Dom João Braz de Aviz: “Estou aqui Santidade, para trabalhar com o senhor”
No primeiro andar do edifício número 3 na Praça Pio XII em Roma, que se encontra à sombra da grande Praça São Pedro, encontra-se a sede da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, dicastério que há um mês é conduzido pelo arcebispo brasileiro, Dom João Braz de Aviz. Perguntamos a ele como se sente em Roma e como vê a direção da Congregação, uma semana após os exercícios espirituais com o Santo Padre.
Anna Artymiak: Antes de lhe perguntar sobre o balanço de seu primeiro mês em Roma como chefe da Congregação, gostaria de lhe pedir que fizesse uma breve reflexão sobre os Exercícios Espirituais que se concluíram no sábado passado no Vaticano, dos quais o senhor pôde participar pela primeira vez.
Dom João Braz de Aviz: Isto da primeira vez é sempre alguma coisa que surpreende muito porque eu não estava acostumado com essa proximidade com o Santo Padre, pela oração para o ministério. Estar a seu lado, poder ao menos participar destes Exercícios Espirituais, foi uma experiência muito especial. Participei das oito meditações. O tema da figura de João Paulo II foi muito bonito. Ele era uma figura central desse retiro em preparação para a beatificação do dia 1º de maio, que faz Roma aquecer. Depois havia o fato que, em torno da figura de João Paulo II, estavam os teólogos santos.
Porque João Paulo II deu uma conotação forte à santidade da teologia mais raciocinada e mais mística. Foi também recuperar algumas figuras dos santos, Santa Teresinha do Menino Jesus, São Luís de Monfort. Também uma mãe e uma jovem moça, Chiara Luce. Os Exercícios foram para mim uma aventura muito grande e muito bonita. Também devido a este ambiente de canto gregoriano, porque o canto gregoriano nos ajuda muito na meditação. Estou muito contente por ter podido participar.
AA: O senhor também teve ocasiões para encontros pessoais.
Dom João Braz de Aviz: Fiquei muito admirado pelo Santo Padre ter se referido a mim por duas vezes antes de eu chegar. Eu não estava ainda em Roma, estava ainda no Brasil e soube disso através da internet. Depois, em um outro momento, me cumprimentou em um dos domingos. Eu, por minha vez, pude encontrá-lo pessoalmente na Basílica de Santa Sabina no início da Quaresma. Apresentei-me a ele: “Estou aqui Santidade para este trabalho com o senhor”. Ele me disse: “Bem, bem. Ao menos nos vimos nos olhos”.
Com o Cardeal Tarcisio Bertone também. Tínhamos já tido uma audiência para os trabalhos da Congregação. Nós estamos felicíssimos – “nós” porque fui com Mons. Tobin que é secretário do dicastério. Agora achamos que devemos pedir uma audiência privada com o Santo Padre para entender melhor como ele vê a vida consagrada. A vida consagrada é para a Igreja um grande tesouro, então seria realmente necessário entender como ele sente essas coisas, essa realidade, para caminhar nesta direção. O nosso trabalho será, principalmente, aproximarmo-nos das congregações, das ordens e uma outra parte será estarmos próximos do que diz o Santo Padre.
No encontro com o Cardeal Bertone, o que me marcou foi a seriedade com a qual ele cumpre a agenda. A segunda, a fraternidade em tratar as coisas, pensando no que o outro diz para entender bem a situação. Isso me fez realmente muito bem. Estou contente com isso porque não é somente uma formalidade. A importância desses encontros não está somente em resolver os problemas, mas há também uma vida que corre. Naturalmente, aquilo que o Santo Padre sente é o ponto principal. Nosso trabalho é consultar, não é um trabalho de decisão, mesmo que a estrutura das congregações tenha tantas coisas formalizadas.
AA: Qual é o balanço de seu primeiro mês na Congregação?
Dom João Braz de Aviz: Houve uma mudança muito grande, isso tenho que dizer. Esta palavra, mudança, talvez diga muito. Eu venho de uma vida pastoral intensíssima. Tinha uma diocese de 2,5 milhões de habitantes, Brasília, a capital. Decidi nestes sete anos em Brasília estar muito próximo do povo. Então eu vivia muito nas paróquias, nos encontros, nas reuniões. Em Roma, por sua vez, encontro papéis, menos pessoas. Há um estilo de vida dividido em horários. Mas vejo que isso foi importante para mim, como uma parada para me direcionar a abrir um novo campo. Por isto estava certo da vontade de Deus, porque o Papa me chamou. A cultura italiana, esta relação com o Vaticano…
A cultura italiana em si eu já conhecia pois estive aqui antes, por nove anos, em Roma. Porém, o ambiente do Vaticano eu não conhecia. Tanto que não sabia nada da congregação, sabia somente que era uma congregação que cuida dos religiosos. Sim, procurei seguir um pouco os documentos da Igreja, isto sim, mas como era feito concretamente, isso não sabia. Então, isto que se deu neste mês foi o “entrar” na Congregação. Antes de tudo a relação com as 40 pessoas com as quais eu trabalho – e que, devo dizer, é uma equipe muito madura e também muito competente. Nos conhecemos, confiamos muito no nosso trabalhos. Principalmente a colaboração com Mons. Tobin é muito importante para mim porque desta comunhão entre nós dois depende também o caminho do dicastério. Eu sinto que caminhamos com muita confiança um no outro. Mas principalmente este espírito de compreensão, de abertura, de confiança, de alegria, de oração juntos.
