fututo em maneira mais decisiva, também mais conscientes do fato que não estamos sós, que a Igreja nos apóia, que podemos exigir mais, principalmente no que diz respeito à justiça, reconciliação e paz.
Anna Artymiak
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