Comecei a entender que são coisas muito bonitas e positivas, que vêm de várias congregações e ordens. Quando fazem estes balanços de quatro ou seis anos, vemos que há muita vitalidade de uma parte. Há também os velhos carismas e também estes novos que nascem que não são tanto movimentos de leigos, mas querem ser movimentos de religiosos. Estes são ligados a nós. Comecei este trabalho com os documentos junto às visitas aqui aos nossos superiores gerais. Já fui a três casas e estou muito contente com isso. Visitei os carmelitas descalços em sua casa generalícia, e também a casa generalícia dos padres dehonianos. E agora estou com Padre Miguel Miro da Ordem dos Agostinianos Recolletti na Espanha para a ordenação episcopal de um dos membros da congregação, que agora se tornou bispo ali. Com estas três congregações já pude ter uma relação. Depois, há muitas pessoas que vieram aqui. Tive um contato muito bonito com representantes das organizações religiosas que têm na Itália. Depois encontraremos a maneira de estarmos juntos. Gosto muito disso porque é possível criar uma maior relação de confiança, falar dos problemas verdadeiros, da dificuldade verdadeira, com um amor de verdade por esta vida na Igreja. Há mais de um milhão de pessoas que são consagradas na Igreja, por isto é uma parte da igreja muito importante.
Este período foi assim. Agora me vejo mais tranquilo. Comecei também a rezar ainda mais porque sinto que é necessário rezar para levar adiante este mundo, porém com muita confiança, realmente muita confiança.
AA: Projetos para o futuro?
Dom João Braz de Aviz: Projetos talvez não. Mas agora o mundo mudou muito. Por exemplo, as distâncias não existem mais, você pega um avião e em oito horas está no Brasil. A internet coloca dentro de casa qualquer lugar do mundo. As religiões agora são mais conhecidas, pode-se pegar um código, um documento qualquer, ver a situação de uma determinada Igreja. Neste mundo cheio de relações como temos que nos situar? Isto me parece importantíssimo. Nós temos uma fonte de onde pegar esta água boa. Nós sabemos que somos feitos para as relações. Porém me parece que um pouco na vida religiosa e também na vida contemplativa se tem este senso de solidão, solidão com Deus… Deve-se ter também a capacidade de renovar as relações. Por exemplo, este pensamento que o outro é sempre uma dificuldade deve cair. O outro é para mim uma oportunidade de encontrar uma relação verdadeira de amor. É preciso aprofundar o conhecimento de Deus. Nós perdemos o sentido de que Deus é relação. Deus é amor. Este amor do qual somos a imagem, onde está? Temos que colocá-lo entre nós. Inclusive para um monge, porque ele também tem uma vida comunitária. Ali há um problema para as vias do individualismo na cultura atual, onde “eu” sou a norma para mim mesmo e começo a não ver mais o outro. Não vejo mais aquilo que é necessário, eu não sorrio mais porque não me interessa o outro, me interessa somente eu mesmo. Isto me preocupa muitíssimo.
AA: As estatísticas da Igreja Católica mostram que o número das religiosas professas diminui. Como Sua Excelência vê esta situação?
Dom João Braz de Aviz: Será o período de prova, também para se fazer um exame de consciência. Porque algum sinal por parte de Deus existe para nós. É interessante que em algumas comunidades não haja vocações e em outras haja muitíssimas. Talvez na Europa este problema seja um pouquinho mais grave. Porém aqui também há sinais interessantes. É preciso entendê-los, segui-los, analisá-los, mas também mudarmos nós mesmos neste sentido. Em tudo.
AA: As mesmas estatísticas mostram também que metade da população católica vive na América. O que o mundo, principalmente ocidental, marcado por uma crise de fé profunda, pode aprender com a cultura brasileira?
Dom João Braz de Aviz: A nossa cultura tem algumas características muito interessantes. Primeiro porque é uma “pluricultura”, porque nós temos raiz negra, raiz indígena, raiz, europeia, raiz asiática… somos realmente uma mistura de povos. A beleza do Brasil é esta mistura. Nos dá um ar muito universal. Para nós, as relações não são coisas difíceis. São coisas a se buscar.
Depois há uma outra característica: a alegria. O povo brasileiro é alegre apesar dos tantos problemas que temos. Nós temos a nossa guerra contra a droga e os traficantes. Quase tão grande quanto as demais guerras que existem no mundo. No Rio de Janeiro, por exemplo, isto é impressionante. Foi necessário um exército para colocar as coisas em ordem. O pobre brasileiro que não tem tanto, não é triste, é alegre. E isto é uma coisa impressionante. Você vai até os pobres e fica alegre. Nós dançamos muito, cantamos muito. Agora estamos vendo que podemos chegar a uma sociedade mais justa nos meios para sobreviver. Porque nós tivemos esta separação entre os pobres e os ricos, muito grave. Agora se começa a mudar as coisas. Agradecemos a Deus, há todo o trabalho para trazer aqui.
Também a simplificação da vida é algo que podemos trazer. E depois, nunca conseguimos explicar como o povo brasileiro conservou a devoção popular de forma tá grande em um período em que os missionários foram mandados embora. A característica de uma fé popular permanece no Brasil. Um homem brasileiro e uma mulher brasileira são pessoas que creem. E também são tolerantes. Penso que com estes valores podemos ajudar os outros.
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